Como a dupla jornada afeta a vida das mães

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    Agência Brasil

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    Foto: Pixabay

    Às 6h da manhã o despertador toca e começa a correria: café da manhã, dar banho nos filhos, correr para atender os horários da escola complementar e do trabalho.  Nesse momento, uma vasta agenda e orientação de equipe. No intervalo para o almoço, outra maratona: sair do trabalho, buscar as crianças, dar almoço, levá-las ao colégio e voltar para a agenda laboral.

    Essa é parte da rotina da servidora pública Caroline Paranayba, de 35 anos, mãe de dois filhos: Enrico (4) e Lorenzo (6). “É um grande desafio. Por mais que eu tente agregar soluções, às vezes não encontro serviços que possam se conectar aos meus horários de trabalho”, afirma.

    Segundo a pesquisa “Mercado de Trabalho: conjuntura e análise”, publicada em abril deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a elevação da participação feminina no mercado de trabalho configura-se como um dos fenômenos mais marcantes ao longo das últimas décadas. Ainda assim, as atividades dedicadas aos afazeres domésticos recaem majoritariamente sobre as mulheres, o que traz consequências ainda mais significativas para as mães.

    De acordo com a socióloga Lourdes Maria Bandeira, da Universidade de Brasília (UnB), ainda existe a cultura da divisão sexual do trabalho onde cabe às mulheres – mesmo àquelas que trabalham fora de casa – a responsabilidade de acompanhar os filhos. As que não trabalham fora ficam com a responsabilidade integral de cuidados da família, além dos cuidados da casa.

    Fim do expediente. Hora de sair do trabalho, buscar as crianças na escola, dar banho, preparar o jantar, fazer os exercícios da escola, ter o momento de interação para processar todas as vivências do dia e, então, colocá-las para dormir.

    “Além da responsabilidade de ser mulher, tem a responsabilidade de ser mãe. E ser mãe significa que a sociedade ainda cobra delas o acompanhamento e sucesso dos filhos. Se eles têm problemas na escola, ou se possuem alguns conflitos quando adolescentes, a responsabilidade ainda é delas”, avalia a socióloga.

    Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que, nas atividades de afazeres domésticos, as mulheres trabalham, em média, pelo menos o dobro que os homens. No Brasil, essa diferença é ainda mais expressiva. Enquanto os homens dedicam aproximadamente onze horas semanais a afazeres domésticos, entre as mulheres brasileiras, a média de horas dedicadas a essas atividades é em torno de vinte e seis horas. No mercado de trabalho, os homens brasileiros trabalham, em média, quarenta e três horas por semana, enquanto as mulheres trabalham em torno de trinta e seis horas por semana. Considerando o total de horas trabalhadas, a média para as mulheres, 62 horas semanais,  é superior à dos homens, .

    Essa realidade tem transformado a configuração da sociedade, como a diminuição da taxa de natalidade. “Em nossa sociedade, ser dona de casa ou ser mãe não tem nenhum reconhecimento do ponto de vista institucional. Em outras sociedades – como a Noruega e a Dinamarca, por exemplo -, o fato de procriar futuros cidadãos para o Estado traz a garantia de direitos previdenciários”, afirma Lourdes. Para a socióloga, o tempo de trabalho em que as mulheres se doam em detrimento da criação dos filhos é dado gratuitamente ao Estado, quando não computado nas contas públicas.

    Uma das formas de melhorar a realidade das mães seria, de acordo com Lourdes, a adoção de políticas de incentivo por parte do Estado. “Uma solução seria a extensão de licença paternidade – para a criação de nova cultura de divisão das responsabilidades na criação dos filhos -, incentivo a jornada de  trabalho de 6 horas, salas de aleitamento nos locais de trabalho, além do acesso a creches”, pontua.

