Já ouviu falar na Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)? Apesar de ser uma doença rara e pouco conhecida pelo público em geral, essa é a forma de distrofia mais comum em crianças, principalmente em meninos, de acordo com estudo publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos. “A Distrofia Muscular de Duchenne é uma doença genética progressiva causada por mutações no gene da distrofina, proteína fundamental para a fibra muscular”, explica Ana Lúcia Langer, pediatra e membro do conselho deliberativo e do comitê técnico da Aliança Distrofia Brasil (ADB).
A doença é caracterizada pela degeneração gradual do músculo esquelético, afetando inclusive o coração e os músculos respiratórios, por isso, o diagnóstico precoce é fundamental para melhorar a qualidade de vida de crianças com DMD, segundo a médica. “Os meninos são principalmente afetados porque é uma doença recessiva ligada ao cromossomo X e os homens possuem apenas um cromossomo X, herdado da mãe”, diz a pediatra.
Já as mulheres possuem dois cromossomos X, o que traz uma vantagem. “Um dos X, que não foi afetado, produz a distrofina, proteína que foi localizada na membrana das células musculares, na Columbia University, em 1987, por mim mesmo e outros colaboradores”, diz Beny Schmidt, médico patologista neuromuscular e chefe do Laboratório de Patologia Neuromuscular, que apresenta o maior acervo de doenças musculares do mundo.
Portanto, caso um dos cromossomos X seja afetado, o outro compensará a alteração. No entanto, mesmo sendo mais raro, as mulheres podem ser portadoras da DMD. “As mulheres podem apresentar sintomas motores, embora mais leves, e envolvimento cardíaco, sendo necessário o acompanhamento cardiológico de mães portadoras”, aponta Ana Lúcia Langer.
A Distrofia Muscular de Duchenne pode ser hereditária, mas, em um terço dos casos, também pode ocorrer quando o gene sofre uma mutação espontânea. “Mesmo sem histórico familiar pode ocorrer uma nova mutação genética. Por isso é tão importante estarmos atentos”, ressalta Langer.
LEIA TAMBÉM
Dificuldade em correr ou levantar rápido são um alerta
Alguns dos sintomas podem acabar passando despercebidos e, como é uma doença progressiva, pode chegar a um ponto muito grave se a criança não for introduzida a uma intervenção adequada. Por isso, é preciso que os pais e médicos prestem muita atenção na maneira como a criança se comporta, principalmente em relação à forma como ela anda. Quando presente essa condição, é comum a criança apresentar dificuldade em caminhar, correr ou subir as escadas, andar com as pernas afastadas, andar apoiado nos dedos dos pés ou com gingadas, assim como caminhar com o peito apontado para cima, com um balanço ou com as costas arqueadas.
“Além disso, um dos principais sintomas é a ‘Manobra de Gowers’, em que a criança precisa de ajuda para se levantar do chão, necessitando do apoio das mãos nas próprias pernas para conseguir ficar em pé”, acrescenta Ana Lúcia Langer. Também é um alerta para a Distrofia Muscular de Duchenne se a criança tiver dificuldade em levantar a cabeça ou tiver o pescoço fraco. Outros sinais são: não estar andando até 1 ano e 4 meses de idade ou não falar tão bem quanto outras crianças da mesma idade. “A hipertrofia das panturrilhas, quando parecem maiores do que o normal, também é outro sintoma característico da doença”, aponta Beny Schmidt.
A importância do diagnóstico precoce
“O diagnóstico de DMD é feito com base nos sinais e sintomas e é confirmado por um teste genético que indica mutações no gene DMD. Em pessoas com Duchenne, os níveis de creatinofosfoquinase (CPK) estão bem altos, em geral, acima de 10 vezes”, afirma a pediatra. A CPK é uma enzima que atua principalmente nos tecidos musculares, no cérebro e no coração, por isso, a sua dosagem pode ser utilizada para detectar até pessoas assintomáticas para a doença. “O passo seguinte é o exame genético que confirmará a doença em 98% dos casos”, completa Ana Lúcia Langer. Segundo Beny Schmidt, o diagnóstico também pode ser feito por biópsia muscular, mas Langer aponta que, nos tempos atuais, nem sempre é necessário.
Quanto antes o diagnóstico for feito, melhor será, porque o médico especialista poderá começar com a intervenção o mais cedo possível, o que pode interferir na qualidade de vida da criança. “Está provado que um tratamento precoce mantém por mais tempo a integridade física do paciente, desde a parte motora, pela corticoterapia e a reabilitação em geral, até a cardioproteção, onde uma abordagem precoce e ampla mantém a musculatura cardíaca funcionalmente em parâmetros normais”, explica a pediatra. Assim, com a intervenção adequada, é possível controlar a evolução da Distrofia Muscular de Duchenne e conviver com a doença.
LEIA TAMBÉM
O tratamento da DMD envolve uma equipe multidisciplinar de cuidados, com uso de medicamentos e terapias, que apresenta um papel fundamental na prevenção de deformidades que levam a uma perda precoce da marcha, de acordo com Ana Lúcia Langer. Segundo os especialistas, a fisioterapia é essencial. “O tratamento normalmente é feito através da reabilitação neuromuscular para prolongar a qualidade de vida o maior tempo possível. É recomendado manter a marcha e atividades diárias da criança”, explica Beny Schmidt.
“Além do uso de corticoides, também é comum utilizar medicamentos para proteção cardíaca”, diz a médica. Para casos mais graves, que apresentam problemas respiratórios, pode ser preciso o uso do ambu e até do suporte ventilatório. “No Brasil, temos a portaria número 1370, de 2008, que garante o fornecimento dos aparelhos de suporte ventilatório por dois níveis de pressão e o acompanhamento respiratório àqueles com doenças neuromusculares”, destaca Ana Lúcia Langer.
Aliadas às terapias convencionais, nos últimos anos surgiram novas medicações para aumentar a produção de distrofina no músculo, como o Atalureno, Eterplisen e Golodirsen, que são utilizadas em tipos específicos de mutações no gene da distrofina. Outras medicações com a mesma finalidade também estão em ensaios clínicos em diversos países. “A terapia genética através da introdução do gene da microdistrofina, gene da distrofina em que apenas as partes mais importantes foram usadas, dentro da célula através de vetores virais encontra-se em fase 2/3 e deverá ser disponibilizada aos pacientes em cerca de 3 anos”, relata a especialista.
LEIA TAMBÉM