Nos últimos dias, as redes sociais foram invadidas por uma série de vídeos em que crianças aparecem falando palavrões. A iniciativa parte dos próprios pais que, motivados pela “trend do palavrão”, orientam os filhos a dizer todos os xingamentos e palavras obscenas que os pequenos conhecem, mas estão proibidos de pronunciar no dia a dia. Nas gravações, há crianças que soltam a língua e fazem até gestos com o dedo médio, mas há também muitas que não entendem a proposta e falam sobre o que fizeram de errado na escola ou assuntos dos mais diversos.
Algumas postagens têm mais de 11 milhões de visualizações no TikTok e milhares de comentários e curtidas, dando a entender que as pessoas aprovam a tendência e têm se divertido com ela. Porém, para especialistas, as postagens são desrespeitosas com as crianças e podem deixá-las confusas, além de expô-las de forma inadequada no mundo virtual.
“Precisa colocar a criança num lugar depreciativo para gerar conteúdo para o adulto poder rir?”, questiona a neuropedagoga e educadora parental Maya Eigenmann. Em postagem no Instagram, ela criticou a falta de criatividade dos adultos e definiu a trend como “uma tremenda de uma babaquice”, citando ainda tendências anteriores que também envolvem os pequenos como a de jogar ovo ou queijo na cabeça da criança.
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Comunicação ambígua confunde as crianças
A psicóloga Carla Maia, especialista em desenvolvimento emocional e saúde mental de mulheres, crianças e adolescentes, lembra que as crianças estão em uma fase de formação de identidade e fazer com que falem palavras que, no geral, os pais proíbem de pronunciar em casa, causa confusão na cabeça delas.
“A criança está formando o seu caráter e ela pode não entender esse tipo de comunicação ambígua. Os pais têm que ser claros, têm que ajudar a criança a compreender o processo, cuidar e protegê-la, e não ficar fazendo esse tipo de brincadeira que só a expõe”, avalia Carla.
A terapeuta relacional Adriana Amaral acrescenta que a mensagem ambivalente torna as crianças vulneráveis relacionalmente, podendo interferir na capacidade de fazer julgamentos, principalmente as pequenas, abaixo dos 3 anos de idade. E há ainda o risco de entenderem que não tem problema fazer chacota com alguém, normalizando o bullying.
Os direitos de imagem das crianças
Para Leiliane Rocha, psicóloga e especialista em educação sexual, são graves os riscos de divulgar imagens de crianças na web. “Depois que um vídeo cai na internet, a gente não tem mais controle sobre o que farão com ele. Expor crianças xingando pode dar conteúdo para muita gente usar esses vídeos das maneiras mais inimagináveis”, diz. Ela também destaca a importância de ensinarmos às crianças a praticarem uma comunicação respeitosa na qual os palavrões não se enquadram.
Leiliane comenta que algumas das postagens trazem crianças pronunciando palavrões pesados, sexualizados. “É hora de protegermos as crianças e não as confundir e expô-las dessa maneira.” Segundo a psicóloga, muitos pais incentivam as postagens dos filhos por falta de conhecimento ou por outras questões que não visam prejudicar a criança. “Por isso as famílias, a sociedade, a escola e as igrejas, todos precisam de conhecimento para proteger a infância”, analisa.
Adriana Amaral destaca ainda que o compartilhamento excessivo de imagens dos filhos se tornou uma tendência contínua, que gera debates desde a chegada das redes sociais, e está sob a mira dos especialistas jurídicos. “A criança tem direitos de imagem. Porém, violamos seus direitos na forma como as expomos, comendo, dormindo, sorrindo ou chorando, incorrendo num erro perigoso ao deixarmos seus perfis abertos nas redes sociais. O “BBB” infantil vai mudando de tendência para viralizar, e se tornou quase um objetivo de vida para muitos pais”, afirma a especialista, autora de um artigo sobre uma outra tendência recente, #prankmybaby, que visa fazer pegadinhas de mau gosto nos filhos.
Tem problema falar palavrão na frente dos filhos?
Muitos adultos falam palavrão e é importante lembrar que as crianças se espelham nos pais e podem reproduzir o seu comportamento. Renata Borja, psicóloga especializada em terapia cognitivo comportamental, diz que os pequenos constroem seus aprendizados a partir do que observam ao seu redor e tendem a reproduzir o que ouvem como forma de aprender a lidar com o mundo. Porém, no caso dos palavrões, que são formas figurativas de expressão, os pequenos não têm a capacidade de entender as interpretações abstratas. Ainda assim, podem entender pelo contexto e pela entonação utilizada pelos adultos. Para ajudar os pais nesse assunto, veja recomendações de especialistas sobre como ter uma comunicação mais assertiva com os filhos.