Os efeitos do ensino bilíngue no cérebro da criança

Pesquisas da neurociência provam que a imersão em mais de um idioma, ainda na primeira infância, vai impactar positivamente o desenvolvimento linguístico e cognitivo; alto custo de instituições bilíngues, no entanto, restringem essas escolas como opção para as famílias

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Menina de tranças e óculos, segurando um livro, com as bandeiras do Brasil e Estados Unidos ao fundo
Especialistas explicam sobre as vantagens do ensino bilíngue para o desenvolvimento neurológico das crianças
Buscador de educadores parentais
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O ensino bilíngue tem se tornado cada vez mais popular no Brasil, atraindo a atenção de muitos pais, que se animam com a possibilidade de seus filhos serem educados simultaneamente em dois idiomas, geralmente em português e inglês. A Associação Brasileira de Ensino Bilíngue (ABEI) estima que houve um aumento entre 6% e 10% no número de escolas bilíngues por todo país. Em São Paulo, por exemplo, Estado que conta com mais de 71 instituições de ensino bilíngue, o número de alunos cresceu 64%. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), até 2019 o Brasil contava com cerca de 1,2 mil instituições focadas nesse tipo de ensino, com a estimativa de que até o final de 2022 o número passe de 4.500, atendendo por volta de 1 milhão de alunos. 

Como funciona 

Esse tipo de ensino é pautado em uma imersão em um segundo idioma, de maneira que as aulas costumam ser realizadas 50% em português e 50% em inglês. As atividades são realizadas com auxílio de ferramentas diversificadas, como músicas, jogos, filmes, sites e livros, na intenção de que o aprendizado ocorra de maneira natural.

A imersão nessa metodologia é recomendada desde a primeira infância, fase em que as habilidades linguísticas se desenvolvem muito rapidamente. O ensino de outro idioma nessa fase é o mais indicado por Sulene Pirana, otorrinolaringologista e foniatra, membro do Núcleo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Isso acontece pois, ao começar esse processo alinhado à alfabetização, a criança matriculada em ensino bilíngue naturalmente vai percebendo a distinção dos idiomas, sons e expressões idiomáticas, os incorporando ao seu dia a dia, aprendendo de forma leve a ser fluente em uma segunda língua.

Neuroplasticidade

Um estudo da Universidade de Stanford, na Califórnia, chamado “Bilingual Brains”, revela que, por estimular a neuroplasticidade constantemente, crianças bilíngues têm maior habilidade de bloquear distrações, reter a atenção e priorizar, analisar, focar e organizar as informações.

Os cientistas descobriram que falar dois idiomas provoca mudanças anatômicas do cérebro, aumentando a densidade da massa cinzenta. Quanto mais cedo as crianças aprendem e dominam um segundo idioma, maior o tamanho dessa massa cinzenta.

“Até os 4 anos a criança está em um franco momento de plasticidade, neurodesenvolvimento e formação de sinapses do sistema nervoso central. Isso permite que, ao invés de aprender um novo idioma, ela desenvolva esse idioma. Quanto mais precoce a criança for exposta a uma outra língua, além da língua materna, mais rápido e eficiente será o processo de aprendizado”, explica a pediatra Gessika Amorim, especialista em neurodesenvolvimento e saúde mental. 


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Em comparação aos menores que dominam somente seus idiomas maternos, as crianças bilíngues estudadas, que tiveram de 5 a 10 anos de exposição bilíngue, alcançaram médias mais altas no desempenho cognitivo nos testes e maior foco de atenção, resistência à distração e tomada de decisões.  O estudo revelou maior atividade nas redes do córtex pré-frontal que apoiam o comportamento orientado para metas, incluindo direcionamento do foco atento, priorização, planejamento, automonitoramento, controle inibitório, julgamento, memória de trabalho e análise.

“O aprendizado de mais de uma língua durante a infância traz benefícios físicos, sociais e emocionais”, afirma Sulene Pirana. De acordo com a médica, o cérebro de uma criança bilíngue é mais rico em informações. “Quando essa criança tem que usar mais de uma língua, ela tem que estar a todo momento decidindo qual palavra vai usar e em qual língua, de maneira que isso ajuda a desenvolver a capacidade de tomada de decisões em outras situações do cotidiano. Já o benefício social vem da capacidade dessa criança poder se comunicar em vários ambientes e países.”

Altos custos

Ainda que essa metodologia de estudo seja repleta de pontos positivos, ela ainda é uma realidade muito distante para a maioria dos brasileiros. Além de mensalidades que podem ultrapassar 8 mil reais, o estudo bilíngue depende de um acompanhamento detalhado, com imersão na cultura e costumes do país estudado. Por conta do ingresso, que deve ser realizado ainda na primeira infância, e prosseguido durante a formação acadêmica, essa metodologia se encontra concentrada nas mãos da elite. 

“O maior desafio é a criança não ter esse mesmo estímulo no ambiente domiciliar. É preciso ir além do conceito, é importante a imersão e a prática diária e contínua. Se o reforço positivo existe em todos os momentos em que se experimenta a vivência, mais se consolida o que foi aprendido”, reforça Fernando Gomes, neurocirurgião e neurocientista do Hospital das Clínicas de São Paulo. 


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