Para muitas famílias, a Páscoa é uma das festas mais importantes do ano, principalmente para as crianças. As celebrações tradicionais estão voltando com força, após o longo período de restrições na pandemia. Além dos chocolates, a Páscoa também é um momento para renovar brincadeiras e rituais religiosos, que são fundamentais para preservar costumes e tradições familiares, e manter culturas e histórias vivas.
“É importante valorizar as tradições e os valores que, em razão dos apelos comerciais, acabam sendo esquecidos no tempo, pois Páscoa é bem mais que um feriado, chocolate e outras guloseimas. Ajudar as crianças a compreenderem o verdadeiro sentido da Páscoa através de gestos de solidariedade, amizade, respeito, fé e partilha é o presente que não acabará ao final do dia, mas ficará com elas ao longo de sua vida”, diz a diácona Thelma Merinha Kramer, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
As tradições de Páscoa costumam ser realizadas em um clima tão envolvente de brincadeira, que muitas vezes as crianças não param para pensar nas origens dos costumes e histórias. Cada povo que chegou ao Brasil inseriu novos costumes e as próprias versões da Páscoa. Passadas de geração em geração, muitas dessas tradições persistem até hoje, depois de séculos, a exemplo da tradição da Páscoa luterana no Brasil, trazida pelos imigrantes alemães.
Ovinhos pintados, Árvore de Páscoa: de onde vem isso
As origens da Páscoa protestante no Brasil remontam a 1824, quando os imigrantes alemães começaram a chegar ao país. De acordo com Thelma Kramer, a cultura e a fé daquele povo eram indissociáveis. “Trouxeram suas histórias de vida, experiências de fé e de convivência comunitária, sua cultura e suas festas religiosas. Nessa bagagem material, religiosa e cultural, estava também a celebração da Páscoa em família e em comunidade”, afirma.
Para Kramer, a permanência tão forte das tradições de Páscoa (de forma geral e não apenas a luterana), até hoje, está relacionada à força de transmissão de cultura e história que essas celebrações carregam. ”Crianças observam e gostam de experimentar, aprendem o que ensinamos e o que vivenciamos com elas. Dessa forma, culturas que são passadas de geração em geração se mantêm vivas e relevantes. Elas criam laços que podem ser transmitidos dentro da família, na comunidade, na cidade e em todo lugar onde se convive, assegurando a preservação e a ressignificação da cultura e da história”, afirmou.
Dentro das tradições alemãs que se mantêm relevantes até hoje estão a pintura de ovos cozidos para enfeitar as mesas, tradicionalmente realizada por mulheres e crianças.
Já para o cristianismo de forma geral, a importância dos ovos está na sua simbologia, pois o ovo esconde a vida dentro de uma casca, assim como a vida de Jesus esteve escondida dentro do sepulcro. O coelho costuma simbolizar apenas a fertilidade, embora outros símbolos costumam ser associados à imagem do animal.
Outra tradição alemã que Kramer ressalta é a der Osterbaum, a Árvore de Páscoa, que é uma árvore de galhos secos (simbolizando a morte de Cristo), enfeitada com ovos pintados (fazendo alusão à ressurreição), que levam mensagens de esperança ou versículos bíblicos dentro da casca.
“Pêssankas”
As artes manuais também são tradições importantes para se transmitir conhecimento e história às futuras gerações. A artista Vanessa Jerba, membro da comunidade de ucranianos de Campo Grande, é uma dessas transmissoras de conhecimento. Na Páscoa, Vanessa produz as pêssankas, “ovos decorativos, escritos e coloridos a mão, de origem eslava, feitos principalmente pelos ucranianos”, em sua própria definição.
Muito comuns em regiões onde se tem colônias eslavas, principalmente ucranianas e polonesas, as pêssankas são um exemplo da correlação entre a Páscoa e a ancestralidade. Jerba explica que, na tradição pagã, esses ovos eram feitos para homenagear as divindades associadas ao início da primavera. O termo pêssanka vem do verbo ucraniano “pessate”, que significa “escrever”. Os ornamentos vistos nos ovos são na verdade signos que esses ancestrais usavam para transmitir mensagens religiosas. Atualmente, em alguns lugares do país há oficinas que ensinam a confecção desses ovos.
As pêssankas são um incrível exemplo de como a Páscoa, em meio ao seu clima de fé e de magia, no caso das crianças, pode ser um elemento fundamental para a sobrevivência de histórias. “As crianças carregam em si a alma do povo ucraniano através de uma simbologia milenar. Parte da história da Ucrânia sobreviveu por meio de tais artes, pois era por meio delas que as pessoas se expressavam”, diz a artista.
Ela defende a importância de se levar essa arte às crianças, como um exemplo de proteção da ancestralidade. “Apresentar a arte da pêssanka às gerações mais novas é uma ótima oportunidade de mostrar a essas gerações como eram as tradições e o conhecimento de nossos ancestrais”, diz Jerba.
O mundo das fantasias e memórias
A época pascal é, inevitavelmente, uma época mística, mágica, fantasiosa e lúdica para as crianças. Segundo especialistas, esse mundo é fundamental para o desenvolvimento infantil. Para a psicóloga e mestra em psicologia Rosana Zanella “é muito importante dar asas para que a criança liberte suas fantasias, lance mão do seu potencial cognitivo e socioafetivo”. “O mundo da fantasia e o mundo lúdico promovem todo esse desenvolvimento na criança.”
A psicóloga sustenta que é através do mundo da imaginação que a criança consegue expressar melhor suas capacidades cognitivas, sociais e afetivas para desenvolvê-las. “A linguagem da criança é o brincar. A partir do momento que a criança brinca e lida com sua fantasia, ela está se desenvolvendo.”
Festas como a Páscoa, diz Zanella, têm papel importante de unir as famílias em torno das tradições. Ela explica que brincadeiras feitas nessas épocas criam memórias afetivas que podem durar a vida toda na cabeça do indivíduo como um momento caloroso. Mas ela não se limita apenas à Páscoa e afirma que aniversários, outras festas religiosas e tradições da própria família são sempre momentos para se construir oportunidades da família se unir e criar memórias que perdurem.
Para Zanella, os acontecimentos felizes na infância são sempre marcantes e que ficam para a personalidade da criança no futuro. “As celebrações de Páscoa, assim como qualquer celebração de tradição de uma família, são importantes para a psique porque vão fazendo com que a pessoa se construa através das memórias.”
LEIA TAMBÉM
Amei a matéria de Páscoa.