Você já deve ter visto um destes filmes em que a pessoa sofre um acidente inesperado e vive uma experiência no mundo espiritual. Na outra dimensão, a personagem entra em contato com um amor que não existe na Terra. Ela se sente conectada com algo bem maior que ela mesma e tudo faz sentido. O nascimento da minha primeira filha foi como uma experiência de quase morte. As pessoas acreditam que o amor maior do mundo é o amor de mãe. Na minha opinião, essa crença só existe porque ninguém se lembra do amor que sentiu por sua mãe quando era bebê. Quando a Chiara nasceu, eu entendi o que era amor incondicional. Aquela criança me amava como nenhum outro ser antes dela. Eu era a vida da minha filha.
Também como nos filmes, por algum tempo eu não quis voltar para a Terra. No mundo mágico de mãe recente, a minha realização era assistir às conquistas da Chiara. Lembro até hoje a primeira vez que ela rolou, sentou, e sei onde estávamos quando ela engatinhou. A idealização do bebê é importante. De certa forma, é isso que sustenta a mãe em um período em que toda a nossa energia é dedicada à criança. É a idealização do filho que nos permite sobreviver às noites em claro, aos sacrifícios da amamentação, às dores físicas e emocionais. Aliás, se não fosse por idealizarmos essa fase, dificilmente teríamos segundos filhos.
Mas a estadia no mundo mágico da maternidade idealizada tem hora para acabar. Assim como nos filmes, a ciência também demonstra que certa hora é melhor voltarmos para a Terra. É que existe uma diferença importante entre fusão e conexão emocional.
Quando nos perdemos dentro da maternidade, passamos a confundir as conquistas dos nossos filhos com as nossas. Idealizamos a criança ou o seu futuro, vivemos a sua vida, e damos para ela um fardo pesado para carregar.
O mundo inteiro em suas costas
No mundo da fantasia, o seu filho maravilhoso é dono de um futuro surpreendente. Certo de ajudá-lo na empreitada, você investe uma quantidade absurda de tempo, dinheiro, e energia emocional para entregar a infância perfeita ao encarregado do seu legado. Queremos que eles conquistem o mundo, então colocamos o mundo inteiro em suas costas. A criança precisa ir bem na escola, falar inglês, espanhol, chinês, saber programar, ser bom em matemática, fazer piano, empreender e estar envolvida em um projeto social. E a receita de sucesso vale para qualquer um – independentemente de preferências e particularidades. Quando pesquisamos o que nossos filhos precisam para se destacar na sociedade, é para a sociedade e para os filhos dos outros que olhamos, não para dentro de casa.
Quando você dá o caminho da felicidade para o seu filho, ele não precisa descobrir o próprio. Quem tem mais de dois filhos sabe, as crianças são diferentes. Elas são diferentes inclusive do que gostaríamos que elas fossem. A persistência necessária para alcançarmos objetivos importantes é característica de quem persegue metas que são autênticas, importantes para si e não para o outro. Então o seu filho precisa se descobrir para além das imposições sociais, e para além dos seus desejos. E este processo, embora permeado por tentativas e erros, é também intuitivo – fazemos isso desde que o mundo é mundo. Temos o instinto de querer fazer do nosso jeito. Mas é claro que fazemos isso melhor quando não tem outra pessoa escolhendo quem devemos ser em nosso lugar.
O superinvestimento no futuro dos filhos não acontece por maldade. É porque amamos que queremos que eles tenham uma vida mais interessante, desafiadora, e mais bem sucedida do que a nossa. O problema é que quando todos os ovos estão na mesma cesta, ela não pode cair. E quando os recursos financeiros, o tempo, e a vida dos seus pais estão investidos no seu futuro brilhante, é melhor não vacilar. Acontece que a falha é inevitável quando arriscamos novos caminhos. O processo de descobrir quem se é, passa por erros e acertos e pela possibilidade de discordar. Mas quando a criança percebe que a realização dos pais depende do sucesso dela, o erro e a falha se tornam aversivos demais. E quando você não pode errar, a zona de conforto será sempre preferida. Tanto que muitos jovens e adolescentes não reconhecem que têm desejos diferentes de suas famílias – muitas vezes eles não os formam de fato. Quem nunca ouviu aquela história que fulano de tal fez medicina porque este era o desejo de seus pais? E o impressionante é que os pais nem precisam expressar este desejo em alto e bom som. Quando a criança não se sente confortável para errar, ela naturalmente escolhe o caminho mais seguro – o desejo dos pais.
