O que vem à sua mente quando você pensa em assentamento sem-terra?
Quando eu ouvia falar em assentamento sem-terra, era sempre de uma forma negativa. A gente tem uma ideia de bandidos roubando terras produtivas. Barracas. Bandeiras vermelhas. Violência.
Com o passar dos anos comecei a ver notícias diferentes. Sobre o cultivo de legumes e verduras, sobre pessoas vivendo da terra, sobre agricultura familiar. Toda história tem muitas versões, resolvi conhecer uma diferente da que me havia sido apresentada originalmente.
O último Censo Agropecuário, de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que 77% dos estabelecimentos de produção agrícola brasileira correspondem à agricultura familiar. Apesar de ocupar pouco mais de 23% do território nacional, ela é responsável pelo fornecimento da maior parte dos alimentos básicos da população e por cerca de 67% dos empregos no campo.
Há uns anos uma amiga, Elisa, se casou e foi viver com o marido, um assentado, no Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho (MG). Adalto já vivia há quase 20 anos, boa parte deles acampado. Ele se formou em biologia e tem uma produção agroecológica: ele mesmo planta, colhe e entrega os produtos aos clientes em Belo Horizonte.
Graças à Elisa eu tive oportunidade de conhecer de perto a história dessa ocupação. Estive lá tomando um café com ela, e fui apresentada a seus cachorros, galinhas e porcos. Também estive na plantação.
A ocupação da Associação Pastorinhas começou como todo movimento sem-terra. Um grupo de pessoas busca terras improdutivas e vai para lá com a intenção de produzir. O governo entra em contato com os proprietários, e compra essas terras que são repassadas aos titulares. Atualmente eles estão finalizando o processo, aguardando para receber a titularidade da terra.
Este assentamento está consolidado. As pessoas chegaram lá há mais de 20 anos, não existe mais ninguém acampado. Todos têm suas casas. São 20 famílias numa ecovila. O movimento deu início a uma comunidade que se desenvolve como qualquer outra comunidade. Cada família tem liberdade sobre o que vai cultivar e qual o tipo de cultivo. Tem produção convencional, agroecológica, orgânica e agroflorestal. A terra é a principal fonte de renda dessas famílias. O assentamento já está implantando a quinta área de agrofloresta. Um sistema agroflorestal é um sistema de plantio de alimentos que é sustentável e ainda faz a recuperação de uma floresta.
A gente se surpreende quando vai conhecer. Viver do campo não é fácil. Não tem nenhum glamour. O trabalho é pesado. Enquanto Adalto cuida da plantação, Elisa cuida da casa, das galinhas, das mídias sociais da Sabores da Terra, do site da associação, das vendas, e cozinha maravilhosamente. Ela levou para a comunidade o olhar de quem vivia na cidade.
Antes da pandemia existia um turismo pedagógico, escolas de Belo Horizonte iam lá conhecer e aprender. Hoje eles estão trabalhando na melhoria da estrutura para receber visitantes, dar cursos, e fazer eventos para a comunidade, que fica a 2,5 km do córrego do Feijão, afetado pelo rompimento da barragem de Brumadinho.
Saí de lá com uma caixa com acelga, espinafre, brócolis, couve, cenoura, agrião, compotas e o coração cheio de alegria pela oportunidade de ser apresentada àquela realidade tão diferente da minha – e, ainda, de poder apresentar tudo aquilo ao meu filho, que me acompanhou e amou o passeio, foi uma aula para ele. Hoje só consumo produtos orgânicos em casa. A Elisa e o Adalto entregam seus produtos para quem mora em Belo Horizonte. Como estou morando em São Paulo, faço compras na Barraca de Orgânicos.
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.
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