É inegável que a pandemia trouxe diversos distúrbios que impactaram toda a população de alguma forma. De acordo com uma pesquisa inédita divulgada pelo Instituto do Sono, uma população que foi bastante afetada foram as crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A pesquisa apontou que houve uma piora na qualidade de sono, pois antes da pandemia, 48% dessas crianças e adolescentes precisavam dormir no quarto dos pais. Agora, esse percentual subiu para 60,4%. Outro problema relatado foi o fato de elas permanecerem acordadas por mais de 30 minutos ao longo da noite. Antes da crise sanitária, esse risco era 3,8 vezes maior em crianças com autismo do que naquelas sem esse transtorno. Com a pandemia, o risco é 4,6 vezes maior.
Realizada de forma remota, a pesquisa envolveu 319 crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Desse total, 106 apresentavam transtorno do espectro do autismo, 53 possuíam a síndrome de Cri du Chat (CDC) e 160 não tinham nenhuma questão neurológica. De origem genética, a síndrome de Cri du Chat é rara e afeta 1 em cada 50.000 nascidos vivos. Ela resulta da falta de um pedaço do cromossomo 5, que leva a um atraso neuropsicomotor significativo. Inclusive, em maio, considerado o mês da síndrome de Cri du Chat, o Instituto do Sono publicou um gibi explicativo sobre a CDC (link disponível ao final do texto).
Os resultados do levantamento constataram que os 3 grupos apresentaram 1,7 vez mais risco de despertar à noite com a chegada da pandemia. Já os grupos com síndrome de Cri du Chat e com autismo, apresentaram 2 vezes mais chances de precisar ter alguém junto no quarto na hora de dormir, em comparação com o grupo sem nenhuma questão neurológica. Sem exacerbação na pandemia, as crianças com a síndrome rara apresentaram 4 vezes mais chances de despertar ao longo da noite.
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Sono e crianças com autismo
Estudos apontam que a insônia em crianças com autismo atinge uma prevalência alta, de até 86%, sendo 2 a 3 vezes maior do que em crianças sem esse transtorno. De acordo com a Professora Doutora Sandra Doria Xavier, que coordenou a pesquisa do Instituto do Sono, um dos motivos para isso é a presença de genes que controlam o relógio interno das crianças. Além disso, elas também têm uma alteração no metabolismo da melatonina, um hormônio que atua na regulação do sono. Outro fator são as disfunções sensoriais que as crianças podem apresentar. O contato com o travesseiro, com a roupa da cama ou algum barulho, podem ser alguns dos mecanismos que fazem com que não seja tão fácil que as crianças autistas peguem no sono, segundo a especialista.
“A pandemia chegou de supetão e sem aviso prévio. Essa rotina totalmente diferente traz muitas consequências para crianças que já têm mais suscetibilidade de ter distúrbio de sono”, diz Sandra Doria. As crianças autistas são muito ligadas à rotina, mas a pandemia desestruturou seu cotidiano. “Encarar uma nova rotina com desafios diferentes aos quais elas não estão acostumadas, não é fácil para essa população”, aponta. Com o isolamento social, os pequenos ficaram sem as terapias, sem escola, com desajuste de horários e com diferentes demandas, o que, sem dúvidas, interferiu na qualidade de sono.
“O principal transtorno de sono das crianças com autismo é a insônia. Também é comum ter um longo despertar durante a noite, ou vários despertares, ou um despertar precoce de manhã”, explica a especialista. Os efeitos da falta de sono parecem ser mais intensos em crianças com autismo e resultam numa piora acentuada em seu comportamento. “A privação de sono modifica o comportamento de crianças e adolescentes com autismo, provocando agressividade, irritabilidade, desatenção e hiperatividade, o que pode abalar ainda mais o cotidiano das famílias”, completa a Professora Doutora Sandra Doria.
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Como criar uma boa rotina de sono
Segundo a médica, esta piora nos distúrbios de sono pode durar a longo prazo, por isso, é fundamental que os pais reorganizem a rotina das crianças para amenizar os distúrbios o quanto antes. “É importante estipular metas, planejar o que os pais vão fazer com o filho em cada horário do dia e mostrar para ele, muitas vezes usando recursos visuais, para que ele entenda a sequência em que as coisas vão acontecer no dia. Essa orientação da perspectiva ajuda ele a se organizar no tempo e no espaço diante de uma mudança súbita de rotina”, diz.
Sandra Doria completa que, mesmo que os pais não consigam manter exatamente a mesma rotina do período anterior à pandemia, é preciso que estabeleçam um cronograma e se comprometam a ele. Por exemplo, não tem problema que a criança durma em um horário novo, desde que durma todos os dias na mesma hora.
Além disso, recomendou estabelecer uma boa higiene de sono, isto é, uma série de hábitos para auxiliá-las a pegarem no sono. Confira as recomendações da Professora Doutora Sandra Doria para ajudar as crianças autistas a dormirem melhor:
- Estabelecer uma rotina clara;
- Evitar alimentos estimulantes, como a cafeína, Coca-Cola, chá preto, chá mate, depois da hora do almoço, ou após às 14h;
- Evitar alimentação próxima ao horário de dormir. Se a criança estiver com fome, oferecer um alimento leve;
- Realizar atividades físicas de manhã ou de tarde;
- Durante a noite, fazer apenas atividades calmas, relaxantes, com menos barulho e menos luminosidade.
Link para acessar o gibi “Dona Ciência”, do Instituto do Sono, sobre a síndrome de Cri du Chat: https://institutodosono.com/dona-ciencia-edicao-28/
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