Imagine como seria divertido aprender a ler e escrever por meio de um jogo. Para uma criança que não possui problemas de desenvolvimento neurológico, a alfabetização pode não ser um tormento, mas para quem tem déficit de atenção, dislexia, hiperatividade ou autismo, a dificuldade em assimilar o que o professor explica em sala de aula é maior e podem ser necessários outros recursos de apoio. É aqui que entra o aplicativo Cuca, que busca trazer uma forma inovadora e agradável de ensinar a alfabetização para crianças com dificuldade de aprendizagem.
Com quase 20 mil downloads, o jogo apresenta uma hiper-história, que é contada através de um meio eletrônico em que o protagonista é o jogador. O grande diferencial do Cuca é que ele foi desenvolvido para auxiliar crianças autistas, mas a sua metodologia também se tornou uma aliada para crianças com outros transtornos e condições. “Se a criança assiste a uma animação explicativa e depois joga um joguinho, conseguindo experimentar tudo, a aprendizagem acontece de uma forma mais natural, enquanto ela brinca”, conta a fundadora do aplicativo, Katia Esper, fonoaudióloga formada pela PUC-SP e mestre em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo (USP).
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Abordagem lúdica e tecnológica
“Eu sempre fui interessada na aprendizagem de pessoas com deficiências ou com transtornos de aprendizagem da alfabetização. Durante o meu mestrado, eu entrei em contato com um método de alfabetização para pessoas com autismo e fiquei encantada com essa ferramenta”, conta Katia Esper. Inicialmente, a fonoaudióloga utilizou o método para a criação de jogos de tabuleiro, com tampinhas, sucata ou adaptando jogos comprados em lojas de brinquedo.
No entanto, com o tempo, percebeu que os seus pacientes começaram a apresentar interesses diferentes. “Um belo dia, uma criança entrou no meu escritório, desbloqueou meu celular e baixou um joguinho. Ela tinha 6 anos, não sabia falar direito, tinha uma série de dificuldades, mas conseguia baixar um jogo e brincar com muita facilidade. Naquele momento, eu entendi que eu precisava ajustar minhas ideias, minhas abordagens e comecei a escrever uma cartilha digital”, relata.
O aplicativo Cuca foi lançado em 2016, com um jogo de quatro fases, que já constituíam um protocolo para o início do processo da alfabetização. Foram realizados testes de utilização e, a partir dos bons resultados, foi possível continuar o processo da aprendizagem dos pacientes por outros meios, que não o eletrônico, de uma forma mais facilitada, explica Katia Esper. Durante a pandemia, a especialista percebeu que o digital estava ainda mais forte, por isso, elaborou novas fases. Atualmente, o aplicativo Cuca tem 17 fases e proporciona a alfabetização completa.
Foco X Cuca Fresca
O jogo apresenta o personagem Max, um menino de 7 anos de idade, em casa, observando um lindo livro de aventuras e desejando saber ler. Então, surgem dois personagens da sua própria consciência: o Foco, representado por um raio, que sugere buscar o que deseja imediatamente, mantendo a perseverança e o entusiasmo, e o Cuca Fresca, uma nuvem, que sugere deixar para depois. Os dois extremos participam da aventura durante todo o jogo, mostrando as vantagens de vencer os desafios.
A primeira fase apresenta a dinâmica de uma corrida em que a criança precisa desviar dos obstáculos e pegar as sílabas ao longo do caminho para formar as palavras. Há uma música de fundo envolvente, porém, em volume baixo, para que seja possível ouvir o som das sílabas que o jogo emite. Animações entre as telas finalizam cada etapa e dão início à etapa seguinte, mantendo a proposta da hiper-história. O conteúdo do game foi cuidadosamente distribuído e a cada capítulo jogado, há uma fase de auto avaliação, ou seja, caso o jogador não passe nessa etapa, é automaticamente direcionado a jogar fases anteriores, para conseguir assimilar o conteúdo oferecido. O Foco também pode ajudar os pequenos caso precisem.
