No Brasil, segundo dados do IBGE (2020), atividades como limpar, cozinhar, passar, lavar e cuidar compõem a economia do cuidado, trabalho para o qual mulheres dedicam cerca de 20 horas semanais. Precisamos colocar o trabalho de cuidado no centro da discussão quando falamos sobre equidade de gênero.
Segundo Silvia Federici, autora do livro “Calibã e a Bruxa”, “o trabalho doméstico é o trabalho mais importante da sociedade capitalista, porque dá origem aos trabalhadores, e sem eles, não há trabalho.” Na década de 1970, ela já defendia que tarefas realizadas dentro de casa deveriam ser remuneradas e que a desvalorização do trabalho de cuidado permite o controle dos homens sobre as mulheres.
A divisão sexual do trabalho colocou a mulher na posição de cuidadora: a elas cabe o trabalho reprodutivo, enquanto ao homem cabe o trabalho produtivo, ou seja, o trabalho que tem valor, o trabalho que é remunerado. O trabalho de cuidado não é visto porque, culturalmente, ele é chamado de amor. Silvia Federici também diz que “o que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”.
E não estamos falando somente do trabalho não pago, mas também de outros tipos de trabalho de cuidado que são remunerados, mas muito mal remunerados e que também acabam sendo atribuídos a mulheres. Enfermeiras, cuidadoras de idosos, funcionárias domésticas, babás, professoras do ensino infantil e fundamental são profissões que poderiam ser exercidas por homens, mas não costumam ser devido à baixa remuneração e ao medo de ter um homem cuidando. Medo de violência, de abusos etc.
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A questão da má remuneração e desvalorização do trabalho doméstico no Brasil também é atravessada pela cultura escravocrata que permanece viva no país. O movimento de emancipação da mulher branca que não incluiu a mulher preta e periférica. Em países onde há menos desigualdade social, as tarefas domésticas não são realizadas por terceiros, elas são realizadas por quem mora naquele lar, sejam homens ou mulheres, mas ainda pesando mais para as mulheres.
Vera Iaconelli, no livro “Manifesto Antimaternalista”, diz que a ideia pseudoteoria do “instinto materno” foi criada para responder a uma necessidade política, econômica e social de um estado que percebeu que as crianças e jovens dependiam de cuidados constantes. Essa ideia desonerou os homens do trabalho de cuidado, e o deixou para as mulheres. Essa ideia nasceu na Europa e foi tomada como verdade no mundo todo.
Essa estrutura social funciona como uma ferramenta de opressão, pois quem controla o dinheiro tem poder, tem liberdade, tem escolhas. Quem não tem acesso ao dinheiro, precisa se submeter. Quem não quer enxergar, claramente, se beneficia dessa situação. Quem detém o poder econômico da família acha que não precisa assumir responsabilidades sobre o trabalho de cuidado. Mais conveniente torná-lo invisível para continuar parecendo sem valor.
Algumas mulheres ainda rejeitam a ideia de que o trabalho de cuidado deveria ser remunerado. Elas compraram o argumento de que cuidar é sinônimo de amor, confundindo amor com subserviência. Afinal, se é amor e homens também amam os seus, porque motivo eles não dividem o trabalho de cuidado conosco?
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.