“Tudo o que não tinha sido conversado está sendo foco de tensão e tudo o que já tinha sido conversado, mas não tinha sido resolvido, também.”
“Alguns casais estão descobrindo que o casamento só sobrevivia porque eles tinham pouco tempo de contato, se mantinham juntos por um afastamento provocado pelo trabalho e pela hora tardia em que chegavam em casa.”
Essas são frases de um grande amigo psicólogo na qual admiro muito chamado @alexandrecoimbraamaral
Pois é, a pandemia já passou, porém as crises permanecem.
O texto de hoje é longo, pois fala sobre esse fantasma que assombra muita gente.
Ainda existe um grande tabu em falar sobre a crise no relacionamento, ou melhor dizendo, ainda existe um grande tabu em admitir que estamos passando por uma crise no relacionamento.
Há milhares de motivos que podem fazer surgir uma crise conjugal, desde a tampa do vaso sanitário aberta à indiferença em relação aos desejos do outro, mas no texto de hoje gostaria de focar em um recorte, a crise após o nascimento dos filhos.
Como havia dito anteriormente sobre a questão do tabu, imagine que você é uma pessoa que está prestes a construir uma família, seu filho(a) está prestes a nascer, tudo está perfeito, seu plano de construir uma família feliz está se realizando, seu momento de ser mãe ou pai está chegando.
Quando seu filho(a) chega ao mundo, é o momento mais feliz da sua vida.
Mas aí vem o puerpério, fase que se refere ao período logo após o parto, e com ele todas as transformações que a maternidade e a paternidade oferecem.
Dessas transformações aparecem questões que não sabemos lidar direito e com isso você nota que talvez aquele plano da família feliz não seja tão simples assim – para muitos casais é difícil admitir que esse plano está em crise e devido a essa suposta “dificuldade” muitos vão meio que “empurrando o relacionamento com a barriga”.
Talvez você já tenha vivenciado essa mesma situação em sua infância.
Segundo dados do IBGE, nas décadas entre os anos 60 até começo dos anos 80, o mercado de trabalho foi 92% dominado pelos homens, porém entre essas décadas a média de filhos nas famílias brasileiras era de 3 a 4 crianças.
Esses dados mostram que talvez nossos pais (que constituíram família entre essas décadas) estejam enquadrados no padrão: homem trabalha e traz dinheiro para casa enquanto a mulher é a mãe dona da casa.
Agora, me diga sinceramente, você acredita que os relacionamentos eram abertos e cheio de liberdade e verdade, ou empurrar com a barriga era mais cômodo? E a sociedade falava abertamente sobre casais em crise?
Muitos de nós não temos referências nenhuma em como lidar com as crises, nunca fomos ensinados a falar sobre isso. Agora acrescente essa falta de ensinamento com a onda gigante de transformação que é o puerpério, difícil né?
A maioria dos casais com quem converso (dentro das rodas de conversa) relatam que a crise no puerpério só traz à tona questões que estavam guardadas e que não eram ditas e as diferenças de ideias em relação aos cuidados, criação e responsabilidade com os filhos(as) agravam ainda mais essa crise.
Mas por que isso acontece? Por que as crises aparecem? O que podemos fazer para evitar que a crise ganhe proporções ainda maiores? Para responder essas perguntas, vamos voltar um pouco e construir os 9 passos da linha do tempo familiar, isso vai nos ajudar a entender possíveis pontos de onde a crise pode nascer.
9 passos da linha do tempo familiar
1. Quero dividir minha vida com você
No início tudo é muito lindo e desafiador, construir uma relação com outra pessoa, morar junto, casar, viver como um casal. Algumas brigas acontecem, mas a questão é somente entre vocês dois.
2. O início da gestação
Aqui pode começar a surgir uma pequena crise, principalmente se a gestação não foi planejada, mas vamos pelo caminho do bom cenário. Felicidade pela descoberta da gestação e muito amor no ar, agora é um amor diferente, não é mais o amor de duas pessoas e sim de uma terceira que vai involuntariamente competir com a atenção dos dois. Os pais ainda não sabem, mas em breve esse serzinho vai tomar a maior parte da atenção de vocês.
3. Cuidados com a gestação
Neste ponto existe uma situação que é bem comum em casais heteronormativos, o não conhecimento (pelo lado de muitos homens) sobre a fisiologia feminina.
Mas vamos continuar no bom cenário. Digamos que o homem tenha um mínimo conhecimento sobre a fisiologia da mulher, ele acompanha todas as visitas de pré-natal, é participativo e tem interesse legítimo por todos os assuntos ligados a gravidez.