Um filho bom demais para ser verdade
Há quem encontre um texto desses e agradeça a todos os santos por não fazer parte do time que precisa moldar os filhos. Agradece a benção de ter um filho especial – que se destaca naturalmente das outras crianças.
Mas atenção, se você acredita que o seu filho é bom demais para ser verdade, pode ser que esteja certo.
A idealização do filho cria uma versão especial e fictícia da pessoa que acreditamos amar. Uma versão sem defeitos. Muitas vezes, os pais sobrevalorizam o que a criança faz bem, ignoram os seus erros e defeitos, e constroem uma imagem que não corresponde a quem a criança é de fato. Exaltam o filho ideal, comunicando para a criança como ela é valiosa por ser boa aluna, obediente, compreensiva, responsável e perfeita. Se ela não se presta atenção na aula, é porque é o conteúdo é desinteressante ou ela é inteligente demais. Se ele não se dá bem com os colegas, é porque não tolera as injustiças da turma.
Mas enquanto você estiver no mundo mágico amando a versão ideal do seu filho, o filho humano que você tem estará sozinho aqui na Terra. E a solidão é dolorida demais. A invisibilidade é uma das maiores dores humanas. Para se sentir amado e valorizado seu filho é capaz de vestir a fantasia que você quiser. Ele pode até acreditar que é perfeito, ou especial. Ele pode até gostar do pedestal. Porém, sustentar este lugar tem um custo altíssimo já que deuses não têm imperfeições. Certa hora, a fantasia vai furar, a capa vai rasgar, e o mundo vai mostrar que super-humanos não existem na Terra. Quando a criança aprende que o valor dela está associado ao seu brilhantismo e grandiosidade, qualquer sinal de fraqueza se torna extremamente aversivo. Os erros passam a ser um atestado de incompetência. Fica mais difícil admitir fraquezas sem sentir vergonha. A criança cresce autocentrada e obcecada com a própria performance. Ela cria expectativas irrealistas a respeito de si e se frustra toda vez que percebe que é humana.
O superinvestimento no projeto de futuro dos nossos filhos vem dando um resultado comum – crianças pouco resilientes, autocentradas, incapazes de tolerar a frustração e opiniões contrárias. Pessoas que precisam ter um lugar de destaque no mundo para sentirem-se felizes e valiosas. É isso que as pesquisas vêm mostrando nos Estados Unidos, por exemplo. Crianças de classe média para cima, que têm acesso a todos os recursos – e frequentemente um dos pais em dedicação integral – têm tido mais depressão e ansiedade. O problema não é dedicar tempo ao filho, mas tornar a criança o seu único projeto de vida. O mundo real nunca vai girar em torno do seu filho. O sucesso nas amizades, relacionamentos e profissão depende do reconhecimento e respeito à necessidade do outro. As crianças aprendem a tolerar a frustração do próprio desejo quando vivenciam isso em casa. Quando os pais colocam as próprias necessidades na lista de prioridades em vez de se adaptarem aos seus filhos sempre.
Volte porque seu filho é humano, e ele mora na Terra
É dolorido pensar que nossos filhos sofrerão dores como as nossas, que tomarão rasteiras da vida. Mas não há muito o que você possa fazer para poupá-lo, já que ele é humano e mora aqui na Terra. O que dá para fazer é ensinar o seu filho a lidar com as dificuldades. Por exemplo, admitindo os erros e fraquezas dele como parte do pacote, ensinando que imperfeições são naturais e esperadas. Ajudando-o a refletir sobre as próprias falhas e deixando que ele encontre a própria força a partir das dores do crescimento. Erros não são sinais de incompetência, mas chaves para o aprendizado.
A maioria dos terráqueos vive uma vida normal, sem fama, sem fortuna, e sem transformar a humanidade. É importante que seu filho saiba que não precisa ser melhor do que os outros para ter o seu reconhecimento e nem ter um futuro brilhante para que você se orgulhe de quem ele é. Seres humanos precisam de pais que os valorizem em sua normalidade.
Amar alguém não é celebrá-lo sempre, nem criar uma versão especial desta pessoa para idolatrar. Sentimos que somos amados quando somos aceitos por quem somos, defeitos inclusos. E para amar este ser primeiro você precisa enxergá-lo. O filho dos nossos sonhos está apenas nos nossos sonhos. Em nossa casa, existe um outro filho, que é real, que precisamos conhecer – e dar espaço para que ele se conheça.
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Olá tudo bem, meu nome e Camila, poderia por gentileza disponibilizar essa pesquisa citada no artigo?