Geralmente quando falo em autonomia com os pais, eles voltam seu olhar para atividades que as crianças conseguem ou não realizar. As respostas que eu escuto, normalmente são assim:
- Ela já toma banho sozinha.
- Ele come sem ajuda de ninguém.
- Precisa de ajuda apenas para colocar a roupa.
- Dorme sozinha.
- Participa da aula online sem precisar de ajuda.
- Não coloca os sapatos sozinha.
Como seu filho faz quando ele sente tristeza? E quando quer algo, como ele comunica para vocês?
Mas como seu filho faz quando ele sente tristeza? E quando quer algo, como ele comunica para vocês? Como ele age em situações em que sente raiva? Ele consegue se acalmar sozinho? Quando se sente injustiçado ou quando não concorda com alguma regra, como ele expressa isso?
É comum os pais não saberem responder ou precisarem parar e pensar um pouco até encontrarem a resposta. Isso acontece porque estamos acostumados a avaliar o desenvolvimento dos nossos filhos por marcos motores do desenvolvimento desde que eles nasceram – mas pouco falamos sobre sua autonomia emocional.
Quantas vezes você levou seu filho ao pediatra e ele perguntou sobres as emoções que a criança já reconhece ou como ela lida com a tristeza? Normalmente, somos indagados se o bebê já rola, se senta sozinho, se está engatinhando, se já dorme sem fralda.
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A verdade é que aprendemos a olhar para nossos filhos usando esses referenciais. Eles são errados? Não! Mas não são os únicos! A criança também precisa desenvolver uma autonomia emocional. Vou dar alguns exemplos para explicar melhor:
Cena 1: Uma criança de 5 anos está na sala com os pais e os irmãos e fica com raiva por uma disputa de brinquedos. Ela sai da sala “pisando duro” e vai para o quarto. Depois de um tempo volta tranquila e continua a brincadeira.
No primeiro momento pode parecer que a criança está tendo um comportamento “errado”, mas ela estava saindo de cena para se acalmar. E isso para uma criança de 6 anos é sensacional (Ok! Até nós adultos, quando sentimos raiva, saímos de perto para tomar um ar e depois voltamos mais calmos, não é?)
Cena 2: Criança de 4 anos vê uma formiga “morta” no meio da sala. Quando chega mais perto percebe que ela está mexendo, mas que alguém pisou nela e está machucada. Chama a mãe para ajudar a formiga e o avô que estava perto pisa na formiga e acaba de matá-la. A criança chora, se desespera e pede ajuda para a mãe para conseguir se acalmar. Quando está um pouco mais calma diz para o avô: “Eu não gostei disso que você fez! Matar um bichinho da natureza não foi legal. Eu fui chamar a mamãe para me ajudar a colocar a formiga no jardim e você pisou nela. Isso é feio!”.
Você consegue perceber o quanto o que ela fez é complexo? Primeiro ela reconheceu que não conseguia se acalmar sozinha, a intensidade da emoção estava alta. Em seguida pediu ajuda para mãe, que serviu como resgate para manejar a emoção. Depois que se acalmou, conseguiu expressar para o avô o que estava pensando e sentindo. Fez isso sem corrigir o avô, falou apenas do comportamento dele, que ela não concordou.
Nos dois exemplos vemos crianças construindo sua autonomia emocional.
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As crianças não nascem com esse tipo de autonomia, mas se forem orientadas, se tiverem pais que servem como um modelo, se tiverem num primeiro momento ajuda para fazer isso – não fazendo por ela, mas mostrando como se faz, elas serão capazes de aprender e fazer sozinhas depois.
Como pais fica muito mais fácil ensinar e ficar atentos as oportunidades de aprendizado se tivermos em mente que desenvolver a autonomia dos filhos vai muito além de ensinar a escovar os dentes sozinhos ou de amarrar os próprios sapatos.
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