Mensagens de ameaças com avisos de massacres escritas nas paredes dos banheiros e/ou divulgadas em redes sociais têm provocado pânico entre alunos, familiares, educadores e demais funcionários de escolas em diversas cidades brasileiras.
Em um dos casos mais recentes, ocorrido no início de setembro, em escola de elite da capital paulista, circularam rumores de que um aluno planejava ataque a tiros na instituição. Para tranquilizar as famílias, a direção enviou uma circular aos pais para informar que medidas haviam sido tomadas em relação à segurança interna da escola.
Em outro colégio particular, que tem um campus em Alphaville, na Grande São Paulo, a mensagem escrita na parede de uma instituição era acompanhada por uma suástica nazista. O símbolo, associado ao regime facista e ao holocausto ocorrido na Segunda Guerra Mundial, também apareceu em mensagem encontrada no banheiro da Etec Parque da Juventude, na zona norte de São Paulo, que informava de um massacre previsto para a sexta-feira (2). Uma fotografia da mensagem foi parar nos grupos de WhatsApp da escola, que decidiu suspender as aulas nos dias 1 e 2 de setembro.
Já em Minas Gerais, uma escola estadual de Belo Horizonte passou por situação de ameaças e medo entre a comunidade escolar. O mesmo ocorreu em uma escola estadual no Acre, em que dois adolescentes com facas falaram a colegas sobre a intenção de praticar violência. Outros estados também enfrentam problemas semelhantes e mostram que essa é uma questão preocupante em todo o país.
Mais diálogo e acolhimento
Ainda que, felizmente, esses casos não tenham tido desdobramentos, especialistas avaliam que eles servem de atenção para a necessidade de investir em medidas como criar canais para expressão e acolhimento dos alunos, além do reforço da segurança.
Problemas de saúde mental e o distanciamento prolongado das salas de aula na pandemia são alguns dos fatores que podem ter favorecido as ocorrências de ameaças, segundo especialistas ouvidos para reportagem sobre o assunto no jornal Estadão.
Parte dos alunos tem demonstrado dificuldades de convivência, comportamentos mais agressivos e crises de ansiedade, neste retorno às aulas presenciais após a quarentena imposta por causa da covid-19.
Pesquisa do Instituto Península, feita com escolas públicas e privadas, em junho, revelou que mais de 70% dos professores relataram “dificuldades de relacionamento” das crianças e adolescentes.
À reportagem do jornal, Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP, disse que, com a pandemia, os alunos perderam vínculo com a escola, que passou a ser um território estranho e até hostil. “Principalmente porque há pressão absurda para que recuperem num curto espaço de tempo, o que deveria ter sido feito num longo espaço”, disse a educadora.
Mensagens não devem ser ignoradas
Para Luis Picazio Neto, psicólogo especializado em tragédias, não se pode ignorar as mensagens e achar que nada vai acontecer. Ao Estadão, ele declarou que é preciso melhorar a segurança da escola e treinar os professores e escolares sobre como lidar com atentados, indicando saídas de emergência e rotas de fuga, por exemplo.
Procuradas pela reportagem, as secretarias de educação São Paulo e de Minas Gerais destacaram que a orientação, em caso de ameaça, é a escola registrar um boletim de ocorrência e comunicar às autoridades de segurança pública. Já a pasta da Segurança Pública paulista disse ter ampliado a ronda escolar em 20% desde julho.
Segundo a psicanalista Miriam Debieux Rosa, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), essas ameaças revelam a necessidade de a escola repensar seus canais de expressão. “Há um mal-estar que está ganhando um canal de expressão nessa modalidade da agressividade”, diz ela, que ajudou no atendimento da comunidade da Escola Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, onde o ataque de uma dupla de jovens acabou com dez mortos em 2019.
Ela contou que, ao conversar com os alunos da escola, um deles lhe perguntou por que só agora eles estavam recebendo atendimento. “Esse menino queria dizer que muitas coisas violentas, que não levavam esse nome, estavam acontecendo. E o Estado, a escola e os agentes de saúde não conseguiram ver antes.”
Punição pela punição não é eficaz
A professora Silvia Colello ressalta que, ao detectar o aluno ou o grupo responsável por uma ameaça, o caminho inicial não deve ser o da “punição pela punição”, pois essa pode gerar mais violência. Se houver sanção, essa deve ser reparativa – como limpar a mensagem escrita na parede -, em vez da expulsão ou suspensão.
Os responsáveis devem ser chamados para o diálogo, na tentativa de entender o que está por trás da postura agressiva, para tentar negociar com eles.
Ela sugere ampliar os debates e a conscientização na escola, por meio da realização de palestras e/ou rodas de conversa para os estudantes, com a mediação de especialistas em violência. Os pais também devem ser comunicados, além de convidados a uma reunião para discutir como podem ajudar e sobre como se sentem em relação à ocorrência.
É preciso se preocupar com o que se vê nas redes sociais?
No Brasil, as hashtags sobre as ameaças de violência nas escolas têm milhões de visualizações. Há desde comentários sobre as ameaças a vídeos que relembram tragédias anteriores.
A cientista de dados canadense Sherry Towers disse que o problema da alta circulação desses rumores nas redes sociais é que eles podem servir de inspiração para outros que repitam isso. Para ela, é difícil separar as ameaças da verdade. “Esses alunos, talvez socialmente à margem, podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas é divertido em suas mentes assustar as pessoas”, disse a cientista ao Estadão. Ela é referência em estudos que analisam os tiroteios em escolas dos EUA de uma perspectiva de contágio.
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