POR Rafaela Matias e Cristina Moreno de Castro
COLABOROU Naiara Patrícia
Nada de contato com telas para crianças menores de 2 anos. Para as maiores, apenas duas horas por dia diante de tevê, tablet ou celular. Você já deve ter ouvido essas regras do pediatra do seu filho, e ele estava apenas seguindo as recomendações de entidades médicas internacionais, estabelecidas ainda na era pré-tablet. Mas tudo acaba de ser revisto: um documento oficial divulgado no último dia 21 pela Academia Americana de Pediatria (AAP) reconhece que a geração mais nova já nasce imersa em um mundo tecnológico que pode, sim, trazer benefícios para o desenvolvimento dos pequenos, se aproveitado sem excessos.
As novas diretrizes se preocupam menos com o tempo de uso dos aparelhos e mais com os conteúdos acessados e a importância de sempre haver o acompanhamento dos pais. E, embora ainda destaquem que as evidências de benefícios para crianças menores de 2 anos — que passam por um período crucial do desenvolvimento do cérebro — sejam limitadas, as novas recomendações afirmam, por exemplo, que a interação de um bebê de 16 meses com o pai via Skype não deve ser desencorajada (veja quadro abaixo).
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) deve lançar suas próprias recomendações, pensadas para a realidade e a cultura locais, no início de 2017. Enquanto isso, a comunidade pediátrica brasileira segue e endossa as recomendações de entidades internacionais, como a AAP. “Estamos acompanhando essa transição. Nós, médicos, precisamos refletir sobre como oferecer tecnologia de uma forma não deletéria para uma criança que já nasce em um mundo tecnológico”, diz a neuropediatra Liubiana Arantes, que é presidente do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP e professora da Faculdade de Medicina da UFMG.
Segundo a médica, as recomendações anteriores eram muito radicais e geravam culpa nos pais. O importante, na visão da SBP, é individualizar o paciente, e não criar regras de “pode ou não pode”. “Se a mãe precisa fazer alguma coisa e não pode brincar com o filho, tudo bem ela colocá-lo para ver algo adequado para sua idade durante 15 minutos”, exemplifica a neuropediatra. Ela também destaca a importância de os pais acompanharem as crianças durante o uso do tablet e de pesquisarem antes se o conteúdo é adequado.
Em busca do equilíbrio
A questão mais importante, segundo as novas diretrizes, é encontrar o equilíbrio e evitar o excesso de tecnologia em detrimento de outras atividades importantes, como dormir, fazer exercícios físicos e brincar no mundo off-line (veja quadro abaixo).
É também a preocupação da relações públicas Edilene Pires Quintão, mãe de Laura Pires Malagute, de 7 anos, que é conectadíssima, como as crianças de sua geração. Edilene incentiva a autonomia da filha, mas teme o exagero: “Eu acho muito legal o interesse da Laura, ela já faz até pesquisas escolares sozinha pelo laptop. Mas, se deixar, ela fica o dia inteiro conectada, e isso me preocupa”. Antes mesmo de saber escrever no papel, Laura sabia procurar os vídeos da Galinha Pintadinha no smartphone, digitando, ela mesma, as letras necessárias para encontrar a animação. Hoje, a pequena tem seu próprio aparelho celular e sonha em ser blogueira. Sua irmãzinha de 2 anos e meio, Helena, vai por caminho parecido e, assim como a mais velha, sabe manusear os aparelhos e consegue escolher, sem ajuda, os vídeos que deseja assistir no YouTube.
A pequena Gabriela, de 6 anos, também começou a brincar com um smartphone bem novinha, aos 3 anos, e aos 5 ganhou seu próprio aparelho. “Ela possui uma facilidade incrível para lidar com a tecnologia: entra em sites, utiliza jogos, assiste a vídeos, sempre com minha supervisão”, diz a mãe, a bancária Viviane Guerra. “Mas o uso é limitado. Acho de suma importância esse desenvolvimento das crianças em relação a esse grande avanço tecnológico, desde que não deixem de se divertir com seus brinquedos e de se relacionar com outras crianças.”
Já Raphaella Beatriz, de 3 aninhos, foi a mais precoce de todas: seu pai, o microempresário Webert Rafael, 33, deu a ela um iPhone 6. O que a pequena mais gosta de fazer com o smartphone é assistir a vídeos educativos.
Tecnologia nas escolas
As educadoras Roberta e Taís Bento do projeto Socorro, meu filho não estuda, apostam na tecnologia como meio para o desenvolvimento de habilidades importantes. “É comprovado o desenvolvimento de habilidades como tomada de decisão e redução no tempo de reação entre jogadores de videogame”, afirma Roberta, que atua há 33 anos com pesquisas na área de educação, participando de projetos educacionais pelo mundo e desenvolvendo parcerias com universidades dos Estados Unidos.
Outra instituição que levanta a bandeira em defesa do uso de mídias digitais no aprendizado é a rede de apoio escolar Ensina Mais, que atende crianças a partir de 6 anos. “Quando a criança está com dificuldades de aprendizado por ter a atenção difusa, ferramentas on-line podem contribuir muito, já que possibilitam o uso de cores, sons e formas para reter a atenção. Podemos usar um áudio que faz relação com o que a criança está lendo, aguçando os sentidos e favorecendo a memorização”, afirma a psicopedagoga Thalita Tomé, coordenadora pedagógica da rede.
Leia também:
- Entidade agora admite benefícios no uso de tecnologia por crianças
- Diversão longe das telas: 20 programas para fazer em BH
- Cineasta de BH lança filme que resgata brincadeiras antigas; leia a entrevista
- Programação de jogos e robótica ajudam crianças a desenvolver noções de lógica e matemática
- Blog de Bruno Santiago: Crianças e a tecnologia: O que fazer?