Vamos nos mudar!
Há algum tempo procurávamos uma casa nova.
Não estávamos com pressa, então esse assunto foi e voltou muitas vezes aqui em casa. E cada vez que ele voltava a Clara dizia: eu não quero mudar!
Você já passou por isso com seus filhos? Uma mudança, seja de cidade, de escola, de casa, que não foi tão bem recebida pela criança?
Já falei da Clarinha aqui algumas vezes, e sobre o temperamento dela. Ela é uma criança com baixa abertura ao novo, o conhecido é o que é seguro para ela.
Vou fazer uma pequena pausa na história para explicar um pouquinho sobre o que a ciência já sabe sobre temperamento e personalidade. O temperamento é uma das partes responsáveis pela formação da personalidade. É a parte genética da personalidade, ele vai interagir com o ambiente.
Não podemos mudar o que cada um herda, mas ele não é determinante. Vou dar um exemplo para ficar mais fácil entender. A Clarinha tem cabelos castanhos claros, brincamos que ela é quase loira. Quando está calor, brinca muito no sol, vai ao clube, nada, e a cor do cabelo dela vai clareando ainda mais. No inverno não tem tanta exposição ao sol, ou seja, o cabelo não fica tão claro. É assim que acontece com o temperamento, dependendo do ambiente que ele é exposto, teremos um resultado diferente.
O temperamento por si só não define como será a personalidade dessa criança na vida adulta, mas sim o que o ambiente faz com ele. Gosto muito de pensar as características do temperamento como elásticos. Cada um tem elásticos de tamanhos diferentes para cada característica.
Uns vão se estender bastante, outros são bem curtinhos. Mas a interação com o ambiente pode ajudar a estender um pouco mais esse elástico curtinho, ou conter o que se estica demais.
Sabendo disso, nós, vamos tentando esticar um pouco o elástico da Clara, para tentar fazer ser mais leve, as experiencias novas ou diferentes.
E aí, a psicóloga aqui, traçou todo um plano: vamos mostrar fotos do Pinterest para ele começar a imaginar o quartinho dela, deixá-la escolher as cores, escolher os móveis, enfeites, vamos visitar apartamento algumas vezes antes de mudar, vamos passear no bairro, conhecera sorveteria, a pracinha…
Ela foi escolhendo, fez uma lista das coisas que queria no quarto: um tapete redondo, quadro que a prima pintou para ela, um espelho… e assim foi. Uma amiga arquiteta, fez um 3D do quarto. Tudo lindo do jeitinho que ela pensou. Mostrou para a Clara em uma reunião, e ela ficou radiante. Pulava, ria, falava sem parar!
Confesso que fiquei aliviada. Sabe aquele gostinho de vitória? Pois, é durou pouco.
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Alguns dias depois, antes de dormir ela vira para mim com os olhinhos cheio de lágrimas e pergunta:
Temos que mudar mesmo mamãe?
Respirei fundo, tentando gerenciar minha frustração, abracei, beijei, acolhi e expliquei novamente o motivo da mudança. Ela se acalmou, dormiu. Eu perdi o sono. Comecei a refazer meu plano mental de salvar o mundo, quer dizer, poupar a minha filha do sofrimento.
Dias depois eu tinha supervisão clínica. (Supervisão é algo comum na psicologia. Eu dou supervisão e faço supervisão dos meus casos. Funciona assim: você traz um caso que está atendendo e o outro profissional te orienta, levanta um ponto que às vezes você nunca pensou, te faz perguntas, questionamentos que te ajudam a pensar, levantar hipóteses…)
Pois bem, comecei a supervisão pedindo licença para trazer algo da minha filha e não de uma paciente. Contei um pouco da Clara do jeito dela, das flexibilizações que fomos conquistando, da criança que precisa ser antecipada das coisas, de tudo o que fizemos até agora para ajudá-la nesse processo. E perguntei: o que mais podemos fazer para que ela não sofra com a mudança, para que não seja uma ruptura, um trauma para ela?
Ela me perguntou: será que você já não fez tudo? Será mesmo que tem mais algo para fazer?
Comecei a rir. Em poucos segundos me lembrei de algo que falo frequentemente para os pais dos meus pacientes. Me lembrei do primeiro capítulo do meu livro onde começo dizendo o seguinte: “No mundo da parentalidade, você nunca terá o controle de tudo, e isso nem sempre é ruim.”
Me dei conta que quando a gente muda, deixamos algo para trás.
Me dei conta que também vou sentir falta daquela casa e de tudo o que vivemos lá nesses 7 anos. Foi lá que a Clara nasceu, aprendeu a andar, a ler…
Me dei conta que podemos sim esticar os elásticos de alguma característica do temperamento dos nossos filhos, mas não podemos blindá-los de sentir. E está tudo bem!
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.