Comum em crianças pequenas, normalmente com surgimento no período dos 2 aos 4 anos, a gagueira pode ser alvo de preocupação de muitos pais em relação à fala dos filhos. “A gagueira é uma disfluência, caracterizada pela repetição, bloqueio, ruptura ou prolongamento de sons, sílabas ou palavras”, explica Camila Ferreira Koszka, fonoaudióloga infantil. “É importante dizer que ela é involuntária, então a pessoa que gagueja não consegue ter o controle, é totalmente involuntário.”
Os sinais e sintomas da gagueira podem ser facilmente identificados na criança, por meio de manifestações das disfluências – ou seja, quebras na fluência – da fala. Entretanto, essas manifestações podem ser passageiras, e se enquadrar na chamada gagueira do desenvolvimento.
Um processo do desenvolvimento da fala
A gagueira do desenvolvimento é a gagueira interpretada como natural, ou seja, é fruto do processo de desenvolvimento da fala da criança e do aumento do número de palavras em seu vocabulário. Por isso, está associada à faixa etária dos primeiros anos de vida, entre 2 e 4 anos.
Segundo Camila Koszka, isso pode ocorrer se a criança ainda não consegue assimilar todas as novidades no desenvolvimento da linguagem. “Ela tem na memória dela todas as palavras, mas não consegue coordenar o raciocínio junto com a articulação das palavras”, explica a fonoaudióloga. Especialmente em falas mais complexas, isso pode ser comum. Porém, a fonoaudióloga ressalta que o período não deve passar dos 6 meses.
A pediatra Inez Carvalho acompanhou um período de gagueira da filha Alice, que durou cerca de 4 semanas. “Ela começou a travar nas sílabas e não conseguia completar as frases; repetia várias vezes a mesma sílaba”, conta Inez. Na época, Lili tinha 2 anos e 6 meses, e passava justamente por uma fase de mudanças na forma com que se comunicava. “Ela destravou na fala nesse período. Passando a gagueira, começou a bater papo, o que antes não fazia.”
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Reações autoritárias e a gagueira persistente
Tatiana Cavalcanti, fonoaudióloga especializada em distúrbios da fluência e doutoranda em linguística, explica que a gagueira natural é passageira, mas alguns comportamentos e posturas dos próprios pais podem levar a gagueira a permanecer mesmo após esse período de disfluências ao longo do desenvolvimento da fala.
“Essas disfluências são interpretadas como gagueira, ou seja, como algo que é indesejado, errado e que precisa ser corrigido. Com isso, o adulto mostra para ela usando discursos autoritários: ‘respire antes de falar’, ‘fale devagar’, ‘pare de gaguejar’. E esse tipo de reação à fala da criança vai gerando a imagem nela de alguém que não sabe falar bem, o que irá desencadear uma gagueira que chamamos de gagueira persistente.”
Impactos na vida das crianças
A gagueira, quando perdura de forma prolongada na vida da criança, pode causar alguns impactos até mesmo na relação com os colegas e outras pessoas, como explica Tatiana Cavalcanti. “Infelizmente, ainda existe um grande estigma e falta de conhecimento sobre a gagueira, e isso pode fazer com que a criança sofra bullying e a forma da sua fala lhe traga bastante sofrimento.” Segundo a especialista, muitos ainda interpretam a gagueira de forma equivocada, como algo que interfere nas habilidades cognitivas da criança.
“É preciso entender que a pessoa que gagueja é igualmente capaz a qualquer outra pessoa. Isso não interfere em sua inteligência. É apenas uma forma de falar.”
Camila Koszka também ressalta que, caso a criança não tenha um tratamento ou orientação por parte dos adultos em seu entorno, ela pode criar uma percepção própria de que não fala da mesma forma que conseguia antes.
“Assim, ela mesma pode passar a se isolar, pois ela tenta falar e não consegue passar a mensagem, já que está difícil o entendimento”, completa a fonoaudióloga. “Ou ela acaba se isolando, ou pode ser excluída pelo grupo. Por isso é muito importante ter um olhar atento por parte dos adultos que estão sempre com essa criança, para serem mediadores e saber o que fazer, como ajudar.”
