Proibida a entrada de crianças: os lados do movimento ‘Childfree’

Prática surgida nos Estados Unidos vem ganhando grande força entre os brasileiros. Entenda o que é essa onda denominada “ Livre de crianças” e suas motivações

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Crianças sendo privadas de frequentar certos locais
Especialistas comentam sobre o movimento Childfree
Buscador de educadores parentais
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O movimento denominado Childfree (“Livre de crianças”) nasceu nos Estados Unidos, na década de 70, com a defesa da ideia de que ter filhos é uma opção e não uma obrigação. Tendo sido abraçado principalmente por mulheres, que por um longo tempo foram pressionadas pela sociedade a serem mães, a causa alcançou o Canadá, Europa e atualmente o Brasil.

Com o passar dos anos, o movimento tomou uma posição mais radical, a de pessoas que além de não quererem ter filhos, também não desejam ter contato com crianças em alguns eventos de adultos e espaços públicos. A popularização do movimento no país tem resultado em um crescente número de estabelecimentos comerciais que se denominam locais “Childfree”, ou seja, com a restrição à entrada de crianças. 

De acordo com Fabiano Fonseca, coordenador e docente de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o aumento de adeptos da causa é decorrente da popularidade que o movimento alcançou nas redes sociais e, também, da conscientização de que as mulheres não precisam necessariamente ter filhos. Segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayern, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think about Needs in Contraceptation (TANCO), 37% das mulheres brasileiras não querem ter filhos. No mundo, o índice chega a 72%.

Não é de hoje que alguns estabelecimentos optam por contar com áreas restritas a crianças, como é o caso de alguns restaurantes, pousadas e albergues no Brasil. Porém, após Débora Oliveira, mãe de duas crianças, compartilhar em seu Instagram a placa do restaurante Underdog, em São Paulo, que dizia “Aqui seu cão é bem vindo!!! Mas crianças, favor amarrá-las ao poste” aconteceu certo rebuliço nas redes sociais, suscitando o questionamento: é ético restringir o acesso de crianças a determinados locais públicos?

Placa com o escrito
Imagem postada por Débora Oliveira

“Dentro da sociedade, as pessoas têm total direito de optarem por ter filhos ou não, no entanto, vale ressaltar que viver em sociedade é também saber tolerar escolhas e opiniões diferentes das nossas. Uma criança chorando em local público pode sim ser incômodo, mas é necessário ser tolerante. A convivência em sociedade é uma parte importante para o desenvolvimento das crianças”, afirma Fabiano Fonseca. 

O docente ainda ressalta que, ao restringir a presença de crianças a determinados espaços, além limitar o processo de sociabilidade dos menores, também restringimos o convívio em sociedade de seus pais. “Não podemos deixar de pensar que além de limitarmos o acesso de crianças, também restringimos as opções dos pais. Os pais, nesse caso, também vão sofrer com isso. Eles podem se sentir discriminados, pouco acolhidos”. 

Thaise Peixoto, psicóloga e mãe de duas crianças, já passou por uma situação parecida, onde se sentiu excluída pelo fato de ter filhos. Ela relatou que já foi impossibilitada de frequentar um evento devido à preferência da organizadora em não aceitar a presença de crianças. “Foi uma situação que me deixou bem triste. Na época, eu estava em pleno puerpério e meu marido estava fora do Brasil. Como não tenho família em São Paulo, fiquei muito feliz pelo convite, eu me sentia sozinha. A pessoa em questão sabia que eu tinha filhos e, mesmo assim, me fez o convite. Quando perguntei para ela se podia levar uma acompanhante para cuidar das crianças durante o evento, a pessoa simplesmente me disse que as crianças não tinham sido convidadas. Eu, claramente, acabei não indo ao evento. Foi um balde de água fria. Fiquei muito mal na época. Ao falar que as crianças não tinham sido convidadas, ela me desconvidou também”.

O movimento Childfree levanta um importante debate jurídico. Ana Claudia Cifali, advogada do Instituto Alana, relata que, as crianças, assim como os adultos, são seres com direitos assegurados. Ao serem limitadas de frequentar determinados espaços sociais, o ato pode ser configurado como flagrante ilegal de discriminação. 

A Convenção sobre os Direitos das Crianças da ONU de 1989, tratado internacional mais assinado no mundo, ratificado pelo Brasil, proíbe qualquer forma de discriminação contra as crianças ou seus responsáveis. A Constituição Federal de 1988 ainda determina, em seu artigo 3º inciso IV que é necessário promover o bem de todos “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, determinando punição para qualquer ato discriminatório que atente contra direito ou liberdades fundamentais, como o direito das crianças e de seus responsáveis de frequentarem espaços sociais de convivência.

Segundo Ana Cláudia, referir-se a crianças de forma degradante é o primeiro passo para a naturalização de outros tipos de violência. “Como podemos pensar em comunidade se não acolhemos aqueles que acabam de ser inseridos nela? As mudanças sociais que tanto queremos também estão presentes na forma como lidamos cotidianamente com as pequenas decisões morais, inclusive na fala. Falar que crianças são chatas e além disso, proibir que acessem determinados locais, é de uma moralidade infantofóbica intolerante e questionável”. 


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Já a chefe de cozinha Rox Quintana, ex-masterchef México, compartilha de um diferente pensamento. A celebridade polemizou após tuitar “Vão me odiar, mas não quero filhos no meu casamento”. A frase levantou diversos questionamentos nas redes sociais e, em uma tentativa de encerrar o assunto, Rox completou dizendo que compreende que alguns pais e mães não têm onde deixar seus filhos, mas que nesse caso a escolha é da noiva e os convidados precisam se adaptar. 

Post de Rox Quintana no Twitter
Post de Rox com a frase ” Vão me odiar, mas não quero filhos no meu casamento”

Esse também é o caso de Ana Guimarães, dona da página no Facebook Somos Childfree. Os adeptos do movimento afirmam que a restrição de crianças em alguns locais seria benéfica para todos. “Quase todos os lugares possuem espaços kids, porque não meia dúzia para os adultos frequentarem? Crianças na maioria das vezes causam desordem e perturbam o ambiente” revelou Ana, em entrevista à Gazeta do Povo.

Ana, ao longo da entrevista, ainda revela que conheceu o movimento em 2012 pela internet e que, até então, não se falava abertamente sobre a escolha de não ter filhos. “Nossa ideia é reunir pessoas que não querem ter filhos e assim criar um vínculo entre todos, mostrar que existe quem não quer ser responsável por uma criança e que há muitas coisas para serem feitas na vida além de filhos”, declarou a ativista da causa. 

Quando se fala na luta para que a maternidade não seja uma exigência da sociedade para todas as mulheres, a escritora e roteirista Renata Corrêa, em entrevista ao Portal Lunetas, revela sua opinião sobre o movimento Childfree: “Como feminista, eu apoio movimentos que questionem maternidade compulsória. Infelizmente o movimento Childfree não questiona a maternidade, ele culpabiliza a mãe. É só mais uma ferramenta conservadora em um mundo já repleto de ódio”.


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