Por Frederico Cursino, da Agência Einstein – Solução adotada a fórceps pelas empresas durante os meses de isolamento social, o home office vai se consolidando como algo definitivo em muitos setores, e deverá se tornar uma das principais heranças da pandemia para o futuro do trabalho. Mas um estudo norte-americano mostra que ainda há muito a se desenvolver para que o sistema “casa-escritório” seja sustentável no longo prazo, ao menos do ponto de vista da saúde e do bem-estar.
O estudo conduzido pela Universidade do Sul da Califórnia (USC, sigla em inglês) constatou que a maioria das pessoas que migrou para o home office durante a pandemia teve problemas de saúde devido à mudança. Cerca de 64% tiveram problemas físicos, e 75%, mentais. Para o estudo, foram analisadas cerca de 1 mil pessoas, que, entre o fim de abril e início de junho, responderam a uma série de questionários referentes ao impacto do home office no bem-estar físico e mental.
Os resultados, publicados no Journal of Occupational and Environmental Medicine, mostraram que as jornadas aumentaram cerca de 1,5 hora por dia. A maior parte dos trabalhadores diminuiu a sua satisfação com o emprego e relatou aumento de dores físicas, especialmente no pescoço, depois que passou a trabalhar de casa. Os principais afetados foram mulheres e pais de crianças pequenas, mais propensos a incidentes de depressão, problemas físicos e mentais quando trabalham em casa.
“Não surpreendem [os resultados]. O home office aumentou ainda mais a obrigação da ‘dupla jornada’ para as mulheres, que ficaram com a conta das tarefas domésticas e do cuidado das crianças, também em casa devido à pandemia”, observa o psicólogo Leonardo Morelli.
Diretor do Instituto Milton H. Erickison, do Vale do Aço (interior de Minas Gerais), e atuando há quase três décadas com terapias familiares, Morelli entende que, como todo processo de adaptação, é normal que a mudança do escritório para casa tenha aumentado o estresse das pessoas. Porém, ele afirma que muitas famílias não conseguiram lidar bem com esse momento: maridos não deram o apoio devido na divisão das tarefas, casais tiveram dificuldade em comunicar os seus problemas, e a carga do trabalho remoto acabou sendo mais pesada para aqueles com crianças em casa.
“É comum relatos de famílias que viviam em conflitos, mas a dinâmica da ida ao trabalho, os filhos na escola, isso ajudava a amenizar os problemas. Quando isso foi quebrado, e todos se viram de repente dentro da mesma casa, os conflitos voltaram com mais força. E isso também refletiu nos filhos, que presenciaram muitos casos de agressões. Nos últimos meses, tenho atendido crianças com síndrome do pânico, algo que não tinha visto até então”, conta o psicólogo.
De acordo com o estudo norte-americano, famílias que souberam conciliar a divisão do espaço tiveram um melhor bem-estar físico e mental que os trabalhadores remotos sem filhos.
A pesquisa traz ainda outras constatações, como o fato de que mulheres com salário anual inferior a US$ 100 mil eram mais vulneráveis do que homens com renda maior; que pessoas que moravam com adolescentes tinham menos problemas de saúde; e que ter um animal de estimação não parecia ter impacto físico ou mental nos funcionários em home office.
Para mitigar o impacto negativo do trabalho remoto, os autores sugerem separar um local que sirva como um escritório dentro de casa. De acordo com a pesquisa, apenas um terço dos entrevistados tinha um espaço dedicado para o trabalho; e quase metade compartilhava o local com outras pessoas.
“A qualidade do seu espaço de trabalho doméstico é importante; ter um espaço de trabalho dedicado indica aos outros que você está ocupado e minimiza as chances de se distrair e ser interrompido. O aumento da satisfação com os fatores de qualidade ambiental em seu espaço de trabalho, como iluminação e temperatura, está associado a uma menor chance de novos problemas de saúde. Além disso, saber como ajustar seu espaço de trabalho ajuda na saúde física”, afirma a autora do estudo, Becerik-Gerber.