As soluções apresentadas para dar continuidade às aulas escolares em casa são fruto da improvisação do ensino e colocam em risco a saúde mental e emocional dos alunos, como esclarecem inúmeros artigos. Digo isso como mãe, professora e pesquisadora de Educação Tecnológica. Tenho nove anos de experiência com a maternidade e dez anos de atuação acadêmica. Posso afirmar, portanto, que conheço razoavelmente bem o universo familiar e o escolar, a ponto de me preocupar, neste momento de isolamento social, com o elo mais frágil dessa parceria – as crianças.
De um dia para o outro, literalmente, meninos e meninas foram arrancados das salas de aula e colocados em uma situação extrema que foge ao controle dos pais e professores que sempre estiveram ali para protegê-los. Agora, os colégios particulares estão preocupados em manter suas mensalidades. Os pais, em terem tempo para trabalhar (deixando os filhos aos cuidados da escola).
Romantizar essa situação acreditando que nossos filhos sairão mais fortes ou são os verdadeiros heróis da Pandemia parece-me um pouco cruel.
Afinal um ser humano ainda em desenvolvimento não tem recursos cognitivos, sociais e linguísticos para expressar sua dor. Eles aceitam porque não têm escolha. Ficam emudecidos diante do caos. Cabe aos adultos procurar a melhor forma de ajudá-los a atravessar essa tempestade em segurança.
Falarei aqui dos colégios particulares, pois minhas experiências profissionais e de vida (meu filho sempre estudou em escolas privadas) concentraram-se nessas instituições. Deixo a questão das escolas públicas para meus colegas de academia que lutam há anos para manter o mínimo de igualdade educacional nesse país.
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Improvisação do ensino interfere na saúde emocional das crianças
Em muitas escolas particulares as crianças estão, por causa da quarentena, submetidas a uma rotina em frente ao computador desaconselhada por pediatras, psicólogos e educadores nos últimos vinte anos. Quem estudou, como eu e meus colegas, durante anos Tecnologia Educacional, está perplexo, pois sabemos que as propostas sugeridas podem trazer sérios riscos à saúde dos alunos.
Vamos simplesmente ignorar todos esses estudos e estatísticas em nome da urgência do momento? Vamos emudecer os mais frágeis em nome do conteúdo e de um otimismo desmedido fundamentado no achismo? Claro que é importante saber responder a desafios e situações inusitadas. No entanto, isso justifica colocar em risco seres humanos em fase de crescimento? Seria realmente tão terrível uma criança terminar o ensino médio aos 18 e não aos 17?
Meu dever como mãe é proteger meu filho, não vou arriscar deixá-lo mentalmente doente para que ele acompanhe conteúdos programáticos. Meu dever como educadora e pesquisadora é não ignorar tudo que estudei até hoje para agradar pais desesperados, escolas pressionadas, profissionais confusos e governantes perdidos. Por isso, concentro-me no que dizem os estudos.
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O que dizem os estudos sobre uso de telas e saúde mental
Cinco horas na frente de um computador combina isolamento social com exposição à tela, duas coisas que comprovadamente estão relacionadas à depressão e outros distúrbios de aprendizagem. Pode ser que até agora algumas escolas estejam conseguindo satisfazer pais e entreter os alunos. Mas mesmo no melhor dos cenários, tão propagados pelos entusiastas dessa pandemia colateral de improvisação do ensino, não se pode medir qual será o preço social, emocional e mental que as crianças irão pagar.
Pelo menos não ficou claro nos artigos que tenho lido e relido nos últimos dias se o problema está na luz pulsada dos dispositivos computacionais, no conteúdo ou no tipo de interação social das mídias.
Apesar das causas não estarem suficientemente claras, sabe-se que existe uma relação quantitativa entre superexposição à tecnologia digital e danos na saúde mental, física e emocional de crianças e adolescentes.
Ou seja, estamos dando um tiro no escuro em nome de um processo de aprendizagem que pode ser retomado com segurança no ano que vem, sem prejuízo irreversível para nenhuma criança. Por outro lado, uma depressão em um ser humano em fase de crescimento pode comprometer o seu desenvolvimento cerebral, causando-lhe um dano que tende a ser permanente.
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Alguns alunos poderão pagar o preço dessa improvisação do ensino pelo resto de suas vidas. Vale a pena? Se a questão é a sobrevivência financeira das escolas não seria melhor chamar pais e instituições de ensino (os adultos) para uma conversa sobre responsabilidade social?
Essa questão vai muito além do cumprimento de um contrato de prestação de serviços ou preparação para um futuro digital. Estamos falando da saúde, do futuro e da aprendizagem de nossos filhos. Entendo, reconheço e agradeço o esforço das escolas em manter o processo educativo. Tenho compaixão pelos pais, em especial pelas mães, que não sabem mais como manter suas rotinas de trabalho. Mas a ciência não foi feita para agradar. Ela traz dados, realidades e fatos que muitas vezes são duros e impõe decisões difíceis. Calar ou maquiar com otimismo irresponsável a voz do conhecimento não vai resolver o problema. Precisamos ter coragem de cogitar “abrir mão dos anéis para não perder os dedos”. Não podemos simplesmente jogar esse fardo nas costas frágeis de nossas crianças. Precisamos refletir com calma e responsabilidade sobre essas questões, sem pressionar as instituições de ensino para que nos deem soluções prontas e absolutas. A certezas acabaram. Precisamos aceitar isso e gerenciar riscos de forma racional.
Artigos usados como apoio para este texto:
Depressão em crianças pode afetar área do cérebro ligada às emoções
Efeitos do tempo de tela na saúde e bem-estar de crianças e adolescentes: uma revisão sistemática de revisões (em inglês)
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Excelente texto. Precisamos fazer os sindicatos, das escolas e dos professoresbcompreenderem que existe vida além do ano letivo, do contrato de prestação de serviços educacionais e do cumprimento da carga horária.
É muita ignorância para vir de uma área da educação.
Adorei receber o contato de vcs! Obriga! Excelentes artigos!