Mesmo assim, ele não vai conseguir compreender o que são todas essas mudanças fisiológicas, psicológicas e emocionais que a mulher vivencia em sua gestação (e olha que são muitas), neste caso podem surgir alguns atritos, já que ambos estão nesta mesma descoberta, mas em caminhos um pouco diferentes.
4. A escolha do parto
Em todos esses anos, conversamos com casais sobre assuntos relacionados à paternidade e à maternidade, inclusive sobre a hora do parto. Esse é um ponto onde os acordos e os esclarecimentos devem ficar bem claros. Já presenciei histórias de mulheres que tiveram seus ideais de parto modificados pelos companheiros, devido à lei do mínimo esforço em entender um pouco mais sobre o parto natural e acabam escolhendo pela comodidade da cesárea. Existem também aquelas que sustentam seus sonhos de parto (sem o apoio do companheiro) e vão praticamente sozinhas para hora do parto.
5. A hora do parto
O momento mais esperado, seu bebê está vindo! Esse talvez seja o momento mais emocionante da vida de muitos casais, porém também pode ser o mais apavorante, já que depois que a ficha cai, os casais percebem que agora são responsáveis por uma vida e que talvez eles não tenham a menor noção de como é cuidar de um bebê. Essa queda de ficha pode ser rápida ou em doses homeopáticas ou, ainda, dependendo do homem pode nem acontecer. Ela precede um dos momentos onde a crise ganha sua maior força, estou falando do puerpério.
6. O puerpério
Para quem ainda não está familiarizado com o termo, o puerpério é a fase em que o “bicho” pega muito! São milhares de transformações acontecendo na vida do casal ao mesmo tempo, afinal o que eram dois agora são três ou mais, e o que era somente a conexão entre o casal passou a ser a conexão com mais um integrante. Arrisco dizer que o puerpério é a fase mais intensa de toda pós gestação, pois o casal precisa aprender a lidar além da transformação da paternidade e maternidade, com as transformações pessoais, tais como o luto de quem eles eram e não serão mais, o nascimento de um novo eu (pai ou mãe), a reconexão com o companheiro ou companheira, pois eles também já não são mais aquelas pessoas que conhecemos antes, enfim é o início de uma longa jornada. Não é à toa que o puerpério é a fase onde muitos casais começam seus desentendimentos e muitos não conseguem seguir em frente e acabam se separando.
Obs: Não estou dizendo que a separação seja ruim, um pouco mais para frente entenderemos que para o bem-estar emocional da família às vezes a melhor solução é realmente a separação, porém isso precisa ser um acordo bem definido.
7. O primeiro ano
Em muitos sites relacionados à gestação você vai ler que o puerpério tem um prazo de 40 dias, mas isso não é realmente verdade, o puerpério é na verdade a fase de transformação do homem para pai e da mulher para mãe, sem contar que ainda existe um casal no meio e sabemos que toda transformação pesada como essa não demora somente 40 dias.
Mas continuamos no bom cenário. O casal conseguiu compreender algumas das suas transformações paternas e maternas e criou consciência para aceitar a maioria delas, o filho já tem 1 ano e todo desenvolvimento cognitivo até aqui foi vivenciado de forma muito amorosa.
Porém, essas transformações não são tão simples e muitas questões pessoais começam a aparecer bem no meio das transformações maternas e paternas, até que você nota que está replicando sem perceber padrões herdados dos seus pais que você disse que nunca iria usar nos seus filhos. Percebe também que a rotina familiar está engolindo cada vez mais seu tempo com a sua companheira ou companheiro e com você mesmo. É a famosa lista de prioridades, onde o “eu” fica lá para baixo.
8. O segundo ano
Com a vinda do segundo ano, normalmente as coisas começam a parecer mais tranquilas, seu filho(a) já anda, já se comunica, já se alimenta e está quase tirando as fraldas. As coisas parecem estar se encaixando e aquela rotina familiar não dá mais tanto medo assim, vocês até conseguem se organizar e ter um tempo só de vocês, individualmente ou em casal. Mas o que acontece para muitos casais é que esse tempinho serve para tentar resgatar algo que vocês haviam perdido nesses dois primeiros anos de vida do seu filho(a), algo que ficou para trás e que muitos acabam percebendo somente agora que não volta como era antes.
Lembra das transformações da paternidade e maternidade? Elas também vem com um bônus, a velocidade que isso acontece é insana.
9. O terceiro ano
Esse é o ano de mais consciência, pessoal e familiar.
