Por Juliana Sodré
“O que é isso?” “Posso passar a mão?” “Coça?” Essas são perguntas que quem tem marcas de nascença provavelmente já ouviu. Os nevos, como também são conhecidas algumas manchas ou pintas, provocam estranheza e curiosidade nas pessoas. E quem tem essas marcas nem sempre sabe lidar com isso, sobretudo quando é criança ou adolescente. Preocupados com a falta de aptidão da sociedade em agir frente a essa singularidade, muitos jovens e mães de pessoas com nevos embarcam numa verdadeira campanha de aceitação do corpo e elevação da autoestima.
A mineira Mariana Mendes, estilista, 25 anos, viu sua carreira dar uma reviravolta quando deu entrevista para o jornal britânico The Sun sobre a naturalidade com que lida com o nevo congênito que possui no rosto. Mancha observada em aproximadamente 1% dos recém-nascidos, de acordo com a Naevus Global, entidade que reúne associações de pessoas com nevos de 12 países. “Para mim é natural mesmo. Sempre fui assim e me aceito assim”, disse Mariana em entrevista à Canguru.
A forma como lida com a pinta que toma conta da metade do seu rosto e os posts com a hashtag do movimento #bodypositivity, de valorização ao corpo do jeito que ele é, fizeram dela uma porta- -voz de um movimento de aceitação, sobretudo para os que possuem os nevos e se consideram pouco vistos pela sociedade. “Acabei saindo da empresa onde trabalhava para fazer fotos de campanhas, palestras e dedicar-me ao canal do You- Tube que tenho hoje, no qual falo sobre aceitação e autoestima. Tudo que quero é contribuir para que as pessoas se aceitem como elas são”, diz.
E tem dado certo. As mensagens de Mariana ajudaram a estudante de Belo Horizonte Laura Moreno, de 9 anos. Ela possui uma pinta entre os lábios e o nariz e desistiu de esconder com maquiagem ou tirar a manchinha: “Depois que vi a Mariana falando, vi que ela gostava dela do jeito que ela é, mesmo com a pinta”. Laura diz que se incomodava com os comentários dos colegas. “Eles me perguntavam se estava sujo e, quando viam que não saía, comentavam no ouvido do outro e riam”, lamenta. A mãe de Laura, Viviane Moreno, diz que o problema passou a existir para a filha quando ela mudou de escola. “Antes, os colegas tinham crescido junto com ela e nem ‘enxergavam’ a mancha, era natural. Na nova escola, os colegas começaram a comentar, e ela passou a me perguntar por que nunca a havia levado a um médico para tirar a manchinha”, conta a mãe. De acordo com a psicóloga e conselheira do Conselho Federal de Psicologia Iolete Ribeiro, isso acontece porque “a sociedade não se acostumou a olhar cada pessoa como única”. “O bullying só existe e incomoda porque fazemos a comparação com uma imagem padrão idealizada que nunca se alcança. Todos nós temos algo peculiar, não somos simétricos e somos únicos”, completa. Laura entendeu a mensagem e está decidida: “Eu não quero mais tirar. Passei a gostar da minha pinta”.
Questão de saúde
A paulista Tainá Cunha, de 8 anos, que tem um nevo gigante nas costas, também tira de letra quando o assunto é aceitação. “Nunca pensei em tirar, não!”, diz. Ela, inclusive, já figurou na campanha de um hospital na Suíça. Além disso, participa das atividades da Associação Nevus Brasil (em inglês, normalmente usa-se “nevus” ou “naevus”, o termo em latim) e é estrela principal da comunidade Nevus Gigante, ambas criadas por sua mãe, Brisa Cunha. Desde que Tainá nasceu, a dona de casa, que não conhecia nada sobre o assunto, passou a estudar e se informar sobre os nevos. Hoje, promove encontros de pais e pessoas com essas manchas no Brasil e no mundo, levando informação e dando espaço para que esclareçam e discutam o tema. “É importante ressaltar que as manchas não são uma questão só de aparência; algumas, mais graves, podem virar problemas de saúde”, diz.
E quem tem os nevos sabe que o acompanhamento médico é indispensável. Quando uma criança nasce com uma mancha na pele, é importante que ela consulte um médico pediatra neonatologista ou um dermatologista especializado em crianças. “Ambos estão aptos a fazer o diagnóstico inicial da natureza da lesão e determinar a necessidade e a frequência de acompanhamento médico. Em geral, manchas vasculares ou lesões elevadas arroxeadas devem ser acompanhadas de perto e tratadas sempre que estiverem impedindo alguma função importante, como a visão ou a deglutição, por exemplo”, endossa a médica paulista especialista da Sociedade Brasileira de Dermatologia Tatiana Gabbi.
A mancha de Tainá, apesar de gigante, não traz consigo nenhum problema de saúde, não dói e não infecciona. Porém, sabe-se que quem tem nevos tem uma propensão maior a desenvolver melanoma. Daí a importância do acompanhamento periódico. A Associação Nevus Brasil não recebe apoio financeiro de ninguém. É a própria fundadora e seus associados que a mantêm viva. E, se depender de Tainá, ela continuará por muito tempo. “Ela fala que quando eu cansar quem vai continuar na Associação é ela”, diz Brisa, orgulhosa da filha.