Para estar alfabetizado, não basta conhecer as letras e os números, é preciso saber relacionar informações e ser capaz de produzir algo a partir dessas informações. “Esse é o verdadeiro sentido da alfabetização: formar sujeitos para que eles possam se emancipar na nossa sociedade e conquistar essa condição de autoria ou, como diria (o pensador russo) Bakhtin, do autorar e de ser intérprete do seu próprio mundo para poder produzir textos e ter direito a sua própria palavra”, afirmou Silvia Colello, professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP (Universidade São Paulo) durante live realizada pelo Unicef e pelo Instituto Avisa Lá nesta semana em que se comemora na sexta-feira (8) o Dia Mundial da Alfabetização.
O processo de alfabetização para a criança, portanto, vai além da habilidade de discriminar sons e sinais e de desenvolver aspectos de motricidade como coordenação e orientação espacial, por exemplo.
A criança tem um papel ativo no aprendizado e constrói seu próprio conhecimento – elas pensam, criam, compartilham ideias e descobrem sua capacidade de aprender, conforme dizia a psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, falecida em agosto deste ano, aos 86, no México. Ferreiro revolucionou a alfabetização na década de 1970, ao inverter a lógica tradicional do ensino que, para ela, não deveria focar no conteúdo ensinado e sim na criança que aprende e em como ela aprende. Uma de suas frases mais famosas, presente no livro Reflexões sobre Alfabetização, diz que “Por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa. Essa criança que pensa não pode ser reduzida a um par de olhos, de ouvidos, e a uma mão que pega o lápis. Ela pensa no propósito da língua escrita”.
Para a psicolinguista, a disparidade no desempenho na alfabetização apresentado por crianças de diferentes classes sociais está ligada não às capacidades desiguais mas sim ao maior ou menor acesso a textos lidos e escritos desde os primeiros anos de vida.
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Trabalhar a alfabetização levando esses aspectos em conta é primordial diante de dados que mostram que somente 4 a cada 10 crianças brasileiras concluíram o 2º ano do Ensino Fundamental alfabetizadas em 2021, segundo levantamento da pesquisa Alfabetiza Brasil, realizada pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Já um estudo feito pela ONG Todos pela Educação também referente a 2021 mostrou que 40,8% das crianças com 6 e 7 anos no país não sabiam ler ou escrever. Lembrando que a pandemia do coronavírus ocorrida nesse período prejudicou especialmente as crianças em fase de alfabetização e de classes sociais mais baixas..
Para incentivar a alfabetização na escola, é importante criar oportunidades que levem as crianças a aprender por si próprias a assimilar o conhecimento. E isso pode ser feito por meio de diferentes atividades. “Ouvir, criar e contar histórias, observar fotografias e outras imagens, além de explorar recursos musicais, brincar com as palavras e passear dão oportunidade de ampliar o repertório cultural e pedagógico dos pequenos”, afirma a professora Shirley Cristiane Szeiko, coordenadora da educação infantil e do ensino fundamental (anos iniciais) do Colégio Positivo – Londrina. E a família também tem papel fundamental nesse processo, diz ela. Abaixo, reunimos uma série de sugestões que usam o brincar e o lúdico – fundamentais para o processo de aprendizagem – para estimular a alfabetização das crianças.
Como ajudar a criança no processo de alfabetização
LEITURA
Incentive a leitura de livros infantis desde cedo, pois eles ajudam a criança a manter contato com a escrita e fazendo com que busque compreender a história para além do que está escrito e tire suas próprias conclusões sobre o que leu. Vale ler para o filho e ainda oferecer livros para que leia ou folheie sozinho. É importante deixar as obras no quarto e/ou áreas comuns de forma acessível para a criança.
CONTATO COM DIFERENTES TIPOS DE TEXTOS
Ofereça contato com conteúdos variados, como jornais, cartas, revistas, folders publicitários, embalagens de alimentos, receitas de bolo e outros que mostram a função social da escrita no dia a dia.
SE FAZER DE ESCRIBA
Peça que a criança dite algo para você escrever, como as regras de um jogo ou um trecho de história que leram juntos.
BRINCADEIRAS COM RITMO
Parlendas, cirandas e rimas são algumas das atividades que auxiliam na formação da nossa consciência fonológica, ou seja, a capacidade de reconhecer a combinação entre os sons, entendendo, por exemplo, que na palavra BO-LA há dois sons ou, ainda, que na palavra MO-RAN-GO há três sons, explica o psicopedagogo e especialista em educação infantil, Junior Cadima.
DAR NOME AOS BOIS
Estimular a criança a nomear os objetos é uma ótima maneira de ampliar o repertório de conhecimento da criança e também o vocabulário. “Sempre que estiverem em casa, os responsáveis podem brincar com os pequenos apresentando e falando o nome de diferentes objetos, seja do quarto, da sala ou da cozinha. Depois de apresentá-los, incentive a criança a dizer o nome desses objetos. Essa ação ajuda no resgate da informação, ou seja, é fundamental para a memória”, sugere Cadima.
BRINCADEIRAS COM PALAVRAS
Proponha atividades que explorem palavras, como “telefone sem fio”, “adedanha” e outras que incentivem o desenvolvimento da linguagem.
RECONTAR HISTÓRIAS LIDAS
Peça que a criança reconte algum livro que ela leu ou ouviu a história, podendo ainda criar uma nova versão para a narrativa.
Existe idade certa para a alfabetização?
Cada criança segue um ritmo próprio de desenvolvimento e aprendizado, mas para que esse processo tenha início é necessário que ela conquiste habilidades importantes desde a educação infantil, antes mesmo de saber o que são as letras e as palavras. Segundo a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o processo de alfabetização deve se iniciar por volta dos seis anos de idade, no primeiro ano do Ensino Fundamental, e o esperado é que as crianças estejam aptas para ler e a escrever entre oito e nove anos de idade, no fim do terceiro ano do ensino fundamental.