Assim como os adultos, as crianças também sentem emoções diversas ao longo das situações que vivem, desde amor, alegria e medo até questões mais complexas, como ciúme, raiva e decepção. A diferença é que as crianças ainda estão aprendendo a reconhecer suas emoções e seus sentimentos e a falar abertamente sobre eles. As chamadas competências e habilidades socioemocionais têm sido cada vez mais valorizadas pela sociedade, pelo papel importante que representam na formação dos indivíduos.
O desenvolvimento de habilidades socioemocionais é um dos pilares da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular), um conjunto de referências que organiza o currículo das escolas. Assim, por meio de disciplinas específicas que exercitam as habilidades socioemocionais das crianças, é possível conversar sobre sentimentos de forma natural e lúdica desde a educação infantil.
Desenvolver habilidades e competências emocionais desde os primeiros anos da vida da criança ajuda a formar não só adultos mais preparados para lidar com o outro, mas também crianças mais empáticas e felizes. “Uma pessoa capaz de reconhecer os seus sentimentos conseguirá aproveitar melhor os seus recursos internos e, assim, estará mais preparada para administrar a sua vida”, pontua a psicóloga Beatriz Breves, membro efetivo da SoCiS (Sociedade da Ciência do Sentir).
Para a pedagoga e neuropsicopedagoga Adriana Gardel, “quando a gente fala de competências socioemocionais, a gente fala de o que a criança aprende em relação ao que ela sente, como ela vê o mundo e se expressa”. Segundo ela, todas as habilidades socioemocionais são de extrema importância. “Porque ensinam para a criança a lidar com o outro e a buscar o bem-estar próprio”, explica Adriana, que também é cofundadora da Box Cambalhota.
Alfabetização emocional nas escolas
Maria Clara Alves, coordenadora da educação infantil e ensino fundamental do Colégio Pensi, no Rio de janeiro, ressalta que no colégio o desenvolvimento das habilidades socioemocionais é feito de forma fixa, por meio de uma disciplina chamada LIV (Laboratório de Inteligência de Vida), aplicada com os alunos desde os 3 anos de idade até o ensino médio.
Nesse contexto, é sempre importante respeitar as capacidades cognitivas da criança em cada faixa etária. A psicóloga Beatriz Breves pontua que falar sobre sentimentos deveria ser sempre uma parte da rotina das pessoas, contanto que se respeitem os métodos para cada idade.“Até mesmo com um recém-nascido pode-se falar sobre sentimentos, preservada, naturalmente, a capacidade da criança de suportar as emoções”. Ela ressalta que “é muito importante não confundir falar sobre os sentimentos com sobrecarregar a criança com os próprios sentimentos, sejam eles prazerosos ou sofridos”.
No Pensi, essa variação de acordo com a faixa etária é feita por meio de diferentes materiais do LIV. Nos primeiros anos, são feitas atividades com fantoches, passando por pelúcias de personagens na educação infantil e nos anos iniciais do fundamental, e jogos educativos no 4° e 5° ano.
“No ensino infantil, nosso principal foco para essas crianças de 3 a 5 anos é que elas conheçam as emoções básicas e consigam dizer o que estão sentindo e reconhecer medo, alegria, amor. A gente foca nesse autoconhecimento. No ensino fundamental, com crianças um pouco maiores, do 1° ao 3° ano, a gente já chega a falar de coisas mais complexas. Os sentimentos agora são a frustração, o arrependimento, ciúme. Pois a gente entende que as crianças já têm uma base que veio da educação infantil, então os anos iniciais do fundamental trazem esses conceitos mais complexos”, explica Maria Clara.
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Como exercitar competências socioemocionais em casa?
Apesar de a escola ser um ambiente importante para conduzir uma alfabetização emocional, falar sobre sentimentos com as crianças não é uma tarefa exclusiva de profissionais. Mantendo a filosofia de trabalhar os sentimentos de forma lúdica, há diversas atividades e ações que os pais podem realizar em casa para promover o desenvolvimento de habilidades socioemocionais nas crianças. No caso do Colégio Pensi, isso é feito por meio de um material idealizado pelo LIV especificamente para os pais, que exercita a colaboração entre os filhos e a família e estimula o debate sobre os sentimentos por meio do brincar.
É a partir desse formato com jogos e brincadeiras que se estruturam várias ferramentas divertidas sobre as emoções na infância, como o livro-jogo de tabuleiro “Viagem das Emoções”. Feito por Adriana Gardel, Valéria Rezende e Carolina Vieira, em uma parceria da Box Cambalhota com a Literare Books, o brinquedo busca trabalhar as emoções por meio de uma história de viagem em família. A cada etapa, o jogador precisa lidar com situações e demonstrar, por meio de cards, as emoções que aquele momento despertou, exercitando habilidades socioemocionais nas crianças e adultos.
Adriana explica que a ideia surgiu da percepção delas, como especialistas em neurociência, psicopedagogia e áreas relacionadas, de que os pais possuem dificuldade de trabalhar as emoções com os filhos e criar uma interação com as crianças nesse tema. “Como em todo o jogo a criança precisa pensar sobre o que sente e usar as estratégias divertidas e colaborativas, como abraço coletivo, fazer cafuné no outro, falar algumas palavras engraçadas, além de exercitar a criatividade, ele ajuda muito nesse processo de trabalhar as emoções”, diz ela. O livro-jogo é recomendado para crianças a partir dos 4 anos, idade em que, segundo Adriana, elas já sabem entender e expressar melhor o que pensam e sentem.
Pais também devem se permitir sentir e falar sobre suas emoções
Além das brincadeiras, a especialista explica que as próprias atitudes dos pais na rotina com a criança podem ser um ponto de partida para um olhar mais sensível dos sentimentos e uma promoção de debates mais abertos e naturais sobre questões socioemocionais. “Os pais acabam fazendo coisas pela criança que ela é capaz de fazer. Então, quando ela já consegue dobrar a roupa, ajudar na cozinha, arrumar seus brinquedos, pegar alguma coisa para os pais, os pais vão validando o quanto ela é capaz”. Logo, no próprio dia a dia, há uma série de situações que podem estimular o autoconhecimento e também a autonomia, pilares de todo o desenvolvimento socioemocional.
Em conjunto, falar sobre o que se sente faz toda a diferença para estimular as habilidades socioemocionais nos pequenos: “Nós, adultos, não fomos ensinados a falar sobre nossos sentimentos. A gente lida com as coisas no piloto automático. Então uma ação importante é os pais se permitirem sentir, identificar aquilo que eles sentem e falarem sobre isso com as crianças. Validar os sentimentos e fazer com que a criança também expresse os seus”, ressalta Adriana.
Reflexos nas crianças e futuros adultos
Ajudar as crianças a desenvolver habilidades socioemocionais é uma maneira de exercitar o autoconhecimento e o pensamento no bem-estar tanto individual, quanto coletivo. Por isso, de acordo com Maria Clara Alves, os reflexos positivos de uma boa inteligência emocional começam desde já. “Essas habilidades são essenciais para a criança quando virar um adulto, mas a gente acredita que para a criança do agora também. A gente pensa muito nisso, de formar um futuro adulto, futuro jovem, mas a criança também é uma pessoa agora enquanto criança”.
Na fase adulta, uma boa base socioemocional irá refletir em relações melhores e um olhar mais sensível ao seu entorno, segundo Adriana Gardel. “A chance dela ser uma pessoa mais feliz é muito maior, porque ela é acolhida dentro das suas necessidades e ela sabe acolher o outro, aprende a ter uma escuta ativa, a entender o que o outro está falando e poder ajudar.”
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