Por Cris Guerra
O bebê de 1 ano e pouco surge correndo à minha frente, ganhando o mall com a melhor cara do mundo. Segundos depois, um pai exausto aparece seguindo o bebê, padecendo de alegria. Como é bom saber que seu filho já é capaz de caminhar com as próprias pernas. Mesmo que isso custe a saúde das suas.
Olho para a cena — corriqueira, sim, mas única e emocionante para quem a protagoniza — e me surpreendo. Faz tanto tempo que vivi isso que já nem me lembrava mais. Mas bastam os passos daquele bebê para que eu reviva a emoção da primeira vez, solidária ao brilho nos olhos daquele pai de primeira viagem.
O Facebook me traz uma foto de lembrança e quase não me reconheço: eu canguru, deitada no sofá, fazendo o papel de cama para uma tripinha de gente profundamente adormecida. É incrível como esquecemos rápido. O desespero por não saber aliviar as malditas cólicas. O complexo de péssima mãe por não conseguir tirar a chupeta da criança prestes a completar 3 anos. Olho para outro pai feliz cujo bebê me atravessa o caminho, e não sei se sinto compaixão ou inveja.
Faz alguns anos que meu bebê dorme a noite toda. E só acorda cedo porque tem escola, pois adoraria dormir mais um pouquinho. Não usa fralda, nem lembra que um dia teve chupeta, não sabe o que são cólicas. Faz sozinho o dever de casa, coleciona opiniões próprias. E agora oferece a testa para eu beijar — não mais a bochecha. É bom aluno, dócil, cheio de amigos. Parece gostar mais do videogame do que de mim. Criou um canal de jogos no YouTube, para o qual já conquistou dez seguidores. Narra os vídeos com uma desenvoltura assustadora, usando expressões como “literalmente” e “sem mais delongas”. Meu menino já tem 9 anos.
Mas ainda não sabe amarrar o tênis. Onde foi que errei? — eu me faço a pergunta. A resposta é simples: sempre houve alguém que o fizesse por ele. Amarrar o tênis nunca foi prioridade. Pegar um pokémon é bem mais importante e urgente. E é assim, desprovida de poesia, a lógica dos pré-adolescentes. Aproveito para aprender: despoetizo o problema e arranjo para ele solução mais prática. “Francisco, você tem dez dias pra aprender a amarrar o tênis. Ou não tem mais joguinho. É amarrar ou largar”. Junto com a ameaça, envio dois ou três links do YouTube — é preciso aprender a falar a língua da nova geração.
Dois dias se passam e o laço ainda não está firme: se desfaz várias vezes por dia. “Não sei apertar o nó, Mamy”. Questão de tempo, filho. Você vai fazendo e fazendo de novo, até aprender. Ser sua mãe também é assim. Faço uma vez, tento outra, nunca deixo de tentar. Quem sabe um dia eu aprendo.
Cris Guerra é publicitária, escritora e palestrante. Fala sobre moda e comportamento em uma coluna na rádio BandNews FM e a respeito de muitos outros assuntos em seu site www.crisguerra.com.br. Na Canguru, escreve sobre a arte da maternidade. Contato: [email protected]