Por Mariana Isabel
Ter medo de avião, ligar de hora em hora, chorar em público… Esses são alguns comportamentos que não combinam comigo, ou melhor, não combinavam, até eu viajar sem o Felipe. Foi uma viagem em que eu descobri uma nova Mariana, cheia de medos e inseguranças, mas também com muita coragem para enfrentar todos eles.
Em nenhum momento durante o planejamento da viagem eu pensei que seria difícil ficar longe do Felipe; eu estava bastante segura que daria tudo certo. Mas, quando chegou a hora de ir, toda a minha confiança foi pelo ralo.
Sai de casa rumo ao aeroporto de manhã bem cedo e, quando fui ao quarto do Felipe dar um beijo de despedida e vi aquele anjo lindo dormindo, rezei para que alguém me prendesse lá. Naquele momento procurei uma desculpa para ficar, mas não teve desculpas e ninguém me prendeu, então eu fui, chorando mas fui.
Leia o texto em que Mariana fala do planejamento da viagem
Medo de avião
No aeroporto, antes de pegar o voo para São Paulo, comecei a considerar um pequeno medo de voar, coisa que nunca tive, e, quando embarquei para Santiago, tive certeza que ia morrer! Claro que aquele avião ia cair, e bem no meio da Cordilheira dos Andes, só pra eu ter que morrer de frio na neve, coisa mais horrível. Eu olhava pela janela e já via a asa pegando fogo. Eu já tinha sido avisada que sentiria medo de coisas assim depois que me tornasse mãe – claro que não acreditei, mas claro que era verdade.
Há quem diga que o voo foi tranquilo, que nem turbulência teve, eu digo apenas que foi o voo mais longo da minha vida (na volta, por via das dúvidas, tomei remédio e dormi).
Os dias foram passando e fui descobrindo outras coisas sobre mim. Eu me achava uma mãe super relax, do tipo que não liga de hora em hora pra saber como o filho está. Mas, quando se está a alguns milhares de quilômetros de distância, as coisas são bem diferentes.
Eu falei com o Felipe todos os dias, pelo skype, pelo Face ou WhatsApp: “Já mencionei aqui como eu amo a tecnologia????” Eu falava com ele de manhã, às vezes à tarde e quase sempre à noite. Deixava recados, gravava vídeos como se estivesse falando com ele, e outras coisas ridículas assim. Em alguns dias, ele vinha correndo e pegava o telefone todo empolgado pra conversar comigo, em outros, ele não queria muito papo e preferia brincar, aí eu ficava vendo ele e cantando, enquanto ele ouvia a minha voz. E sim, eu fiz isso no restaurante, no hall do hotel, na van, na sala do aeroporto, agradecendo a Deus por não correr o risco de passar algum conhecido, parte boa de estar em um local estranho!
Eu achava que fazia isso porque ele precisava saber que ainda tinha mãe, mesmo que não ao alcance das mãos dele, mas agora percebo que era eu que precisava saber que ele ainda estava lá e era o mesmo Felipe que deixei em casa. Só vendo ele é que eu ficava tranquila.
A viagem dos sonhos
As minhas companheiras de viagem eram as melhores possíveis, minhas duas melhores amigas. A Michelle é mãe de duas meninas, e estava viajando sem elas pela segunda vez – definitivamente a segunda vez é mais fácil, em quase todas as situações da vida. A Monique não tem filhos e é solteira, ela deu um ar mais descompromissado à viagem – graças a ela, poucos de nossos assuntos giravam em torno da maternidade.
Para não ser injusta com a minha viagem de lua-de-mel e tantas outras em família ou com o marido, não vou dizer que foi a melhor viagem da minha vida, mas com certeza está no Top Five. Visitamos e aproveitamos bem todas as vinícolas que queríamos (o que daria para fazer com as crianças, claro que com um teor alcoólico menor e sem ouvir as palestras completas). Caminhamos e fizemos piquenique à beira do precipício no Andes (o que eu jamais faria com o Felipe). Entramos nos restaurantes e ficamos conversando sem filtro nenhum, sem ver a hora passar e rindo até a bochecha doer. Erramos caminhos, encontramos novas atrações enquanto estávamos perdidas, e aproveitamos todos os momentos, sem horário, sem pressa. Em todos os momentos, agradeci a Deus por poder fazer uma viagem mágica com as melhores amigas que alguém pode ter. (O roteiro completo está no #felipeporainochile)
Enquanto isso, o papai
Eu aproveitei muito cada minuto da minha viagem e, aqui no Brasil, Felipe também aproveitava as férias dele. Ele continuava comendo super bem e dormindo super mal. Não teve nada além de um arranhão na perna. Brincava o dia todo com a madrinha e, à noite, dormia com o papai.