As palavras que as crianças têm maior dificuldade em compreender são apresentadas de forma lúdica e clara. As sílabas complexas, formadas, principalmente, por dígrafos (como rr e ss) e encontros consonantais, por exemplo, são contextualizadas em diálogos entre os personagens e clipes musicais exclusivos. Confira uma pequena prévia do jogo:
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Cuca e crianças com transtornos de aprendizagem
Originalmente, a fonoaudióloga havia elaborado o Cuca para crianças autistas, mas de 2016 a 2020, avançou em suas pesquisas e percebeu que pessoas com outras patologias e condições também se beneficiaram muito com o jogo. Por diferentes motivos, a mesma proposta oferecida para uma criança com autismo pode auxiliar uma criança com dislexia. Katia Esper diz que um paciente disléxico – distúrbio de aprendizagem caracterizado pela dificuldade de leitura –, achou muito mais simples compreender as palavras quando as sílabas são apresentadas separadas por um curto período de tempo. Nas páginas dos livros, as palavras parecem mais embaralhadas por estarem todas juntas.
O aplicativo Cuca também é muito útil para auxiliar na alfabetização de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que têm dificuldade em se concentrar. “Ela não consegue focar no processo de aprendizagem, mas enquanto ela está correndo, pode tropeçar em uma pedra ou em uma cobra, por isso, ela tem que ficar atenta para desviar dos obstáculos e, inevitavelmente, recebe as informações no caminho”, explica Katia Esper.
Crianças com Distúrbio de Processamento Auditivo (DPA), que têm dificuldade em lidar com as informações auditivas, também podem se beneficiar com o aplicativo, segundo a fonoaudióloga. “No jogo, temos a opção de tirar a música de fundo, o que pode ser útil para ajudar essa criança a não se atrapalhar”, aponta.
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O conceito por trás do jogo
A metodologia do aplicativo Cuca é baseada em dados empíricos e apresenta três pilares que são cientificamente comprovados e têm excelentes resultados no ensino da alfabetização. O primeiro é o paradigma de equivalência de estímulos, em que Katia Esper separou a palavra escrita, a palavra falada e a figura equivalente e, no jogo, são mostrados dois estímulos de cada vez. Em um momento é apresentada a palavra escrita e a palavra falada, em outro, aparece a palavra falada e a figura, por exemplo. “As crianças começam a, por contingência, compreender que um é igual ao outro e elas acabam entendendo a palavra escrita como o que nomeia aquele conceito”, diz Katia Esper .
O segundo, é o método fônico, que ensina o som que a letra representa. Quando chega na fase da letra H, ela está chorando porque não ganhou um som. Por isso, a letra recebe poderes especiais: no início das palavras ela não teria som, mas se pulasse para o meio das sílabas “ca”, ela transformaria a palavra em “chá”. “É uma forma de contextualização, a criança está assistindo a animação e aprendendo pela vivência”, explica a fundadora. O último método aplicado é a hiper-história, que é uma ferramenta muito utilizada com crianças com autismo para o desenvolvimento da aprendizagem.
“Cada fase apresenta estímulos para o ensino de alguns conceitos que são elementares para a alfabetização, como consciência fonológica, associação fonema/grafema, aliteração, rima, memória auditiva e memória visual”, explica Katia Esper. A partir da metodologia dos significados equivalentes, a fonoaudióloga conseguiu desenvolver uma brincadeira eficaz, que tem tido ótimos retornos. O Cuca ganhou o 2º lugar do prêmio Fono Tec 2018, por ser um aplicativo de muita importância para o meio fonoaudiológico. Também representou o Brasil no Creative Business Cup 2020/2021, em junho deste ano.
Novidade: Portal Cuca
Em agosto, será lançado um portal que oferece suporte para as escolas e instituições. “Nós colocamos métricas avaliativas nas 17 fases do aplicativo Cuca para acompanhar o desenvolvimento da criança em cada fase e poderemos entender as dificuldades de cada uma”, aponta Katia Esper. O objetivo é desenvolver atividades que possam auxiliar no processo de aprendizagem de cada criança individualmente, de acordo com o seu desempenho no aplicativo.
No portal, serão disponibilizadas atividades para imprimir e uma aba de novos jogos eletrônicos que oferecem recursos para ajudar as crianças com as suas dificuldades particulares. Além disso, terão clipes musicais para a contextualização de sílabas complexas. “A ideia é introduzir esse projeto piloto em pelo menos 5 escolas para, ano que vem, abrir para o resto do Brasil. Nós sonhamos grande”, finaliza a fundadora.
Confira links para baixar o aplicativo:
Google Play: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.Katia.Max&hl=pt_BR&gl=US
App Store: https://apps.apple.com/br/app/cuca/id1114136376
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