Violências, divórcios, doenças, guerras e mortes de pessoas próximas são eventos difíceis de lidar para qualquer pessoa. Para os adultos responsáveis por uma criança, além do desafio de gerenciar seus próprios sentimentos, é preciso saber também como ajudar os filhos, levando em conta que ainda não têm preparo para compreender o mundo à sua volta. Isso vale inclusive para acontecimentos distantes, que podem gerar ansiedade e inquietação, e precisam ser processados pela família. Mas o desafio maior, de fato, ocorre quando a própria criança é diretamente atingida pelos eventos. E, nesses casos, nem sempre ela terá acesso a auxílio profissional, afirma David Robson, jornalista, escritor de ciências premiado e autor do livro “O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida” (em tradução livre do inglês), em matéria para a BBC Future.
“Para muitas crianças, os pais são as únicas pessoas que oferecerão apoio depois de uma experiência traumática”, afirma Sarah Halligan, professora de psicologia da Universidade de Bath, no Reino Unido, à reportagem.
Segundo Robson, o amor e a compreensão devem ser a base dos diálogos, mas, além disso, é importante atentar para o teor das interações e a linguagem empregada para abordar os eventos, o que pode ter profundos efeitos sobre o processamento das emoções pelas crianças, indicam estudos recentes.
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O escritor diz que as conversas familiares, além de oferecer conforto imediato, podem moldar as memórias da criança sobre o que aconteceu quando recordarem desses momentos no futuro. Também têm papel importante nas formas como a criança reagirá a adversidades futuras. “De fato, se você pensar nas suas próprias reações a eventos traumáticos hoje em dia, é muito provável que você esteja repetindo conversas da sua própria infância que foram internalizadas”, afirma ele.
“Algumas pessoas acham que, se conversarem sobre eventos negativos, elas irão traumatizar a criança ou piorar a situação”, explica Melanie Noel, professora de psicologia clínica da Universidade de Calgary em Alberta, no Canadá. “Mas essas conversas difíceis podem ensinar às crianças a empatia, a compreensão e a capacidade de regular suas emoções”, diz.
Esponjas sociais
O escritor lembra que os pais servem de modelo para os filhos e as interações entre eles têm papel fundamental no desenvolvimento cognitivo das crianças. Perceber o medo dos pais, por exemplo, poderá ajudar as crianças a evitar um animal perigoso ou uma pessoa que não merece confiança.
“O cérebro das crianças ainda está em desenvolvimento e os pais fornecem importante apoio e estrutura para ajudá-las a navegar nos seus mundos emocionais”, segundo Dylan Gee, professora de psicologia da Universidade Yale em Connecticut, nos Estados Unidos.
Perguntar sobre os sentimentos do filho – o que sentiu quando a máquina de cortar cabelo passou sobre sua cabeça, por exemplo – e dizer o quanto ficaram orgulhosos ao vê-lo conseguir superar sua timidez, reforçando o sentimento de coragem da criança, faz com que ela compreenda melhor suas emoções. Isso a ajuda a moldar o seu comportamento, de forma que preste mais atenção nas ações, sem ceder aos seus impulsos.
Uma pesquisa feita na Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), filmou pais e filhos enquanto conversavam sobre experiências positivas e negativas na vida das crianças.
As crianças que haviam sido incentivadas a analisar seus sentimentos eram mais capazes de manter sua atenção e controlar seus impulsos na sala de aula. Já as conversas sobre experiências negativas pareceram fazer mais diferença, talvez porque esses sentimentos desconfortáveis são os mais difíceis de compreender e regular sem a orientação dos pais, analisa o escritor no artigo da BBC Future.
Para a professora de psicologia da Universidade Yale esse tipo de conversa produtiva é chamado de “coaching emocional”.
“Exemplos de coaching emocional eficaz incluem ajudar as crianças a identificar seus sentimentos, respeitando e legitimando esses sentimentos, ajudando-as a identificar formas de lidar com emoções mais difíceis e fornecendo oportunidades para discutir abertamente as emoções das crianças”, explica Gee.
A partir de estudos feitos na pandemia, ela descobriu que o coaching emocional dos pais atenuou os efeitos do estresse durante essa época difícil, causando menos prejuízos à saúde mental das crianças.
Foco na superação – não no sofrimento
Levando em conta tais descobertas, é natural que o comportamento dos pais tenha influência poderosa sobre as reações das crianças a outros tipos de dores e traumas, diz Robson. E a maneira como os pais reagem a eles terá impacto nas reações dos filhos em outras situações de dores e traumas.
Isso não quer dizer que os pais devam suavizar situações traumáticas vividas, mas tampouco deve exagerá-las.
Se lembrarmos de uma cirurgia apenas como algo doloroso, por exemplo, ficaremos mais ansiosos e sofreremos maior desconforto ao passar por algo semelhante no futuro.
Em vez de focar nas dores físicas, os pais devem se concentrar nos elementos positivos da experiência e elogiar a criança pela forma como ela conseguiu lidar com aquele desconforto.
Se, num evento, a criança recorda ter chorado muito, não se deve desprezar esse fato, mas vale lembrá-la da rapidez com que se recuperou. “Sim, você chorou, mas só por alguns minutos, lembra? Porque depois tomamos sorvete.”
Especialistas suspeitam que reformular as conversas para que enfatizem a superação além do sofrimento pode ajudar as crianças a processar muitos outros tipos de traumas.
Qual o momento certo para o ‘coaching emocional’
Situações traumáticas são difíceis de vivenciar e muitas vezes os pais não querem falar sobre elas, muito menos com os filhos, até porque acreditam que assim eles sofrerão menos. Mas isso poderá criar a sensação de que o assunto é algum tipo de tabu.
“As crianças muitas vezes podem recear que irão aborrecer os seus pais e acabam silenciando sobre o tema”, segundo Halligan.
Ela sugere que os pais deixem claro que estão abertos à conversa e deem oportunidade para tal, por exemplo, durante atividades diárias como andar de carro ou no passeio ao parque. “Muitas vezes, os pais encontram boas oportunidades para conversar com as crianças quando outras coisas estão acontecendo”, afirma Halligan.
Valorizar os sentimentos da criança, enfatizar o bom além do mau e reafirmar a capacidade da criança de lidar com a situação é uma forma de fornecer técnicas emocionais abrangentes que terão efeito a longo prazo nas crianças.
“Se quisermos incentivar a superação nas crianças, precisamos ensinar aos pais como ter conversas construtivas com elas sobre temas traumáticos, assustadores e estressantes”, afirma a pesquisadora Melanie Noel. “Isso poderá evitar muitos problemas no futuro”, conclui ela.
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