A advogada Roberta de Oliveira Azevedo, de 37 anos, já era uma pessoa versátil como só pais e mães sabem ser, mas virou multitarefa depois que a pandemia começou. Da noite para o dia, teve que encarar trabalho home office, educação dos dois filhos, os cuidados com a casa e a função de professora após a suspensão das aulas. Exausta, ou ‘pifada’, como ela mesma diz, foi parar no hospital com uma crise grave de ansiedade. A advogada faz parte de uma legião de pais e mães que estão sofrendo de ‘burnout parental’ – o esgotamento físico e mental que veio com a pandemia.
Todo mundo já deve ter ouvido falar na síndrome de burnout – um estado de exaustão emocional, mental e física causado pelo estresse excessivo e contínuo. Normalmente associada à tensão no emprego e excesso de trabalho, o burnout agora migrou para o ambiente familiar: a ciência acaba de mostrar que pais e mães também podem sofrer desse mal, justamente pelos cuidados que os filhos demandam.
Pesquisadores da Universidade Católica de Louvain (Bélgica) analisaram 2 mil adultos e concluíram que 12% deles (tanto homens quanto mulheres) estavam sofrendo com um alto nível de burnout parental. Segundo os cientistas, essas pessoas se sentiam exaustas, incapazes e desinteressadas por suas tarefas mais do que uma vez por semana.
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Roberta, que é mãe de Isabella, 9 anos, e Davi, de 8, conta que no ano passado, quando ganhou força o movimento #fiqueemcasa, teve que praticamente parar de advogar da maneira habitual e passou a exercer a profissão em home office. “Também tive que absorver a função de educadora, devido ao fim das aulas presenciais, e com a grande quantidade de matérias escolares enviadas pela escola, meu celular acabou virando uma lousa. Somado a isso, meus filhos e eu acabamos tendo que ficar em tempo integral dentro do apartamento, proibidos até mesmo de frequentar a área de lazer do condomínio”, conta. Conciliar tudo é um desafio, segundo ela.
“Meus filhos estão sendo atendidos por psicólogo para tentar amenizar os impactos que o isolamento trouxe para a rotina deles. Quanto a mim, por todo este estresse, passei a apresentar muito choro, dores de cabeça, vontade de abandonar tudo e sair correndo. Há dois meses, fui levada ao pronto-socorro com crise grave de ansiedade, fui medicada e encaminhada pelo médico a tratamento psicológico também”.
A médica Gesika Amorim, neuropsiquiatra e especialista em neurodesenvolvimento, diz que para os pais que estão em casa é pior, pois eles estão sendo obrigados a se desdobrar para cuidar dos filhos, da casa, do trabalho e ainda educá-los no sentido escolar. “Estamos falando de pais totalmente sobrecarregados, inclusive por assumirem funções antes exercidas por terceiros – a professora, a auxiliar nas tarefas domésticas…”, resume a Dra. Gesika.
Qual a diferença entre o burnout e uma ansiedade ou depressão? “O burnout é o limite físico e emocional atingido no seu máximo grau: é o esgotamento do indivíduo”, explica a médica.
Com experiência de 25 anos atendendo pais e filhos, a psicóloga Luciana Minelli concorda. “Isso é muito mais do que cansaço físico e estresse. Cansaço é aquela sensação de que ‘estou cansada, mas depois que chegar em casa, comer e tomar um banho, estarei inteira’; estresse já é mais complexo e tem um pouco mais a ver com insatisfação. E o burnout é a sensação de que você já extrapolou todos os seus limites, afetando até sua condição física, sua saúde”, explica.
O burnout também tem atingido os pais porque a dinâmica da família mudou. “Pais e mães não saem mais para trabalhar, as crianças não vão para a escola, a diarista não vem para ajudar nas tarefas domésticas, e a convivência familiar pode levar sim ao esgotamento. A pessoa entra em um nível de insatisfação em que nada mais a agrada, nada mais é tolerado. Uma risada mais alta da criança, um brinquedo no meio do caminho, já faz a pessoa perder o controle”, diz Luciana.
Os sintomas de burnout parental
- Sensação de total esgotamento físico e mental
- Já acordar cansado (a)
- Dores de cabeça e musculares
- Insônia
- Palpitações
- Tonturas
- Irritabilidade extrema
- Crises de ansiedade e choro
Como aliviar a pressão
Para a psicóloga Luciana, é importante procurar ajuda. “Se você acha que está perdendo o controle, busque um profissional de saúde. O alívio da pressão virá da transformação de sentimentos, pensamentos e atitudes. O que não pode é viver no seu limite, achando que uma aula, um fim de semana irá resolver. Juntando aí problemas financeiros, medo de perder o emprego, de adoecer e outras consequências da pandemia, a verdade é: não está fácil para ninguém”.
A psicóloga Natalia Corrêa, especializada em desenvolvimento infantil, também destaca o papel da rotina nesse equilíbrio delicado. “Estabelecer uma rotina profissional, escolar e doméstica também agrega bastante nas questões emocionais, pois a organização pode refletir no sentir, pensar e agir”, diz. “Também é importante levar em conta os ‘momentos de alívio’ da família, pois o lazer e o tempo livre precisam acontecer como forma de descarregar as energias de um cotidiano agitado e situações estressantes”.
Além de procurar ajuda profissional, a advogada Roberta encaixou algumas atividades em seu dia a dia para aliviar o estresse. “Aos finais de semana tento dormir um pouco mais, dou pequenas caminhadas aos sábados, e à noite assisto um filme na companhia da minha família”, conta. “Meus filhos me ajudam a fazer as refeições e amam quando brincamos de jogos de tabuleiro, para eles é muito divertido”.
A dica mais importante é não cobrar demais de você mesmo, nem do seu parceiro ou parceira, segundo a dra. Gesika. “Vamos tentar ser os melhores professores, donos de casa e funcionários na medida do possível, sem cobranças excessivas”, aconselha. “E procure ajuda, você não está só. Estamos nos adaptando a essa situação, todos juntos, cada um em seu barco, mas no mesmo mar”.
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