    Ao ser uma alternativa para o cuidado dos filhos, a creche pode influenciar de forma significativa a decisão da entrada da mulher no mercado de trabalho. Essa é a opinião de Caroline que, apesar de poder contar hoje com uma estrutura de apoio de amigos, destaca as dificuldades enfrentadas por ela nos primeiros anos dos filhos. “Eu passei por muitos momentos difíceis quando as crianças eram menores por conta da falta de creche”, lembra.

    Diana Mello, advogada e pesquisadora, também passou por isso. Mãe solo de um menino, agora com 4 anos, ela só conseguiu concluir o mestrado, dois anos atrás, com a ajuda de amigos, que cuidavam do João, enquanto terminava a dissertação. “Isso começou a me dar ideias para criar uma rede social em Brasília para que as mães pudessem viver mais tranquilas. Eu comecei a divulgar isso para que mães sozinhas se juntassem para cuidarem dos filhos umas das outras de forma que todas tivessem um tempo livre”, explica.

    O conceito de creche parental, adotado por ela, tem se popularizado no Brasil e é uma alternativa de solução a essa dificuldade das mães. Mas mesmo para as que têm um companheiro a demanda recai sobre os ombros delas.

    De acordo com a especialista Lourdes, o Brasil tem uma memória histórica de famílias centradas no patriarcado, ou seja, na figura e na importância da autoridade masculina. Essa cultura faz com que mulher e filhos “incorporem determinadas obediências”, não só do ponto de vista material, mas também simbólico. Por isso, muitas mulheres se responsabilizam pelos cuidados com os filhos porque “já são criadas e socializadas nesses valores”.

    Foi por esse motivo que a técnica de laboratório Patrícia Monah Cunha Bartos Gomes se viu tendo que ensinar o marido a lavar o banheiro, cozinhar arroz e a cuidar minimamente da casa e do pequeno Santiago, de três meses.  “Ele chega do trabalho, deita, descansa, lê um livro. Mas eu, quando chego, não dá pra esperar. Vou direto limpar o que está sujo, arrumar tudo o que precisa”, conta a doutora em Botânica. Além das tarefas domésticas e dos cuidados com o bebê, ela ainda cuida de um canil e faz atendimentos terapêuticos.

    “O mais difícil é que não foi desenvolvido o senso de que ambos sujamos e ambos devemos limpar. Acho que vem muito da criação machista, que eu também tive com a minha mãe”, explica. No caso dela, no entanto, a demanda era a da sobrecarga: “Já cheguei a apanhar da minha mãe porque o quarto do meu irmão estava bagunçado”.

    Segundo dados da PNAD 2013, os meninos de 10 a 14 anos passam, em média, 2,7 horas por semana em atividades domésticas. Já as meninas passam cerca de 7,6 horas. “A gente vê que as meninas ganham brinquedinhos de vassourinha, panelinha, ferro. E os meninos não. E isso é uma coisa que eu quero fazer diferente com meu filho”, comenta.

    De acordo com o Ipea, a presença de filhos entre 0 e 5 anos é um fator inibidor da entrada da mulher na força de trabalho; porém, a presença de filhas adolescentes (com mais de 13 anos de idade) sugere a geração de incentivos na participação da mulher no mercado de trabalho, a medida em que haveria uma realocação das obrigações domésticas entre mãe e filha (para o cuidado da casa e dos filhos menores, por exemplo).

    Por outro lado, existe um seguimento das mulheres mais jovens que resolveu romper com a conjugalidade e com a condição de serem mães e investem mais na vida profissional.

    A coordenadora de Gênero, Raça e Gerações do Ipea, Ana Amélia Camarano, defende que as condições inerentes à reprodução, antes e depois do parto, bem como as diferenças no grau de escolaridade e de expectativa de vida, justificam uma legislação distinta para aposentadoria de mulheres e homens. Segundo ela, essas particularidades precisam ser observadas, até como forma de incentivar a natalidade. “Hoje em dia, a mulher opta e vai continuar optando por não ter filhos. E sem natalidade não há sistema previdenciário que se sustente”, conclui.

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