Nos últimos três anos, a sociedade global tem vivenciado uma série de eventos trágicos, que invadem os noticiários. Enfrentamos uma pandemia desde 2020, que ainda não terminou, e agora assistimos à guerra entre Rússia e Ucrânia 24 horas por dia, em todos os países do mundo, com imagens e relatos diversos nas redes sociais. Um conflito com informações em tempo real.
Essa nova realidade global, sempre conectada, leva muitos pais a se preocuparem com possíveis efeitos na saúde mental de seus filhos, uma vez que as crianças estão sempre recebendo, direta ou indiretamente, notícias de acontecimentos trágicos. Muitas dessas informações, conteúdos e imagens são chocantes até para o público adulto. “Tudo o que vemos pela primeira vez, dependendo do tema, sempre vai causar um impacto maior no nosso córtex cerebral”, afirma o neurocientista Beny Schmidt, chefe do Laboratório de Patologia Neuromuscular da Unifesp.
“De maneira geral, podemos dizer que esses três últimos anos foram bem tóxicos e prejudiciais às crianças. [Espero] que os pais consigam limitar o acesso a essas informações e possam recompensar com muito amor e apoio os filhos”, afirma Beny Schmidt.
Estresse tóxico também afeta os pequenos
O estresse desse momento global conturbado já está cobrando seu preço sobre a saúde mental das crianças, conforme inúmeros estudos recentes sobre aumento de ansiedade e depressão entre os mais jovens.
A coordenadora do Pronto Atendimento Infantil e da Unidade de Internação Pediátrica do Hospital Sepaco, Talida Lodi, explica o fenômeno ao qual a saúde mental das crianças está sujeita nesse contexto de três anos seguidos de eventos trágicos para o mundo: “Essas situações podem acarretar no estresse tóxico, que ocorre quando há uma série de atividades constantes espalhadas em um longo período sem o suporte de adultos. O resultado pode ser a interrupção do desenvolvimento saudável do cérebro”.
Segundo Lodi, seja adulto ou seja criança, lidamos com o estresse por meio do sentimento de autonomia para agir diante das tensões, quando floresce a sensação de controle e o senso de pertencimento a um grupo. Portanto, para ela, a melhor reação que os pais podem ter para evitar e amenizar esse estresse contemporâneo é observar sinais de que algo está afetando as crianças, como birras e manhas recorrentes. O melhor procedimento, diz, é conversar de forma compreensiva e tranquilizadora com as crianças, buscando entender a fonte dessa alteração de comportamento.
Ela também recomenda aos pais, dependendo da idade e da abertura da criança, explicar de forma lúdica, fácil de digerir o contexto tenso em que se está vivendo. Desse modo, a criança pode se sentir mais apta para entender cenários da atualidade, aumentando a autonomia e pertencimento, sentindo-se segura ao lado da família.
Sim, notícias pesadas causam impacto
Isa Minatel, psicopedagoga, influencer e escritora, opina de forma bem clara: “Notícias pesadas causam impacto no psicológico até de adultos, imagine no de crianças”. Ela avisa que é necessário trazer as informações para as crianças com muita cautela:
“Eu comparo informação a alimento. A gente não dá qualquer alimento para a criança em qualquer faixa etária e em qualquer idade. A gente prepara o alimento, a gente escolhe o alimento, a gente pica o alimento, faz uma papinha para que ele possa ser digerível e faça bem. A informação é o alimento da mente”.
Minatel reforça sua metáfora com os prós e contras desse alimento para a mente, que é a informação. Para a psicopedagoga, quando a informação é “bem preparada”, ela cria e fortalece os sentimentos de empatia na criança, dá a ela mais capacidade de entender o sofrimento do próximo e ampliar sua visão de mundo. Mas caso a informação venha pronta de qualquer canal de mídia, ela pode ser “junk food”, ou seja, deve prejudicar a saúde mental da criança. O fator negativo enfatizado pela psicopedagoga é a possibilidade de a criança internalizar a violência apresentada caso consuma essas informações sem qualquer intermediação dos pais, devido ao despreparo psicológico para lidar com elas.
Em contrapartida, o neurocientista Beny Schmidt acredita que a melhor opção para preservar as crianças é afastá-las de informações extremamente trágicas e violentas. Ele acredita que o tempo em frente às telas e no ambiente digital deve ser reduzido e compensado com apoio e amor dos pais. “De preferência privar, mas não existe um protocolo na educação infantil. Cada pai deve tentar fazer o melhor que pode para evitar o contato dos filhos com essas imagens.”
Minatel dá um conselho caso esse filtro de notícias por parte dos pais possa falhar: “Depois que chegou uma informação para a criança, é importante a gente conversar com ela sobre isso. Entender como isso ficou para ela e colocar junto os nossos valores, aquilo que a gente quer que fique”. A psicopedagoga reforça, ainda, que todos nós, adultos, também devemos aplicar esse filtro em nosso consumo diário de notícias.
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