Mães empreendedoras

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Inspiradas (e desafiadas) pelo nascimento dos filhos, mulheres decidem criar a própria empresa para conciliar os cuidados com a carreira e com os pequenos
 
POR Sabrina Abreu

 

Izabela Andrade, com a filha Gabriela, de  6 anos: ela ministra cursos de gastronomia e entrega cardápios personalizados. Foto:Gustavo Andrade
Izabela Andrade, com a filha Gabriela, de  6 anos: ela ministra cursos de gastronomia e entrega cardápios personalizados. Foto:Gustavo Andrade

Ouvir uma mãe que trabalha fora dizer que se sente culpada pelo tempo longe de seu filho é quase tão comum quanto vê-la mostrar o retratinho da criança na tela do celular. A culpa “faz parte”, atestaria o senso comum. Sob o efeito dela, muitas mulheres optam por abandonar, desacelerar ou dar uma pausa na carreira. Para um grupo de mães, entretanto, nenhuma das opções apresentadas parece boa o suficiente. São profissionais que, após a maternidade, decidem criar o próprio negócio. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 52% dos novos empreendedores — com menos de três anos e meio de atividade — são mulheres. Não se sabe quantas são mães, mas o impacto do nascimento dos filhos na trajetória das empreendedoras vem chamando tanto a atenção, que a entidade deve incluir, ainda em 2016, perguntas sobre o assunto em suas pesquisas.

“É comum as pessoas empreenderem em busca de mais tempo livre”, diz o analista técnico do Sebrae MG Breno Fernandes. O que ocorre, no entanto, é justamente o contrário. “Empreendedores trabalham mais horas, em média, do que funcionários. Porém, por fazerem o que mais gostam, têm a percepção de que trabalham menos.” É o caso de Izabela Andrade, de 39 anos. Quando teve sua filha, Gabriela, atualmente com 6 anos, ela tentou diminuir o ritmo ditado pelo cargo de analista de negócios de uma multinacional de softwares. Formada em comércio exterior, Izabela amava o trabalho, mas logo no retorno da licença-maternidade percebeu que a rotina de viagens se tornara difícil de conciliar com os cuidados com a bebê. “Enquanto amamentava, fui remanejada para outras funções, mas, mais tarde, passaram a querer que eu voltasse a passar quinze dias em São Paulo, outros quinze em Porto Alegre”, lembra. “Também teria de fazer outras viagens longas, mas eu não queria me ausentar, por causa da Gabriela.” Apesar das insatisfações — e da culpa —, Izabela permaneceu no emprego até que a filha completasse 2 anos e meio. “Ela passava quase o tempo todo com a babá, e isso me deixava sempre chateada”, conta. A gota d’água foi o fato de a câmera de segurança da casa ter flagrado maus-tratos da empregada com quem a menina ficava depois que a babá ia embora. “Resolvi dar um basta”, afirma. Após pedir demissão, Izabela se viu sem rumo. Por sugestão do marido, matriculou-se em cursos de culinária e viu seu hobby virar uma nova oportunidade de trabalho. “Como dava treinamento na empresa em que trabalhava, decidi fazer o mesmo na cozinha, ensinando grupos”. Três anos e meio após abrir o novo negócio, ela oferece cursos e entrega encomendas de cardápios personalizados. “Passo todas as tardes com ela, levo ao inglês, levo ao clube para praticar esportes, nunca imaginei que seria possível”, comemora. Apesar de contente com a nova rotina, Izabela esclarece que não trabalha menos do que antes, a diferença é o domínio sobre a própria agenda e possibilidade de gerir o seu tempo, de modo a conviver mais com a filha.

Olívia Fialho e Alice, de 2 anos: decoração para quarto de bebês e de crianças maiores. Foto: Gustavo Andrade
Olívia Fialho e Alice, de 2 anos: decoração para quarto de bebês e de crianças maiores

Mesmo pessoas próximas se espantam quando algumas mulheres optam pelo empreendedorismo. “Você quer trabalhar menos?”, foi a pergunta que a empresária Olívia Fialho, de 35 anos, ouviu de seu pai, quando anunciou que deixaria a empresa da família, onde era diretora comercial, para se dedicar ao próprio negócio. Os quinze anos de experiência na empresa da qual é herdeira e o incentivo da mãe fortaleceram sua veia empreendedora e criadora. “Eu vendia bolsas, sapatos e outras coisas, desde a época da faculdade”, recorda-se. “Empreender não é algo do tipo ‘um belo dia decidi mudar’, como algumas pessoas pensam”, adverte. A Mel Petit, especializada em decoração para quartos de bebês e crianças maiores, começou despretensiosamente. Olívia estava grávida da filha Alice, hoje com 2 anos, e procurava por um quadro de maternidade, quando se viu diante de um impasse: as lojas ou não deixavam que ela customizasse o produto como ela queria, ou ofereciam uma mercadoria abaixo da qualidade que ela esperava. Resolveu, então, seguir os conselhos maternos e fazer ela mesma o quadro. Orgulhosa, compartilhou sua produção no Facebook. Imediatamente começaram a pipocar elogios junto às primeiras encomendas. “O mais interessante é que os pedidos vinham de gente que eu nem conhecia.” A resposta para a pergunta de seu pai foi um “não”. “Trabalho muito, continuo perfeccionista, mas agora posso tirar uma semana para viajar com meu marido e minha filha”, explica ela, que trocou um telefone que tocava o dia inteiro por dois aparelhos, um para a empresa e outro para a família. “Alice é minha prioridade”, resume.

Thaís, 8 anos, Melissa, 2, a empresária Karina Abreu e Guilherme, de 11: a confecção de itens de festa ajuda a turma a ficar juntos. Foto:Gustavo Andrade
Thaís, 8 anos, Melissa, 2, a empresária Karina Abreu e Guilherme, de 11: a confecção de itens de festa ajuda a turma a ficar junto. Foto:Gustavo Andrade

Dar expediente na própria casa é outra vantagem. Mãe de três filhos, a pedagoga Karina Abreu, de 36 anos, cuidou de Guilherme, de 11 anos, e Thaís, de 8, enquanto trabalhava em uma instituição de ensino. “Sentia culpa demais, mas não tinha jeito, porque não contava com o apoio do meu ex-marido.” Depois de se casar pela segunda vez e dar à luz a caçula, Melissa, em 2014, ela se encantou com a decoração da festa do primeiro aniversário da filha. “Sempre tive talento manual, pesquisei sobre o ramo e descobri máquinas que ajudam a confeccionar itens da festa com perfeição, então quis fazer isso profissionalmente.” Há quase um ano como empresária, ela começa a rotina no ateliê das 6 às 8 da manhã, horário em que a turma ainda está dormindo. Depois que todos acordam, ela se dedica à casa. Só volta ao escritório à tarde, quando os mais velhos vão para a escola, e trabalha sob o olhar atento da caçula. Após buscar Guilherme e Thaís na escola e jantar com eles, retorna ao escritório quando os pequenos já estão acomodados na cama. Apesar de puxada, a rotina vale a pena, e não só por seus rendimentos já se equipararem ao salário que recebia antes. “Vi os primeiros passos da Melissa, o primeiro dentinho apontar, e, enquanto curto tudo isso, não posso deixar de pensar que não tive a mesma chance com meus outros filhos”, admite ela, que já recusa encomendas, para equilibrar o tempo que investe no negócio e no relacionamento com as crianças e o marido. 

Natália Gonçalves, com Maria Eduarda, de 2 anos; e Rúbia Lisboa, com Iasmin, também de 2: elas lançaram um grupo na internet que conecta mães. Foto: Gustavo Andrade
Natália Gonçalves, com Maria Eduarda, de 2 anos; e Rúbia Lisboa, com Iasmin, também de 2: elas lançaram um grupo na internet que conecta mães. Foto: Gustavo Andrade

A jornalista Rúbia Lisboa também lamenta não ter testemunhado momentos importantes do desenvolvimento da filha Iasmin, de 2 anos. “A palavra ‘mamãe’ foi a última coisa que ela falou”, ressente-se. Trabalhando doze horas por dia numa instituição de ensino, Rúbia está de olho na transição de funcionária a empresária e já avisou a seu empregador que pretende se desligar da empresa. Ao perceber que outras mães estão na mesma situação que ela, insatisfeitas com horários inflexíveis e pouca chance de acompanhar o dia a dia dos filhos, criou o grupo Conecta Mães, em parceria com a engenheira Natália Gonçalves, mãe de Maria Eduarda, também de 2 anos. Na primeira semana em que foi criado, o grupo alcançou 260 interessadas, no Facebook, o que deixou suas criadoras animadas. A ideia é fazer eventos presenciais e também contar com o espaço virtual para auxiliar mulheres que são ou querem ser donas do próprio negócio. “Eu sonhava em ter mais tempo para ficar com minha filha, mas a mudança de rotina não foi fácil, nem para mim nem para ela”, conta Natália. “É também sobre isso que quero compartilhar no Conecta Mães.” No primeiro ano de Maria Eduarda, a mãe saía de casa quando a criança ainda estava dormindo e, ao final do dia, passava pouco mais de uma hora com ela, entre o momento de buscá-la na escola e prepará-la para dormir. Depois que optou pela demissão compulsória, numa empresa que atravessava momentos difíceis, em novembro do ano passado, ela começou a vender cosméticos e a passar meio período em casa com a pequena. “Eu estranhava o novo ritmo, ela estranhava também, ficava cada uma chorando num canto da casa. Foi preciso persistência para superarmos”, conta ela que, nesse processo, se divorciou do pai da menina. Agora, Natália se prepara para ser sócia de uma empresa de produtos personalizados para festas infantis. “O plano de negócios está pronto e eu, muito animada”, garante. Sua própria história serve de incentivo para ajudar outras mulheres que querem mudar de rotina. “Penso que as empresas ainda penalizam muito as mães, não entendem quando temos de ficar com um filho doente em casa, por exemplo”, avalia. Cuidar de crianças, manter-se no mercado de trabalho e driblar a culpa parece uma missão impossível, mas, com muita coragem, esse grupo de empreendedoras mostra que não.

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