Houve épocas em que dizer “não” para os filhos era algo muito comum, que fazia parte da educação mais rígida praticada pelas gerações passadas. Com o passar dos anos e as mudanças nas formas de criar os filhos, a educação se tornou mais flexível e o “sim”, mais frequente. Hoje, o ideal, dizem os especialistas, é chegar a um meio termo entre exigir a obediência extrema e ser muito permissivo, que garanta a manutenção de limites.
Mas, em tempos de quarentena, em que as famílias tiveram de mudar radicalmente sua rotina e os pais estão quase sempre sobrecarregados de tarefas, o “sim” tem se mostrado uma tentação – ou melhor, uma prática comum. Afinal, como negar algo ao filho enquanto se participa de uma reunião por videoconferência com a equipe de trabalho? Como convencer a criança de que ela deve brincar sozinha em vez de assistir a um desenho na TV, sendo que ela (com razão) diz já não aguentar mais brincar sozinha dentro de casa? Diante da necessidade do “confinamento”, o cansaço, a exaustão e o peso na consciência por tantas negativas podem ser o motivo do “sim” mais frequente.
A prática, no entanto, pode prejudicar as crianças, por exemplo, impedindo-as de desenvolver a habilidade de negociar, de improvisar com os recursos que têm disponíveis e enfrentar desapontamentos, afirma reportagem da revista Gama. “A vida é uma sucessão de fracassos e perdas, e também de êxitos e alegrias. Uns não existem sem os outros. Se você aprende a fazer lutos dos insucessos e das perdas quando é criança, elaborando em cima de temas mais simples, como uma nota baixa, aprende a lidar com algo essencial na vida: os desafios, as dificuldades e as frustrações”, afirma o pediatra Daniel Becker na reportagem.
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Quando manter o “não”
Há situações que não são negociáveis. A hora do banho, de escovar os dentes e de comer, por exemplo, são ações que a criança tem que fazer sim ou sim. Mas há momentos em que desejar que o filho entenda as razões por trás de uma resposta negativa pode se mostrar pouco produtivo. Principalmente, para as crianças mais novas.
A psicóloga Rosely Sayão explica que durante a primeira infância, principalmente, nos três primeiros anos de vida, dizer “não” é uma estratégia que não terá muito sucesso. “Uma criança dessa idade usa mais a palavra ‘não’ do que os pais. ‘Hora de tomar banho!’ ‘Não.’ ‘Hora de comer.’ ‘Não’. Isso não quer dizer uma negativa, mas uma afirmação: ‘Eu sou eu e quero algo diferente de você’”, explica Rosely.
Nessa fase, em vez de dizer “não”, é mais eficaz mudar o foco da criança, levá-la para outro ambiente, inventar uma brincadeira nova ou algo que a faça esquecer do que ela tanto queria fazer.
Por volta dos três ou quatro anos, a criança apresenta um pouco mais de maturidade, já que tem um controle maior de suas emoções. “E aí o diálogo sempre faz bem: você pode conversar, acolher as emoções e as frustrações mas manter os limites do que está propondo relativamente firmes, sem ser rígido”, diz Daniel Becker.
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A necessidade da escuta
Dizer “não” com inteligência e equilíbrio requer escuta e ação. “Precisamos ouvir mais o que os filhos dizem. No geral a gente só tem disposição para falar, e chama de diálogo o que é na verdade falação. Mas se a gente ouve a criança, ela dá sinais”, explica Rosely. Ela diz que os pais têm de estar muito seguros do motivo de dizer “não” ao filho e demonstrar uma atitude que seja condizente com a negativa – ou corre-se o risco de ter seu significado esvaziado, principalmente quando usado em excesso.
Ao negar tudo que a criança pede ou tenta fazer, a chance dela ignorar o “não” é maior. Saber dosar o “não” e usá-lo com moderação é fundamental. “Eu costumo dizer que criança não precisa de limite, mas de adulto. É o adulto que determina limite: não adianta dizer para a criança ‘não suba a escada’. Isso não é um limite. O limite é impedir que a criança suba a escada”, relata a psicóloga.
Para a educadora parental Lua Barros, é importante se questionar por que estamos dizendo não. “É para meu benefício, meu conforto ou para o conforto da criança? Por que eu não quero que meu filho se suje, por exemplo?”, indaga ela.
Mas, lembrando, vivemos uma situação atípica, em que o emocional de crianças e adultos está abalado, então, os combinados não precisam ser tão rigorosos, sugere Daniel Becker. Ser mais tolerante com o tempo – o tempo maior de sono, da TV e no celular, por exemplo, é recomendado. “Tem que se perdoar, ter tolerância consigo mesmo e com as crianças”, explica Becker que propõe brincadeiras em família e atividades que demandem movimento para que as crianças de exercitem e gastem energia.
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