A metamorfose

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    E então um belo dia você se levanta e já não é mais uma. É plural. Seus braços já não se fecham, seus olhos passeiam ansiosos pela volta. E a volta é sempre para ele — ou ela. Você se levanta e já não caminha só. As mãos migram da barriga para outras mãos, essas bem pequenas. Você agora é halterofilista. E carrega um peso que aumenta a cada dia, junto com o seu sorriso. Quanto mais o peso cresce, mais leve você fica. Você aprende a andar com o braço esticado, barriga estendida, coluna curvada para trás fazendo um C ao contrário. Você é a casa dele — ou dela. E nem sabia que era capaz de tanto contorcionismo. Se for preciso, você faz abertura, deita no chão, carrega peso, anda quilômetros, suporta sol, chuva e apara as pedras que caírem do céu. Você agora é plástico-bolha. E brilha.

    Um belo dia você levanta e esquece que tem medo. E quando vem a tempestade você enxuga o que chove por dentro e vira capa, marquise, castelo, pavilhão. Para acolhê-lo com a força de um mundo. Você agora é super-herói. E voa.

    Um belo dia você se levanta e tem dois corações. Um deles, estranhamente, está fora de você. E por onde ele for, o seu vai dar um jeito de ir junto. E o cérebro, os nervos, todo o amor do mundo. Você não vive mais só para você. Vive por ele — ou ela. E, a cada nova travessura desse novo e pequeno coração, o bom e velho vai sofrer junto. Não importa se ele vai errar ou acertar, se encontrar ou se perder. Seu velho vai estar lá, vivo, judiado de tanta adrenalina. Sorrindo. Sofrendo. Caindo. Levantando. Doendo. E você não sabe mais viver sem essa dor.

    Um belo dia você acorda e esquece que tem medo. E quando vem a tempestade você enxuga o que chove por dentro e vira capa, marquise, castelo, pavilhão. Para acolhê-lo com a força de um mundo. Você agora é super-herói. E voa.

    Um belo dia você levanta e ele também. Suas pequenas pernas já sustentam toda aquela vontade de engolir o mundo, desprovida de juízo ou malícia. Você agora é guarda-costas. E guarda. E sua mão está sempre aberta para a dele. Você aperta os dedos com força, na tentativa de blindá-lo de qualquer perigo. Em vão. Você agora é aventureira. E vive com frio na barriga.

    Você vai e ele vai junto. Você virou dois. Até que ele comece a dar os seus saltos, que você vai assistir com lágrimas nos olhos e o coração apertado, ou melhor, os corações. E com ele crescerá um medo novo, que você vai aprender a equilibrar feito prato de circo, para manter rodando e até achar bonito. Você agora é malabarista. E o espetáculo não pode parar. 

    Um belo dia você levanta e nem dormiu. Ele é seu despertador natural, que acorda a alma com um balde de amor. Você levanta e é forte. E fez. E faz. E nem acredita. A vida virou bagunça e você não quer mais colocar em ordem. Não quer mais a casa calma, tudo no lugar, parede branca, chão limpo, silêncio cortante, foto de revista.

    Você agora é Canguru. E salta.

     

    Cris Guerra é publicitária, escritora e palestrante. Fala sobre moda e comportamento em uma coluna diária na rádio Band News FM e a respeito de muitos outros assuntos em seu site www.crisguerra.com.br. Na Canguru, escreve sobre a arte da maternidade.

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    Verônica Fraidenraich
    Editora da Canguru News, cobre educação há mais de dez anos e tem interesse especial pelas áreas de educação infantil e desenvolvimento na primeira infância. Tem um filho, Martim, sua paixão e fonte diária de inspiração e aprendizados.

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