Por Juliana Sodré e Rafaela Matias
Colaboraram Luciana Ackermann e Sabrina Abreu
Receber anotícia de que existe um bebê a caminho já é maravilhoso. Imagine só a emoção dos papais e das mamães que descobrem que haverá não um, mas dois deles (ou três, quatro, cinco…). Passada a alegria inicial, é provável que surja uma avalanche de questionamentos sobre o que virá pela frente. Ainda há muitas incertezas e especulações sobre os gêmeos. Será que um sente o que o outro sente? As digitais são iguais? Eles podem desenvolver linguagens secretas?
Fomos atrás de especialistas para ajudar a esclarecer essas e outras dúvidas. Ouvimos a neuropediatra Cláudia Machado, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG; a fonoaudióloga da Unicamp Naraí Lopez Barbetta, que teve o desenvolvimento gemelar como objeto de estudo no mestrado e no doutorado; a psicóloga Edna Lúcia Tinoco Ponciano, especializada em família e professora do Instituto de Psicologia da UERJ; o médico Ricardo Halpern, membro do Departamento Científico e de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o médico Salmo Raskin, secretário do Departamento Científico de Genética da SBP; e a médica Cláudia Ramos, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG.
Afinal, entender uma criança já não é fácil, que dirá duas. Os papais e as mamães que recebem a missão em dose dupla merecem uma forcinha, não é mesmo?
AINDA NO ÚTERO
Eles não são passivos lá dentro. Existem provas de interação dos gêmeos já no útero e eles são conscientes da existência um do outro. “Algumas gravações feitas dentro do útero mostram gêmeos tocando-se, e parece haver evidência de que existe uma diferença na forma de um tocar o outro e na forma com que cada um toca as partes do próprio corpo”, afirma Cláudia Ramos.
DONS INDIVIDUAIS
É possível que um dos gêmeos tenha uma voz celestial e o outro, digamos, não cante tão bem assim? Sim. Os talentos são individuais e dependem de fatores que extrapolam a genética. Dom, interesse, gosto, aptidão. Tudo isso está em jogo quando se trata de talento. Por isso, não se assuste se irmãos gêmeos desenvolverem talentos diferentes, pois é normal se, por exemplo, um quiser ser cantor e o outro mostrar mais interesse para a engenharia química – ou se um for um atleta notável e o outro preferir desenhar. Eles são únicos. E os seus dons também serão. Por outro lado, pode ser que as suas preferências sejam parecidas por causa da convivência muito próxima. “A gente não sabe se as preferências são fruto do meio ou da personalidade, ou as duas coisas”, diz Naraí Barbetta.
TUDO AO CONTRÁRIO
Um quarto dos gêmeos idênticos (univitelinos) é de “espelhados”. Isso significa que eles são reflexos exatos um do outro, com traços invertidos. Um pode ser destro, e o outro, canhoto. Os dois podem ter sinais de nascimento iguais, como uma manchinha, mas em lados opostos do corpo. O mesmo vale para redemoinhos de cabelo, que podem ficar no mesmo lugar, mas voltados para direções contrárias.
PARECIDOS, MAS NÃO IGUAIS
No caso dos gêmeos univitelinos, como eles têm DNA e traços idênticos, algumas pessoas imaginam que as impressões digitais deles também possam ser iguais. Mas não são. Eles até têm as digitais iguais a princípio, mas, logo que começam a se movimentar dentro do útero, encostando na bolsa amniótica, no cordão e em outras superfícies, as estrias nas mãos vão tomando formas únicas. E é por isso que muitos peritos policiais consideram o método de identificação pelas digitais mais preciso até do que o exame de DNA. Mesmo gêmeos idênticos podem sofrer mutação genética específica em um tecido, como a pele. Especificamente naquele tecido pode haver diferenças genéticas, resultando, por exemplo, na formação de manchas de nascença em apenas um deles.
LINGUAGEM SECRETA
Cerca de 40% dos gêmeos inventam uma linguagem própria. Isso acontece quando, enquanto bebês, eles usam um ao outro como modelo no desenvolvimento da linguagem e passam a brincar e se comunicar utilizando sons e silabações próprias. Embora seja mais comum entre gêmeos, esse fenômeno pode ocorrer em bebês que tenham um convívio intenso um com o outro e um ritmo de crescimento parecido. Além disso, a fonoaudióloga Naraí Barbetta concluiu em seus estudos que, por causa dessa linguagem própria, eles, em muitos casos, têm um atraso na fala se comparados a outros bebês da mesma idade.
CADA UM É CADA UM
Vesti-los de forma igual, cortar o cabelo do mesmo jeito, colocar nomes muito parecidos. Isso tudo pode até ser fofo, já que reforça a semelhança física existente, mas pode ser prejudicial na formação da personalidade. É importante que os gêmeos (e seus pais) entendam que eles são seres independentes, com seus próprios gostos, sonhos, desejos, vontades e medos. Para Edna Lúcia Tinoco Ponciano, é preciso que os pais reconheçam as peculiaridades dos filhos para ajudá-los no desenvolvimento da autonomia. Nesse aspecto, é essencial ter tempo para conversar e ouvir as crianças, dando espaço para elas manifestarem os seus gostos e preferências. “Não se trata de proibir as roupas iguais, mas é melhor não naturalizar isso como se não houvesse diferença entre eles. Pode ser que um queira usar bermuda, e o outro, calça. Não é porque eles possuem semelhança física que, necessariamente, também possuam semelhança de gostos e opiniões”.
