A dislexia do desenvolvimento é vista hoje como um distúrbio neurocognitivo que dificulta a leitura e a escrita e o aprendizado como um todo nas crianças. Porém, um novo estudo afirma que a dislexia não é um distúrbio e sim parte da evolução da espécie humana, que teve um papel essencial na nossa sobrevivência.
A conclusão, feita por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, partiu da análise de uma série de estudos de psicologia e neurociência relacionados à cognição, comportamento e cérebro, que mostram uma habilidade em explorar o desconhecido e observar o quadro geral das coisas por parte dos disléxicos. É a primeira vez que uma abordagem interdisciplinar usando uma perspectiva evolutiva é aplicada na análise de estudos sobre dislexia.
O estudo, publicado na revista Frontiers in Psychology, explica que as pessoas com dislexia de desenvolvimento costumam ter certos pontos fortes – particularmente em domínios como descoberta, invenção e criatividade – que as teorias centradas no déficit não podem explicar. A pesquisa investigou se esses pontos fortes refletem uma especialização exploratória subjacente.
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Isso ajudaria a explicar por que pessoas com dislexia têm dificuldades com tarefas relacionadas à ler e escrever, mas parecem ter facilidade para profissões que exigem habilidades relacionadas à exploração, como artes, arquitetura, engenharia e empreendedorismo.
Com base nessas descobertas, os pesquisadores defendem que a dislexia passe a ser vista apenas como um funcionamento diferente do cérebro, que está em constante adaptação e é fundamental para a sobrevivência da espécie humana.
— Essa questão de que os transtornos do desenvolvimento, como autismo e dislexia, devem ser analisados de uma perspetiva de potencialidade em vez de fragilidade é muito interessante para reduzir o estigma e procurar entender o cérebro como uma estrutura que busca adaptação — diz a psicóloga Claudia Berlim de Mello, docente do departamento de psicobiologia da Unifesp, para o jornal O Globo.
Diagnóstico surge durante a alfabetização
Cerca de 20% da população mundial tem dislexia e o diagnóstico costuma ocorrer durante o período de alfabetização. Entre os sinais que podem indicar o distúrbio estão a troca de letras, principalmente, com sons parecidos; pular ou inverter sílabas na hora de ler ou escrever; e erros de ortografia.
Justamente por ser uma maneira diferente de funcionamento do cérebro, a dislexia não tem cura e se apresenta em diferentes graus de intensidade. O tratamento consiste em criar estratégias para que as crianças possam superar as dificuldades e aprender a ler e escrever. Ainda assim, para pessoas com dislexia, a leitura nunca será um processo “automático” como é para quem não tem dislexia, e a dificuldade de aprendizado na escola no geral traz muito sofrimento a essas crianças.
Mello alerta para a necessidade de haver uma mudança no sistema de alfabetização, que considere essas diferentes formas de funcionamento cerebral e adote alternativas para que essas crianças consigam consolidar as habilidades de leitura.
— A dislexia precisa de uma abordagem sistêmica, que envolve a criança, os professores e os pais, e mudanças nos modelos de ensino, para que eles sejam adequados ao ritmo dessas crianças — ressalta a psicóloga.