O conceito do instinto materno – que diz existir nas mulheres habilidades exclusivas para intuir e satisfazer todas as necessidades de seus filhos ‒ está ultrapassado. É o que defende a jornalista americana de ciência e saúde pública Chelsea Conaboy, em seu livro lançado este mês, Mother Brain: How Neuroscience is Rewriting the Story of Parenthood (Cérebro materno: como a neurociência está reescrevendo a história da parentalidade).
“Para muitos de nós, o instinto maternal não aparece, pelo menos não da maneira que esperávamos. Cuidar de um recém-nascido não parece inato. Não há um interruptor que vira quando engravidamos ou quando nosso bebê chega”, diz a autora, em trecho da obra.
Baseada em pesquisas da neurociência e da psicologia, o livro traz uma visão polêmica da nova ciência, ao investigar como o cuidar dos filhos muda todos que o fazem.
Conaboy explica que a noção de que o instinto materno é algo automático e distintamente feminino tem origem em ideologias e crenças, mas não na ciência. Segundo a jornalista, essa concepção equivocada dá primazia às mães biológicas, e sustenta ideias ultrapassadas sobre masculinidade que ensinam aos pais que eles são secundários, encorajando as mães a vê-los dessa forma também. Isso prejudica inclusive os direitos e o reconhecimento da formação de diferentes famílias, cuja capacidade de cuidar de seus filhos é frequentemente questionada.
A autora reconhece, no entanto, que a concepção de instinto materno vem perdendo força, graças aos questionamentos que têm sido feitos sobre gestações e mães perfeitas, à medida que mais pessoas compartilham suas experiências pouco gloriosas da parentalidade.
A jornalista conta que os cientistas começaram a mapear como “em todos os pais que se dedicam a cuidar de seus filhos, independentemente de seu caminho para a parentalidade, o cérebro é alterado pela intensidade dessa experiência e pelas mudanças hormonais que a acompanham”.
Comportamento maternal
Para quem se envolve nos cuidados com a cria, há sim um “comportamento maternal”, mas essa é uma característica humana básica e não exclusiva de mães ou pessoas que gestam e têm filhos biologicamente. Isso vale para pais gestacionais e não gestacionais, incluindo pais adotivos e pais não binários, que investem tempo e atenção no cuidado, explica Conaboy, em trecho adaptado do livro, publicado no jornal The New York Times.
Ela comenta que pesquisadores identificaram um padrão geral de atividade no cérebro dos pais que dão à luz, padrão esse que se constrói ao longo do tempo.
“Usando tecnologia de imagem cerebral e outras ferramentas, e com base em extensa literatura animal, pesquisadores de todo o mundo descobriram que a adaptação do cérebro parental humano leva tempo, impulsionada tanto pela experiência – pela exposição aos poderosos estímulos que os bebês fornecem – quanto por alterações hormonais da gravidez e do parto.”
A jornalista cita referências como uma pesquisa feita com ratos, nos anos 1960, pelo psicoterapeuta Jay Rosenblatt (1923/2014), em que se constatou haver uma relação entre o desenvolvimento do comportamento materno e a exposição aos filhotes. Segundo Rosenblatt, ratos machos demonstravam comportamento maternal, incluindo construir ninhos e agachar-se sobre os filhotes como se fossem amamentar, dada alguma exposição aos pequenos bichos.
Atenção aos bebês e apoio para os pais
Para Conaboy, saber que cuidar do filho não é algo instintivo lhe tirou um peso grande das costas. “As famílias humanas e seus contextos sociais são incrivelmente diversos. Mas ainda assim, muitas vezes somos levados a sentir que existe um caminho certo. Não há. Há muitas maneiras diferentes de seguir esses dias pós-parto. Há muitas maneiras de sentir esses primeiros momentos, dias e semanas. O que nossos bebês precisam, especificamente, é de nossa atenção. E o que nós, como pais, precisamos é do apoio necessário para fornecê-lo”, declarou Conaboy em entrevista à jornalista Melinda Wenner Moyer.
Para ela, priorizar esses dois aspectos deve servir de norte para mudar a formulação de políticas como a de licença parental remunerada, por exemplo, o atendimento clínico e a maneira como conversamos uns com os outros sobre o que significa se tornar mãe e pai. Dar mais apoio aos pais e reconhecer a parentalidade como uma grande reviravolta para o cérebro, que quase sempre envolve algum grau de sofrimento psicológico, também ajudaria a reduzir a depressão pós-parto, na opinião da autora.
“Passamos muito tempo falando sobre o material e os preparativos logísticos para um bebê. E quando eles chegam, o foco é no desenvolvimento infantil. Espero que também possamos começar a falar sobre esse momento como um grande estágio de desenvolvimento para os pais”.
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