No Brasil, desde março enfrentamos a pandemia do novo coronavírus. Já se vão oito meses de adaptação a uma nova realidade que insiste em permanecer. Sentimos esperança de que estivéssemos na parte final desse penoso trajeto, mas a chamada “segunda onda” de infecções na Europa faz com que todo o nosso receio diante do vírus se fortaleça novamente.
Não é hora de baixar a guarda. O distanciamento social, o uso da máscara facial e os cuidados com a higiene das mãos deverão continuar sendo rotina por mais tempo do que a gente gostaria.
De coração, espero que, para a maior parte dos leitores, já tenha sido tempo suficiente para reorganizar o dia-a-dia e tornar essa vivência pandêmica uma vivência de aprendizado e resiliência, porque as consequências e prejuízos causados para a infância já começaram a aparecer e, se os adultos não estiverem preparados para modificar essa tendência, veremos dia após dia mais crianças com problemas de saúde e alterações comportamentais decorrentes da quarentena.
Ao cuidar de uma criança, estamos cuidando do futuro e uma situação particular tem se repetido no consultório pediátrico: crianças com idade entre 18-24 meses com atraso de fala.
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A fala nos primeiros anos de vida
A aquisição de linguagem é um processo complexo, que envolve diversos fatores, incluindo integridade do sistema nervoso central, dos órgãos auditivos e fonatórios, mas também dos estímulos e interações sociais que acontecem nos primeiros anos de vida.
Esses primeiros anos compõem o período sensível para estabelecimento de uma comunicação efetiva por meio da fala. Ao nascer, o bebê se comunica de maneira não verbal pelo choro e pelas posturas corporais e, conforme a interação com um ambiente comunicativo acontece, a criança adquire as bases para um desenvolvimento sadio da linguagem falada, no que diz respeito à sua forma, conteúdo e uso.
“É a partir da interpretação do adulto que os comportamentos inatos adquirem significado para a criança e, posteriormente, são reproduzidos intencionalmente por ele”, escreve a fonoaudióloga Letícia Pimenta Costa, da Universidade Federal de Minas Gerais.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem é frequente em bebês que ficam passivamente expostos às telas por períodos prolongados. Lactentes – crianças até os dois anos – têm tido contato muito mais precoce com esse mundo digital, passando muito tempo nessa distração passiva, perdendo tempo de qualidade com os cuidadores responsáveis pela interpretação do mundo dessa criança, afetando o equilíbrio entre os estímulos oferecidos e causando desordem no desenvolvimento.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem é frequente em bebês que ficam passivamente expostos às telas por períodos prolongados.
O que é esperado? Dos 18 aos 24 meses, o vocabulário se expande, em média, com uma palavra nova por semana e a criança deve começar a utilizar duas a três palavras na tentativa de formar frases, além de conseguir responder “sim” e “não” e usar gestos com a cabeça ou dedinho para responder perguntas.
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Identificar as partes do corpo e utilizar objetos do dia-a-dia de maneira convencional (ex.: pente para pentear, colher para comer) também fazem parte do desenvolvimento – são sinais de que a linguagem receptiva está em funcionamento.
Vale lembrar que a recomendação das sociedades pediátricas ao redor do mundo para crianças dessa faixa etária continua sendo zero exposição a telas – nem mesmo aquela televisão ligada ao fundo. Então, vale a pena a reflexão sobre qual é o ambiente de desenvolvimento que estamos proporcionando aos nossos pequenos confinados.
Distúrbios da comunicação têm impacto direto sobre a vida social da criança e sobre o sucesso acadêmico futuro. Os primeiros anos de vida são fundamentais na formação do alicerce da linguagem oral, que um dia se tornará escrita.
Distúrbios da comunicação têm impacto direto sobre a vida social da criança e sobre o sucesso acadêmico futuro.
O mais importante: quanto mais precoce a intervenção, melhores os resultados. Por isso, não hesite em procurar ajuda e orientação, caso haja qualquer suspeita de atraso. O pediatra pode orientar quanto aos sinais de alerta e encaminhar para avaliação e seguimento fonoaudiológico sempre que necessário.
Dentro de casa, fica o lembrete: criança precisa de interação interpessoal para se desenvolver melhor. O slogan #menos telas #mais saúde faz todo sentido.
Para quem se interessar sobre o tema, vale acessar o manual de orientação do Grupo de Trabalho “Saúde na Era Digital”, da Sociedade Brasileira de Pediatria.
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