Algumas transformações já foram absorvidas e você tem a consciência que não consegue mais viver do passado, que a construção de um futuro para você e para sua família só depende de você mesmo. É no terceiro ano que normalmente aparece o “balanço da vida”, algo tipo: – Quem eu me tornei ou quem estou me tornando? Normalmente esse questionamento vem atrelado às transformações do seu companheiro ou companheira. Lembram da velocidade? Pois é, nem sempre a velocidade de transformação de um é igual a transformação de transformação de outro.
Mas e o futuro que te espera, como quer compartilhar ele(a)?
Agora que visualizamos algumas possíveis formas da crise conjugal aparecer, vamos tentar responder a essa pergunta:
O que podemos fazer para evitar que a crise ganhe proporções ainda maiores?
Toda decisão ou atitude que tomamos diante de uma crise parece ser maior do que podemos imaginar, porém geralmente as decisões levam a mudanças comportamentais, físicas e psíquicas. Antes de responder essa pergunta, é bom responder a outra pergunta: O que estamos dispostos a mudar dentro e fora do nosso relacionamento? Qualquer que seja a decisão, pense que existem três caminhos (separei os mais comuns de acontecer).
1.Continuar com o relacionamento
Se a decisão dos dois for continuar o relacionamento é muito provável que em algum momento vocês tenham que encarar uma terapia (individual ou em casal), pois dependendo da proporção que a crise chegou na vida de vocês, é preciso pedir ajuda.
Lembre-se que não existe vergonha em pedir ajuda, o relacionamento não deveria ser… parafraseando uma grande amiga da minha companheira “uma ilha de amor cercada por crises de todos os lados”
2. Não continuar com o relacionamento
Para muitos casais que já haviam pedido ajuda e mesmo assim a crise permaneceu, talvez um dos caminhos mais conscientes seja mesmo a separação. A separação na maioria das vezes acontece quando percebemos que depois da nossa transformação a conexão com nosso companheiro ou companheira não é mais a mesma e que talvez a jornada dessa conexão já tenha acabado.
Para quem está nesta fase e com muitas preocupações de como os filhos(as) vão encarar tudo isso, deixo um abraço muito apertado através de uma linda música de uma grande amiga que Amo de Paixão, talvez conforte um pouco o coração de quem está no final de um relacionamento.
3. Alternativas no relacionamento
Alguém já te disse que o ser humano é um ser muito criativo? Pois é, existem sim milhares de alternativas dentro de um relacionamento para fazer com que a crise não continue crescendo. Lembro de algumas que muitos pais e mães me relatam e que quero compartilhar com vocês.
a) Dois Lares
Entre eles é muito comum hoje encontrar casais que continuam com uma conexão muito forte, porém vivendo em lugares diferentes. Isso porque para esses casais ter seu espaço principalmente para não fortalecer mais a crise é fundamental, e também para não esquecer de quem realmente são.
b)Revezamento
Outra alternativa que acho lindo é o revezamento da paternidade e maternidade, sabemos como a função de pai e mãe pode abafar o homem e a mulher que vivem dentro do casal, então uma ou duas vezes da semana dedicar um tempo (e quando digo tempo não são 30 minutos e sim um dia inteiro) somente para o casal, o ponto principal dessa alternativa é não levar a culpa de deixar os filhos para esse tempo.
c) Análise dos cenários
A última é um pouco maluca, mas que faz um grande sentido é imaginar os três estágios de um cenário. Funciona assim, quando tem uma briga devido à crise, você e seu companheiro(a) imaginam três cenários de como a briga pode terminar.
Melhor cenário: tudo é resolvido
Cenário do “meio”: resolução parcial (para mim esse é o pior, pois não se resolve e fica acumulando).
Pior cenário: tudo pode ficar pior
Essa é uma alternativa muito interessante, pois dependendo do cenário que você expor, consegue perceber a reação da outra pessoa, e assim entender em que nível está o seu relacionamento, imagine que seu pior cenário seja o melhor para seu companheiro(a) ou vice versa.
De todos os três caminhos que citei aqui, gostaria de lembrar que a essência de um bom relacionamento com o outro é primeiro ter um bom relacionamento consigo mesmo(a). As transformações da maternidade e paternidade podem vir como uma avalanche, mas elas não deveriam fazer você esquecer da pessoa que mais deveria gostar de você, que é você mesma.
E para terminar esse textão, lembrem sempre que a sabedoria de saber ouvir e a inteligência de saber conversar faz toda diferença dentro de uma crise.
Abraços com muito carinho 🙂
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