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A adolescência em luto na pandemia
Não sei se você se lembra da sua adolescência. Eu já estou vendo meus 45 anos chegarem, mas me lembro como se fosse ontem!
Como esperei pela liberdade da adolescência. Festa nas casas dos amigos, Carnaval nas cidades do interior de Minas, o grupo de amigas viajando sozinha para as praias do Espírito Santo (como um bom mineiro, né?), o bando de amigos juntos na Copa do Mundo de 94 (é Tetra!) a turma da escola indo para o sítio, os dias divertido no último ano de escola (viva o Terceirão!).
Ah como é bom lembrar… Que delícia foi viver minha adolescência. Aquele tempo que vivemos como se fossem ser os dias mais felizes da vida! A gente pensa no futuro, mas nem tanto. A gente se preocupa, mas nem tanto. A gente tem responsabilidades, mas nem tanto. A meta é ser feliz, estar rodeado de amigos, fazer um monte de coisas pela primeira vez, aproveitar ao máximo e ser feliz mais um pouquinho!
Ultimamente, tenho lembrado bastante desse tempo. Não por vontade de viver isso novamente (na minha idade não sobreviveria a outra adolescência, né?), mas pensando em tantos adolescentes que estão trancados em casa há um ano e meio.
Sim, eles existem! Muitos continuam sem ir à escola, muitos continuam respeitando a pandemia, muitos continuam em isolamento social. Atendo alguns deles em meu consultório semanalmente e posso afirmar com toda empatia que consigo ter por eles: eles estão em luto!
Não necessariamente esses adolescentes perderam alguém nessa pandemia, mas estão em luto. Um luto diferente, um luto pelo que não puderam viver. Eles choram, eles questionam, sentem raiva, sentem tristeza, sentem medo, sentem solidão, sentem desesperança.
Se lamentam saudosos pelo que não viveram: não tem cinema na 6ª depois da aula, nem vamos todos lá para casa e pedimos uma pizza, não tem festinha no final de semana, nem dormir na casa das amigas. Alguns se formaram, mas a conquistas da formatura não foi celebrada, a viagem do 3º ano não aconteceu, não teve dia D, nem a despedida da escola que estudaram a vida inteira. Não teve abraço, não teve encontro, não teve festa, não teve, não teve, não teve…
E sabe o que é mais cruel? Muitos adolescentes se sentem culpados por se sentirem tristes.
Muitos se questionam como podem chorar por isso se tem tanta gente sofrendo e chorando porque perderam alguém nessa pandemia. Muitos se acham maus, pois estão se queixando sem motivo. Muitos tem vergonha do que estão sentindo.
Ah, isso dói meu coração.
Eles se sentem errados por sentir.
Na minha profissão, de hora em hora eu escuto uma dor diferente: a dor de uma mãe que perdeu o filho, a dor do fim de um relacionamento, a dor da solidão, a dor da dificuldade social, a dor dos pais que se sentem perdidos, a dor dos filhos que não se sentem amados, a dor do medo, a dor da preocupação com o trabalho, a dor da compulsão alimentar, a dor de não se sentir capaz, a dor de perder o pai, a dor de não ter amigos, a dor do puerpério…
Se tem uma coisa que aprendi ouvindo diariamente cada paciente que entra em meu consultório é que não existe dor certa e dor errada. Como também não existe luto mais digno de dor que outro. Luto é luto. Dói e pronto.
Não se mede o tamanho da perda, para se autorizar o tamanho da dor.
Dor a gente acolhe, dá as mãos e caminha junto. Sempre.
Sem julgamento, sem menosprezo, sem crítica, sem pressa.
Com empatia, com compaixão, com paciência, com colo, com abraço, com disponibilidade, com afeto, com amor.
É assim que a gente acolhe a dor dos adolescentes em luto ou qualquer outra.
Leia também: Músicos italianos do ‘Maneskin’ nos fazem lembrar o quanto a adolescência é importante
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Patricia Nolêto
Patrícia Nolêto de Campos, é mãe da Clara, 5 anos. Psicóloga, palestrante, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, trabalha há mais de 19 anos com psicologia clínica com atendimento a adultos crianças, adolescentes e pais. Desenvolveu workshop de Treinamento de pais e Treinamento de Educadores e ferramentas terapêuticas que facilitam a regulação emocional das crianças. Saiba mais em http://www.patnoleto.com.br
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