Na sua pele: mães contam o que sentiram e sentem neste furacão dos dois últimos anos

A mãe atípica, a mãe professora que quase enlouqueceu com as aulas online e a mãe que engravidou na pandemia falam dos desafios vividos nestes tempos difíceis

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Danielle Bueno, João e Tereza
Danielle Bueno, João e Tereza: as dores e amores nos últimos dois anos, com um filho atípico e uma neurotípica
Buscador de educadores parentais
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Mães são muitas, e cada uma delas sabe da própria dor, da própria força, quais sapatos precisa calçar. Convidamos algumas dessas mães para dividirem com nossas leitoras e leitores a complexidade de sentimentos durante a pandemia e esse momento atual, que não chega propriamente a ser uma pós-pandemia. Mães de crianças atípicas, mães que engravidaram na pandemia, mães que sofreram mudanças abruptas no trabalho, com perda de renda. São tantas histórias comoventes, mas com um elo em comum: a força do feminino e a capacidade de superação. Feliz Dia das Mães a todas essas mulheres maravilhosas!

Danielle Bueno, mãe do João (8 anos) e da Tereza (5 anos): 45 anos, ex-produtora, agora dona de casa e mãe

Danielle Bueno, João e Tereza
Danielle Bueno, João e Tereza: as dores e amores nos últimos dois anos, com um filho atípico e uma neurotípica

Quando recebi o convite da Canguru News para escrever um depoimento sobre os desafios que mães de crianças atípicas enfrentaram na pandemia, pensei que seria mais fácil. Não foi. Não é. Porque o que vivemos foi algo tão surreal, tão difícil, que quando relembrei os detalhes me dei conta do quanto foi pesado.De uma hora pra outra ter duas crias em casa, de 8 e 5 anos “full time”, sendo o mais velho atípico e a mais nova neurotípica,  foi muito mais complexo do que se pode imaginar.

Acumulei, assim como a maioria das mulheres, mil funções: mãe, faxineira, cozinheira, professora, psicóloga, animadora infantil…Uma das coisas mais complicadas foi conciliar os desejos de duas crianças com características e gostos tão diferentes, completamente sozinha, sem a família e os amigos por perto. E sentindo MUITO medo. Medo de tanta coisa… Medo dessa doença desconhecida, avassaladora… Medo de que os meus filhos pegassem essa doença, medo de eu pegar covid e morrer. Sem vacina, sem um governo decente que nos passasse um mínimo de segurança. Essa pandemia me fez ter realmente um grande medo de morrer. Quem vai cuidar das minhas crias qdo eu me for? Quem vai entender, amar e criar o meu filho atípico como eu?!?

Ficar sem o convívio social e terapia, João em crise, com medicação, foi extremamente desafiador. Causou danos irreparáveis. Agora, após 2 anos praticamente em casa, Teresa está se adaptando muito bem à vida escolar presencial (porque aula virtual para uma criança de 4 anos foi de f!)

Mas João, que é atípico, está aos poucos retomando a vida escolar. Dei a sorte de encontrar uma escola pública municipal que nos acolheu da melhor forma possível. O André, professor do meu filho, é uma pessoa especial e dedicada que sempre se preocupou comigo e com o fato de o João reaprender à conviver num ambiente escolar. Há 3 meses retomou a terapia. O que foi também dificílimo, pois João estava desde os 3 anos com a Marcela, psicóloga maravilhosa que parou de atender presencialmente durante a pandemia. Tive a sorte de conhecer pessoas que me levaram ao “tratamento” com o canabidiol e à nossa maior aproximação com o graffiti. A arte SALVA. Mas aí é outro capítulo. Quem quiser descobrir um pouco mais sobre como a arte foi fundamental para não enlouquecer durante a pandemia, siga o Instagram do João para se inspirar! @j.freitaskattah

Priscilla Nascimento Dias, mãe de Alice (10 anos), Paulo André (4 anos) e José Luís (11 meses): 37 anos, professora de matemática na rede pública de ensino

Priscila Nascimento Dias e família
Priscila, o marido Ênio e os filhos Alice e Paulo André; na época, ela estava grávida de José Luís

Sou professora de matemática dos anos iniciais e finais do ensino fundamental na rede pública de ensino de Goiânia (GO), e a pandemia foi um período bem difícil para mim. Eu tinha dois filhos, Alice, 10 anos, e Paulo André, 4 anos, e no meio da pandemia descobri que estava grávida do terceiro. Foi muito assustador. Sou casada, mas meu companheiro trabalhava com alimentos, então não parou de ir no presencial, e como ficamos muito isolados fiquei sem ajuda alguma enquanto ele não estava em casa.

