Muito se avançou na compreensão sobre como o nosso sistema nervoso autônomo responde a situações de estresse e segurança. A Teoria Polivagal, desenvolvida pelo psicólogo e professor de psiquiatria Stephen Porges, trouxe grande avanço ao assunto ao explicar como os circuitos neurais identificam sinais de perigo no ambiente. Segundo a teoria, o nervo vago, uma via de comunicação entre o cérebro e o corpo, desempenha um papel crucial em como nos comportamos, sentimos e nos relacionamos. Ela introduz a ideia de que nosso sistema nervoso responde a estímulos externos através de três estados principais: segurança, alerta (luta ou fuga) e colapso (imobilidade).
“A Teoria Polivagal nos mostra que a nossa resposta ao trauma não é uma escolha consciente, mas sim uma reação do sistema nervoso que busca proteger a nossa sobrevivência. É uma forma do corpo dizer: ‘Eu não estou seguro’”, explica Porges. “Quando sentimos que estamos seguros, nosso corpo responde abrindo espaço para o engajamento social, a empatia e o aprendizado. Quando sentimos perigo, essas capacidades são inibidas, e nosso foco se torna a sobrevivência”, relatou o professor.
Ele conversou por videoconferência com a biomédica e escritora best-seller Telma Abrahão para debater os impactos dessa teoria, tanto no desenvolvimento infantil quanto na saúde mental de adultos.
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A especialista compartilha como esse conhecimento a ajudou a lidar com experiências traumáticas da infância. “Quando criança, eu não entendia por que desmaiava ao ouvir as brigas dos meus pais. Estudando a teoria polivagal, descobri que era uma resposta do meu corpo a uma ameaça. Meu sistema nervoso reagia ao perceber que meus alicerces de segurança estavam abalados. Isso mudou completamente a forma como olho para o comportamento humano”, revela Telma.
Stephen Porges destaca que muitos comportamentos que, à primeira vista, parecem “problemáticos”, na verdade, são respostas naturais do corpo ao estresse. “Quando uma pessoa não se sente segura, ela entra em um modo de proteção. Isso pode parecer desengajamento, irritabilidade ou até agressão. O que estamos vendo é o corpo tentando se regular frente a uma percepção de ameaça”. Ele ressalta ser preciso entender que os comportamentos não surgem no vazio. “Eles são moldados pelo estado fisiológico da pessoa. Um corpo em estado de defesa não consegue ser social e aberto à aprendizagem.”
A sensação de segurança é essencial para que o sistema nervoso permita a regulação emocional. “A confiança é o que permite aos seres humanos se sentirem seguros na presença de outros. Sem confiança, o corpo se prepara para se proteger, mesmo que não haja uma ameaça imediata”, diz o especialista.
Surgida nos anos 1990, a Teoria Polivagal tem ganhado reconhecimento mundial por sua aplicabilidade prática em diversas áreas, dos relacionamentos interpessoais ao tratamento de traumas e distúrbios emocionais até a educação.
Ao usar esse conhecimento em sua abordagem de Educação Neuroconsciente, Telma diz trabalhar para ajudar pais e profissionais a enxergarem além do comportamento das crianças, buscando compreender o que aquele comportamento realmente está tentando comunicar.
“Muitas vezes, as crianças que mais precisam de amor são as que pedem de maneiras que mais dificultam para os pais oferecerem. Entender que isso é uma resposta de sobrevivência pode transformar a forma como educamos”, diz ela.
Porges reforça esse ponto ao abordar a importância de criar ambientes seguros para o desenvolvimento infantil: “Um ambiente que gera estresse ou medo coloca o sistema nervoso delas em alerta, e nesse estado, a capacidade de absorver conhecimento é drasticamente reduzida”, explica.
“O que eu espero é que, ao entendermos como nosso corpo reage à segurança e ao perigo, possamos criar um mundo onde mais pessoas se sintam seguras, conectadas e emocionalmente saudáveis. Essa é a verdadeira revolução”, conclui Porges. Ele será o destaque do 5° Congresso Internacional de Educação Parental em um painel junto com Telma Abrahão, no dia 14 de novembro, em São Paulo.