Meu marido me contou que a hora de dormir foi um pouco complicada. Felipe chamava por mim e dava sinais de que sentia a minha falta. Todas as noites ele acordava – isso é normal, ele ainda não dorme a noite toda, mas sempre sou eu que acordo para cuidar dele, e nesses oito dias foi o papai que fez isso. Pobre papai, quando eu cheguei em casa, ele estava com olheiras até no queixo! Não queria nem saber de conversar, dormiu como uma pedra por alguns dias, mas depois confessou que durante a minha viagem se sentiu mais conectado ao Felipe, a relação deles ficou mais forte, saber que conseguem viver sem mim fez muito bem a eles.
Enquanto o papai trabalhava, Felipe ficava com a madrinha dele, a minha irmã. Ela é uma mulher forte e independente. Não é casada e não tem filhos, nunca quis nada disso, nunca houve na vida dela planos para algo parecido, e talvez exatamente por isso ela seja extremamente apaixonada pelo Felipe. Ela cumpre com perfeição de sobra o papel da madrinha que mima e estraga. Faz tudo que o Felipe quer, na hora que ele quer e do jeito que ele quer. Ela trabalha em outra cidade, e veio pra BH pra ficar com o Felipe enquanto eu viajava. Acredito que o Felipe não sentiu tanta falta de mim exatamente por causa da presença constante dela – e quando eu digo “constante” é querendo dizer 24 horas por dia à disposição dele, pra tudo.
Me vi no espelho
No primeiro dia minha irmã estava super feliz por estar com o afilhado, empolgada, bem disposta. No decorrer dos dias, eu pude ver esse humor mudando, até que, depois de oito dias, ela já estava totalmente diferente, super carinhosa com o Felipe como sempre, mas brigava com todo mundo, estava ríspida, brigou até comigo por telefone! Ela estava mal humorada, descabelada, com olheiras, unha sem fazer, muito provavelmente com fome e há dias sem conseguir ter uma conversa decente com nenhum adulto. Foi nesse momento que eu percebi, foi aí que eu me vi.
Eu pude ver nos olhos dela o meu olhar, vi na falta de humor dela o meu cansaço! Eu estava bem, estava radiante, descansada, e ela estava acabada. Perceber isso foi libertador.
Eu vi que sou uma pessoa completamente normal, vi que não é porque sou mãe que muitas vezes beiro o ataque de nervos. É porque minha rotina é extremamente estressante. Uma mulher que eu considero forte e capaz viveu por oito dias parte do que eu vivo há dois anos e se comportou igual a mim. E enquanto ela brigava comigo, sem motivo nenhum, pelo telefone eu percebia o tanto que eu fazia o mesmo com todos que me cercavam, menos com o Felipe. Os filhos nós sempre cercamos de amor e cuidado, mas os outros, ah, os outros – os maridos, amigos, irmãos –, esses sofrem com nossos ataques repentinos de mau humor e agressividade.
Se afastar, às vezes, é tudo que precisamos para enxergar a situação de forma mais ampla, para ver todos os aspectos do mesmo cenário. Como me fez bem tudo isso, como foi bom passar alguns dias longe de horários, agendas e compromissos! Claro que viajar com os filhos é muito bom, mas, sinceramente, depois dessa experiência, não sei te dizer se é melhor ou não. Eu diria o seguinte: não precisa de uma viagem, na verdade nem precisa se distanciar fisicamente, mas tente sempre que achar necessário se imaginar longe, tente ter uma perspectiva mais ampla do que a de quem vive a situação. Isso vai te fazer ver as coisas de um modo diferente, e vai fazer um bem danado a você e a toda a sua família.
Se quiser viajar viaje, todos vão sobreviver e tirar algum proveito de tudo, todos vão aprender coisas novas. Mas se não quer, não se obrigue, não faça nada a não ser que seja pela sua própria vontade, a não ser que realmente seja por prazer. Nós já temos obrigações demais, criar mais algumas com certeza não nos fará bem!
E se, com isso tudo, você estiver se perguntando se eu vou repetir a experiência, bom, dizem que da segunda vez é mais fácil…