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Como pais devem lidar com a gagueira?
No caso da gagueira natural, fruto do processo de desenvolvimento da fala, lidar com tranquilidade e seguir alguns cuidados ao longo do processo serão o suficiente para que os pais possam ajudar os filhos a passarem por essa fase, mantendo seu caráter passageiro.
Segundo Inez Carvalho, quando percebeu que a filha estava gaguejando, ela decidiu entrar em contato com uma fonoaudióloga, que lhe explicou que poderia ser feito. Além disso, a profissional ressaltou que era algo normal, com tendência a sumir em pouco tempo. Utilizando algumas técnicas simples e lidando com a questão com naturalidade, Alice passou pela gagueira e, segundo Inez, pode vivenciar uma grande ampliação no seu vocabulário e nos “bate-papos”.
“Ficamos tranquilos e esperando que fosse apenas uma fase. Ouvíamos ela com naturalidade, conversamos com ela olhando nos olhos e falando pausadamente e claramente as palavras”, conta a pediatra.
Tatiana Cavalcanti explica que ter o apoio da família para formar um ambiente acolhedor para a criança com a gagueira infantil é essencial para que ela continue como algo temporário, sem peso para os pequenos. “É preciso entender que a gagueira natural faz parte da fluência. A própria fluência é disfluente, não existe uma fala 100% fluente. Isso é um mito! Precisamos conscientizar os pais disto, para que a gagueira natural não se desenvolva para uma gagueira sofrimento e que o ato de falar, que é tão espontâneo, leve e automático não passe a ser algo controlado, temido e evitado.”
Assim, o ideal é não reagir aos momentos de disfluências pedindo para que a criança fale devagar, fique calma e respire. “Além de não ajudar, só chama ainda mais atenção para a forma da fala. Valorize o que a criança tem para lhe dizer e não como ela está lhe dizendo. Acolha a fala da criança”, ressalta Tatiana.
Quando a terapia fonoaudiológica é recomendável?
Caso a gagueira persista após um longo período, superior a 6 meses ou ao desenvolvimento da fala da criança, o ideal e indicado, segundo Camila Koszka, é buscar um profissional.
“Algumas crianças precisam de uma terapia fonoaudiológica, feita com técnicas que favorecem a fluência da fala dessa criança”, explica. Assim, com a análise de cada caso, a criança pode realizar o tratamento com exercícios que estimulem uma regulação da respiração na hora de falar, ou uma fala mais lenta.
Camila ressalta que a orientação dos pais e educadores ainda é uma parte indispensável do processo de tratamento da gagueira infantil. “É super importante evitar de completar as falas da criança, deixar a criança falar. A criança tem um tempo de fala diferente do nosso, então o tempo de resposta é maior”.
Dar atenção à criança por meio do contato visual, sem distrações por telas de celulares, demonstra a ela que a mensagem que deseja passar está recebendo atenção. Estar conectado com a criança é fundamental, assim como não forçar sua fala, esteja ela passando por sintomas de gagueira ou não. “A gente deixa a criança falar quando ela sentir segurança, em qualquer caso”, finaliza a especialista.
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Minha filha tem 5 anos e já vai fazer 6 no final do ano ….ela gagueja muito ….. mas muito mesmo ….. e já estou encaminhando ela para o tratamento …. pois de 1 mês pra cá ela não está tão gaga assim ….
Minha filha começou a gaguejar aos dois anos e pouco. Não comentei nada com ela e assim passou-se duas semanas Um dia no parquinho um senhor perguntando o nome dela, riu devido ao gaguejamento ao responder. Aquilo me doeu tanto que imediatamente procurei um centro de umbanda e expliquei ao pai de santo. Ele disse que ia colocar o nome dela na roda dos anjinhos. E só. Imediatamente ela cessou a gagueira.