Além de sofrer uma redução de 50% no meu salário, porque não estava mais no ensino integral que dobrava o número de horas trabalhadas, eu quase enlouqueci – mesmo antes da terceira gestação – ao dar aulas online, acompanhar minha filha Alice nas aulas dela e cuidar do meu filho caçula, tudo junto.

Eu dava quatro aulas remotas por dia, para alunos do 1o ao 5o ano, cuidava do atendimento após as aulas e ainda tinha que postar atividades em uma plataforma e esclarecer as dúvidas sobre elas. Sentia cansaço e estresse por ter de atender as famílias até, às vezes, depois da meia noite. Na teoria, eu não precisaria atender os alunos o tempo todo, mas eu não conseguia negar ajuda. Ficava com dó das crianças e das famílias que se sentiam apavoradas de não poder ensinar os filhos. Tinha mãe que me ligava chorando dizendo que não conseguia ajudar o filho. Ao mesmo tempo eu tinha que ajudar minha filha Alice com os estudos dela e dar atenção ao pequeno, Paulo André, então com dois anos e meio. Ele tinha ciúmes dos meus alunos, e muitas vezes tinha que dar aula com ele no colo, todos querendo atenção o tempo inteiro por toda a situação da pandemia.

Em casa com as crianças eu fiquei me sentindo sobrecarregada porque não tinha tempo específico pra ser mãe e para trabalhar. Tinha que ser tudo ao mesmo tempo e não conseguia fazer nem uma coisa nem outra direito. Às vezes eu ficava tão cansada que não tinha paciência de ensinar tarefa pra minha filha. Isso me deixava muito mal. Porque eu notava que tinha mais paciência com meus alunos do que com ela. Quando eu descobri a gravidez achei que ia pirar de vez. Porque eu já achava que não estava conseguindo cuidar como deveria dos meus dois filhos, três então… Ficava pensando que não ia dar conta.

No meio disso tudo descobri a gravidez. Nosso terceiro filho nasceu em maio de 2021. As coisas melhoraram quando meu companheiro decidiu deixar a empresa na qual era sócio em janeiro de 2021 e ficou em casa até o bebê nascer e completar um mês. Acho que ter a presença e apoio do meu companheiro foi essencial para que as coisas melhorassem. Além disso, com ele em casa, a ideia era reduzir o risco de pegar covid grávida. Foi a melhor decisão que tomamos. Isso me manteve mais calma. Na época tinham muitas grávidas morrendo, perdendo bebê ou enfrentando parto prematuro. Então decidimos juntos que seria o melhor pra nós. Fiquei de licença maternidade até janeiro deste ano que foi quando voltei eu e os dois filhos mais velhos ao presencial.

De manhã, meu companheiro trabalha em home office e cuida do bebê, à tarde ele fica comigo. Nem acredito que todo esse desespero passou. Agora estamos bem e super felizes. O bebê veio para trazer ainda mais amor para a nossa família.

Alexandra Bicca: 42 anos, mãe de Miguel (8 anos) e Léo (1 ano), jornalista

Alexandre Bicca e os filhos
Alexandra Bicca e os filhos Leo e Miguel

2020 foi um ano que transformou a vida de todos nós, mas a minha teve uma marca especial: foi o ano em que nasceu meu segundo filho, o Leo. Em meio a um mundo incerto, aprisionados dentro de casa, a espera pela chegada do meu caçulinha foi diferente de tudo que eu poderia imaginar. Faltando duas semanas para o nascimento dele, meu marido e meu filho mais velho testaram positivo para COVID-19. A primeira ação foi manter a calma e tentar passar tranquilidade para o Miguel, pois um menino de 6 anos que estava há 5 meses trancado em casa e com aulas on-line teve a sua liberdade ainda mais restrita.

Pela sacada eu espiava meu pequeno vencer a COVID-19 em um momento em que não tínhamos nenhuma vacina aprovada. O pai dele, isolado no quarto com ele, enfrentava o mal-estar da doença e ainda encontrava forças para inventar brincadeiras. As chamadas de vídeo com os avós ajudaram a passar as horas que se arrastaram ao longo de 14 dias.

Do lado de fora do quarto, eu temia entrar em trabalho de parto antes da hora e precisar ir para maternidade sem o apoio do Henrique e do Miguel, que tanto pediu para ter um irmão. Cada dia que passava era um alívio. Nunca imaginei viver situação similar, agoniada por ter um filho com Covid e na iminência do outro nascer.

Enfim o tempo passou e felizmente o Miguel e o Henrique tiveram sintomas leves, venceram o vírus e no dia 1 de setembro de 2020 puderam viver todas as emoções da chegada do mais novo integrante da família. Sem dúvida foi uma gestação complicada, a cada exame o medo da exposição à Covid e a todos os riscos e implicações que ele poderia trazer para uma gestante naquele período em que hospitais ainda estavam lotados e pouco ou quase nada se sabia sobre o vírus.


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