Quando tentei ser blogueira

A escritora Sheila Trindade fala sobre as aventuras e desventuras que viveu quando decidiu compartilhar suas histórias da maternidade nas redes sociais

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Mãe faz selfie sua e da filha com celular
Buscador de educadores parentais
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Já tentei ser várias coisas na vida. Tentei ser bailarina, cantora, jornalista. Tentei até ser blogueira. Dizem que quando nasce uma mãe, nasce um coque e uma culpa eterna. Aqui em Belo Horizonte, em meados dos anos 2000, ao nascer uma mãe, nascia um blog. Claramente, eu não poderia ficar de fora dessa. Criei o Uai Mãe, no início com sócia e um monte de colunistas. Mas o que ninguém te conta é que ao nascer um blog, nasce uma rixa com todas as outras blogueiras do mundo. Juro. É instantâneo. Em uns dois ou três anos, todo mundo é inimigo. Aconteceu comigo.

Me achava tão chique sendo convidada para coquetéis, inaugurações e eventos do universo materno. Todo mundo se odiando, participando de grupos de Whats’App secretos para falar mal da coleguinha, mas na selfie todos sorriam. Era legal demais! A coisa começou a complicar quando decidi que não falaria apenas sobre meus filhos. Não queria ser convidada para assistir à peça da Peppa Pig pela milésima vez. Os ingressos bons iam para as blogueiras de moda e life style. As agências me mandando presskits de doces e produtos de higiene infantil, para as outras, maquiagens, roupas e ingressos para bons shows.

Comecei a questionar o motivo de ser tratada assim pelas marcas. Será que elas me queriam mal vestida e infeliz? Aquele estereótipo de mãe-cansada convence mais? Implorava por releases de assuntos variados porque não aguentava mais dar dicas de programação cultural infantil.

Nunca recebi a resposta. Após tentar de toda forma e perceber que mãe, cujo assunto não são os filhos, não é ouvida, comecei a questionar meu talento para a profissão. Desisti de vez quando ouvi de outra blogueira materna dicas de como fazer seu perfil crescer dando como exemplo uma postagem de sua viagem com a filha para Cancun. Aí foi demais! Afinal, para criar um postagem assim, eu precisaria ir para Cancun, mas como eu iria, pagando tudo só com os presskits de pomadas para assaduras que eu recebia aqui em casa?

Olhando pelo lado bom, ao menos meus textos eram lidos. A galera gostava muito de consumir conteúdo gratuito, alguns com mais de 200 mil visualizações. A situação ficou complicada quando eu decidi cobrar pelo conteúdo. De um dia para outro tudo o que fazia e dava certo, deixou de ser interessante. Aquilo não significava que o que eu fazia era ruim – o pessoal é que ficou mal acostumado. Um dia, uma chave virou na minha cabeça e eu entendi que meu senso de humor não é para todos, as mensagens que recebia de quem leu meu livro ou coluna diziam o quanto era boa minha escrita. Se ao menos uma pessoa ler e gostar, não quer dizer que é ruim, mas que é alternativo, indie, cult. Pessoas de gostos refinados, são assim. Sorry.

De uma coisa eu tenho certeza: não sou influenciadora. Eu sou o que escrevo.

Não faz sentido eu ficar fazendo stories mostrando o que faço o dia todo, tendo crise de ansiedade com o que vão pensar de mim, quando o que quero e o que tenho de melhor para mostrar é a forma que vejo o mundo, as histórias loucas que compartilho na escrita.

Estou sem redes sociais há dois meses e todo mundo acha que me afastei para escrever um livro. Quando a verdade é que me afastei para terminar de ver This Is Us, faxinar a casa, ler os livros que comprei compulsivamente e não li, colocar a cabeça no lugar para não enlouquecer mais do que posso no momento.

Eu não lamento o tempo que vivi escrevendo de graça achando que me tornaria a próxima Flávia Calina. Era bem divertido. Serviu para me distrair assistindo treta materna enquanto me conformava com as viagens para Cancun que eu não fiz.

  • *Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.

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