Os direitos à saúde e educação de crianças e adolescentes foram violados pelo governo federal durante a pandemia de Covid-19. É o que mostra dossiê do Instituto Alana e do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) que constatou que foram poucos os planos e as políticas públicas voltadas a esse público dentre as normas de enfrentamento à crise sanitária do governo federal.
A pesquisa analisou 142 atos normativos editados pelo Executivo federal, que mencionam termos ligados à infância e à juventude, tais como “criança”, “adolescente”, “jovem” e “infantil”, entre março de 2020 e setembro de 2021, com atualização de dados sobre vacinação em fevereiro de 2022.
No contexto da pandemia, caberia à União a destinação orçamentária e a formulação de normas gerais entre todos os entes da federação. A ineficiência de ações está revertida em números: dados da Fiocruz indicam que, até o dia 4 de dezembro de 2021, 1.422 crianças e adolescentes morreram em razão da Covid-19 – sendo 418 óbitos de crianças com até 1 ano; 208 de 1 a 5 anos e 796 de 6 a 19 anos -, tornando o Brasil o segundo país com mais mortes nesta faixa etária. Além disso, quase 20 mil crianças e adolescentes abaixo de 19 anos foram hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), confirmados por Covid-19.
Crianças em situação de vulnerabilidade, cujas famílias se encontram em situação de pobreza, especialmente crianças e adolescentes negros, quilombolas e indígenas residentes em áreas periféricas são particularmente afetados pela Covid-19 de forma mais grave.
“O governo federal deixou ações de enfrentamento à pandemia voltadas para as crianças por último. Elas tiveram seu direito à saúde negado, quando deveriam ser a prioridade. Ainda, elas possuem o direito de ser protegidas contra uma doença que pode levar à morte e deixar sequelas. A saúde individual e coletiva é uma condição para que elas tenham acesso a outros direitos, como à educação e à convivência em sociedade”, destaca Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana.
Direitos à vacinação e educação violados
Segundo o dossiê, os direitos à saúde e à educação do público infantojuvenil foram, particularmente, afetados pela ineficiência de ações do governo federal. O direito à vacinação infantil, previsto em lei pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi violado pelo governo federal que impediu a celeridade da campanha de vacinação e iniciou a imunização de crianças menores de 12 anos quase um mês após o aval da Anvisa.
Em relação aos direitos à educação, o fechamento de escolas por tempo prolongado deve comprometer o aprendizado de milhares de crianças. Estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância) revela que o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso de meninos e meninas à educação, já que pelo menos 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos estavam sem acesso à educação em novembro de 2020. Destes, 40% tinham de 6 a 10 anos, faixa etária em que a educação estava praticamente universalizada antes da pandemia.
O dossiê também destaca a orfandade como impacto na vida de crianças e adolescentes. Levantamento do Imperial College mostra que, no Brasil, de março de 2020 a outubro de 2021, ao menos 168,5 mil pessoas de 0 a 17 anos perderam o pai, a mãe ou ambos por causa da Covid-19. No Senado, o relatório final da CPI da pandemia recomendou a criação de uma política de auxílio financeiro a crianças e adolescentes em situação de orfandade causada pelo coronavírus. Porém, o dossiê destaca que é necessário que uma legislação específica seja aprovada.
“Agora é a hora de um pacto nacional que coloque as crianças em primeiro lugar para apoiarmos as que evadiram as escolas, as em situação de orfandade, as que sofreram inúmeras violências domésticas e que ainda sentem na saúde física e mental os efeitos da covid-19. As eleições de 2022 e seus candidatos e candidatas devem considerar esse dossiê e cumprir o dever do artigo 227 da Constituição, dando prioridade absoluta para as crianças em todos os planos de governo”, diz Pedro Hartung, diretor de Direitos e Políticas da Infância do Instituto Alana.
Crianças e adolescentes negros
A má gestão da pandemia refletiu mais duramente entre crianças e adolescentes negros, grupo que historicamente enfrenta maiores desigualdades em diversos setores da sociedade. Segundo dados do Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância da Gripe), até maio de 2021, 57% das crianças mortas pela Covid-19 no Brasil eram negras, grupo que inclui pretos e pardos. Para efeito de comparação, as crianças brancas foram 21,5% do total, enquanto 16% não tiveram a raça definida.
Vale destacar que este grupo sofreu não apenas nos aspectos ligados à infecção pelo vírus, mas também em cenários socioeconômicos afetados direta ou indiretamente. Sabendo que a condição dos pais e responsáveis reflete na vida desses jovens, o desemprego é um dos principais problemas entre as famílias negras. No segundo trimestre de 2020, a diferença da taxa de desemprego entre brancos e pretos foi a maior desde 2012, segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outro impacto é na educação de meninas negras. A ineficiência do ensino remoto para este grupo em razão da falta de equipamentos adequados para a realização das atividades escolares é um dos principais aspectos, sendo que um terço dessas jovens sequer realiza alguma atividade educacional ou reserva tempo e espaço adequado para os estudos, conforme mostra pesquisa realizada na cidade de São Paulo pelo Geledés Instituto da Mulher Negra.
Tempo de tela e o contato com a natureza
O dossiê também mostra que 76% dos jovens assistem a mais vídeos na televisão do que antes da pandemia, enquanto 74% assistem a mais vídeos no YouTube e 45% ficam mais nas redes sociais do que antes da pandemia. Os números alertam para riscos, como superexposição das crianças, tratamento indevido de dados pessoais e exposição à publicidade infantil e táticas de marketing predatório. Por outro lado, as famílias que conseguiram passar algum tempo ao ar livre notaram os benefícios para a saúde física e mental. Quatro em dez relataram que o contato com a natureza permitiu que as crianças passassem a pandemia com mais saúde e bem estar, e 91% afirmaram que os pequenos ficaram mais felizes e ativos quando estão ao ar livre, segundo a pesquisa “O papel da natureza para a saúde das crianças no pós-pandemia”, idealizada pelo programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, em parceria com a Fundação Bernard Van Leer e o WWF-Brasil. A Sociedade Brasileira de Pediatria também divulgou uma nota técnica que mostra a importância da natureza na recuperação da saúde e bem estar das crianças no pós pandemia. (Por Agência Bori/Instituto Alana)
LEIA TAMBÉM: