Por Cris Guerra
Véspera de feriado. Aguardo minha amiga chegar à minha casa para uma noite de papo e vinho – só nós duas. Enquanto ela não chega, Francisco sai com três amigos e a mãe de um deles. Rumam a pé para o prédio vizinho, levando um colchão emprestado. Os quatro meninos vão passar a noite brincando e dormirão por lá. A mãe do amigo aproveita a visita para me apresentar o coelho Jack, mais novo integrante da família. Enquanto todos se movimentam, Jack esconde o focinho no colo da dona, aproveitando o chamego.
Os meninos dão risadas da tentativa de carregar o colchão, pesado e molengo. Depois de muitas trapalhadas, finalmente compreendem que o melhor é saírem enfileirados, equilibrando o objeto sobre suas cabeças. Seguem cantarolando, animados para a farra que os aguarda. Fecho o portão e entro no prédio, deixando lá fora os sons que desenham uma noite tranquila. Crianças correm, cachorros latem, adultos conversam – harmonia interrompida por um ou outro carro que passa.
Entro em casa com uma certeza: ela está aqui. E desta vez, olha que sorte, foi recebida de portas abertas, com um sorriso de quem confia. Ela, de cuja ausência sempre me ressinto e da qual passo a vida tentando adivinhar a fórmula. Sem aviso, chegou para mostrar que tudo pode ser simples. Eu só preciso aprender a prestar atenção. Ou serei feliz sem perceber, como das outras vezes. E de novo me postarei à espera de algo que nunca virá.
Não ganhei na loteria, não estou apaixonada, nenhuma viagem à vista. Ainda não consigo ir à academia com frequência, dezenas de tarefas da agenda ficaram para amanhã. Na cabeceira da cama, livros novos me aguardam ansiosos. Não sei se poderei lê-los todos. O que importa é que me sinto feliz – e o reconheço no momento em que isso acontece, o que me deixa ainda mais feliz. E não encontro um motivo racional para isso, o que torna essa alegria ainda mais genuína.
Depois do brinde, eu e minha amiga filosofamos. Sobre essa felicidade que só encontrávamos no que já passou ou no que ainda virá – as pessoas que perdemos, a infância que não volta, a viagem que um dia será. É mais fácil emoldurar o passado, aplicar-lhe filtro e legenda para, então, tocar nele. Tão bonito descrever os planos com todos os detalhes que prevemos para ele: felicidade “photoshopada” e perfeitinha.
Entre um argumento e outro, ouvimos um som da flauta vindo do apartamento de baixo. Meu vizinho e o tempo se dão muito bem. Amanhã ele estenderá a corda de slackline entre duas árvores da praça, sem pressa de se equilibrar. É sábio o vizinho. Sua maior ambição é viver o agora.
Penso nesse aprendizado de hoje, que veio sem encomenda. Como fui capaz de percebê-lo, enfim, depois de tanto bater a portas erradas? Passei a vida buscando uma palavra com outro sentido, até me cansar da procura. E, então, aconteceu. Aquele espaço rápido entre uma ansiedade e outra, em que tudo parece perfeito. E é.
Preciso ensinar para o Francisco. Estar ao lado dele e apontar, como quem chama atenção para uma estrela: “Sabe este momento brilhando, filho? A gente está sendo feliz agora”.