CONEXÃO QUE TRANSCENDE
Os relatos de familiares de gêmeos e também de estudiosos sobre o assunto mostram que a conexão entre esse tipo de irmãos chama atenção. Alguns acreditam até que um seja capaz de sentir o que o outro sente, mesmo estando distantes. Para a médica Cláudia Ramos, a crença tem fundamento. “Não acredito que seja mito. O fato de serem gerados ao mesmo tempo, de conviverem estreitamente e de se desenvolverem juntos leva a um envolvimento transcendente, e existem relatos de vários casos que nos levam a crer que, sim, um sente o que o outro sente.” A neuropediatra Cláudia Machado faz uma ressalva: “Pessoas com grande afinidade e percepção do outro podem pressentir algumas situações, independente de serem gemelares ou não”.
BRIGAS SÃO NORMAIS, MAS ATENÇÃO
Embora as produções cinematográficas explorem um ambiente de rivalidade entre os gêmeos, o médico Ricardo Halpern garante que a rivalidade é a mesma que existe entre outros tipos de irmãos. “Assim como as brigas, os laços afetivos não são diferentes do que qualquer dupla de irmãos, mas o fato de que compartilham as datas, o colégio e a mesma série, por exemplo, pode deixá-los mais intensos positiva ou negativamente”. Se a competição estiver muito grande, cabe aos pais intervir, dando espaço para que eles tenham momentos separados. Uma boa opção é colocar em salas ou colégios diferentes.
SE UM ADOECER, O OUTRO VAI TAMBÉM?
Segundo o médico Salmo Raskin, a resposta é não. Eles podem até compartilhar a mesma predisposição para determinadas patologias que tenham forte componente genético, mas, quanto maior a influência do ambiente na doença, menor a chance de ambos estarem predispostos a desenvolvê-la juntos. Além disso, mesmo tendo a mesma doença genética, dificilmente vão desenvolver os sintomas ao mesmo tempo.
SAIBA MAIS SOBRE NOSSAS CAPAS
Júlia e Paula, de 4 anos, filhas da administradora Andrezza Alencar e do educador físico Vicente Marcos de Faria, de Belo Horizonte
Quando engravidou das meninas, a administradora tinha muito medo de não saber diferenciá-las, mas logo descobriu que até no escuro a sua intuição diria exatamente quem é quem. “Uma vez, o meu marido colocou as meninas em berços trocados, e eu percebi pela respiração”, conta. Mas as semelhanças também já pregaram peças: a mãe já deu um remédio duas vezes para uma delas, enquanto a outra ficou sem o medicamento. “Às vezes, acontece”, diverte-se.
Vitória e Laura, de 5 anos, filhas da pedagoga Marina Vasconcelos e do empresário Fábio Trindade Paes, de São Paulo
Com menos de uma semana em casa, elas tiveram um problema de saúde e precisaram voltar ao hospital para receberem cuidados. “Quando voltaram, estavam as duas com pulseirinhas com o nome ‘Laura’, foi uma confusão”, lembra-se a mãe. Antes de engravidar das meninas, Marina fazia orações pedindo para ter filhos gêmeos. Ela, que também é mãe de Sofia, de 12 anos, tinha tido outro bebê, que morreu com apenas um dia de vida. “Como já tinha feito duas cesárias, o médico disse que eu só tinha mais uma chance, e, por isso, queria muito ter dois filhos de uma vez.” Como vieram duas meninas, gêmeas idênticas, Marina viu suas preces serem atendidas. “Elas são ‘rainbow babies’, como são chamadas as crianças que nascem para iluminar a família depois de um evento trágico”.
Nicole e Eduarda, de 4 anos, filhas da vendedora e manicure Amanda Maciel Amorim e do vendedor Bruno Luiz Canoza da Silva, do Rio de Janeiro
As meninas trocam de personalidade de tempos em tempos, segundo a mãe. “Desde a barriga, percebia a Eduarda mais agitada e a Nicole calminha. Mas não sei o que acontece que, do nada, invertem. Nunca tinha ouvido falar disso. Agora, nós já nos acostumamos”.
ANOTE NA AGENDA
Entre os dias 28 e 31 de julho acontece na USP o 2º Encontro de Gêmeos, aberto para pesquisadores, familiares e
qualquer interessado no assunto. O evento é gratuito, com vagas limitadas. Mais informações no site portal.if.usp.br.
De mãe para mãe
Pedimos aos leitores com filhos gêmeos para compartilharem suas experiências e aprendizados. Recebemos depoimentos lindos e muitas dicas práticas também! Confira: