‘A ciência dá ferramentas adequadas às crianças para resolver suas curiosidades’ 

Em entrevista à Canguru News, professor Bruno Gualano fala sobre como incentivar nos filhos o gosto pela ciência; ele acaba de lançar a obra "Bel, a experimentadora", que aborda o letramento científico

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Menina com óculos de cientista faz experimentos na mesa
A ciência está em tudo e em todos os lugares e certamente despertará nas crianças alguma afinidade por algum campo científico, diz o autor
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As crianças são curiosas por natureza e adoram fazer perguntas sobre o que observam no mundo ao seu redor. Assim é Bel, uma menina que sempre quer entender o porquê das coisas e junto do gatinho Galileu, seu ajudante, faz experimentos e descobertas fascinantes. Protagonista da obra Bel, a experimentadora, a garota já criou um vulcão “de verdade” e já comprovou na prática o que é a energia, ao esfregar uma bexiga em sua blusa de lã, encostando-a depois no seu gatinho, que fica com os pelos arrepiados. 

Brincar de experimentar faz parte do dia a dia das crianças e, se instigadas, podem aprender desde cedo a desenvolver o pensamento científico. “Claro que a ciência não trará todas as respostas, mas a maneira de se formular perguntas e de se pensar formas de respondê-las é, por si, um exercício científico”, diz Bruno Gualano, professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP e autor da obra. 

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Em homenagem a figuras notáveis da história, como o astrônomo e físico Galileu Galilei, a física e química Marie Curie, o livro busca estimular o letramento científico na infância, possibilitando a compreensão dos fenômenos naturais, sociais e tecnológicos pelo olhar da ciência. “Se cada criança tiver a oportunidade de descobrir o poder do pensamento científico, poderemos construir uma sociedade mais crítica, saudável, próspera e equitativa”, acrescenta Bruno, que foi considerado um dos cientistas mais influentes do mundo pela Universidade de Stanford (EUA), nos anos de 2022 e 2023. 

Ele lembra que as crianças se guiam pelos exemplos que veem em casa e se os pais valorizam a ciência e exercem um olhar crítico estarão ensinando o mesmo aos filhos.

Apoiado pela Faculdade de Medicina da USP, o livro é o primeiro título de uma coletânea direcionada ao público de até 9 anos e que abordará, ainda, temas como vacinas, mudanças climáticas e bullying relacionado a estigmas de corpo. Abaixo, confira entrevista com o autor.

1. Da formação em educação física e esportes à pós-graduação em ciências e a atuação na área de reumatologia e de divulgação científica – como o seu trabalho fluiu para a literatura infantil?

Minha formação acadêmica é bastante diversa, realmente, o que me trouxe para a Faculdade de Medicina da USP, onde ensino fisiologia (funcionamento normal do corpo humano) e faço pesquisas na área da medicina do estilo de vida (promoção de saúde e bem-estar por mudanças de comportamento). 

A ciência é minha paixão, mas entendo que a linguagem dos cientistas não é nada boa. Muitas vezes falhamos em comunicar o que fazemos à sociedade, que nos financia. Isso faz com que as pessoas desvalorizem a importância da ciência no seu dia-a-dia. Foi na tentativa de aproximar a ciência da comunidade que comecei a trabalhar com a popularização do assunto. Faço isso para adultos, em minhas redes sociais e na coluna em que escrevo para a Folha de S. Paulo. Recentemente, decidi me aventurar no mundo infantil. Espero que o livro mostre aos pequenos que “a brincadeira de experimentar” é muito divertida e uma forma de descobrir o mundo e os mistérios da vida. 

2. As crianças são curiosas por natureza. Como aproveitar essa característica para estimular nelas o gosto pela ciência?

A criança é questionadora, e a ciência lhe dá ferramentas adequadas para resolver suas curiosidades. Claro que a ciência não trará todas as respostas, mas a maneira de se formular perguntas e de se pensar formas de respondê-las é, por si, um exercício científico. Esse “rito científico” deve ser estimulado nas idades mais tenras, até que se torne natural com o passar dos anos. Da ciência vieram os maiores avanços da humanidade, e também grandes retrocessos, quando ela foi mal-empregada. Parece exagero à primeira vista, mas a ciência está em tudo e em todos os lugares, e essa é uma das principais mensagens do livro. Explorar essa visão holística e onipresente da ciência certamente despertará nas crianças alguma afinidade por algum campo científico, seja este social, tecnológico, natural ou matemático. 

3. Além da curiosidade, de que outras formas os pais podem incentivar o pensamento científico nos filhos?

A criança age pelo exemplo dos pais. Os que são críticos e valoram a ciência tendem a ter filhos que fazem o mesmo. O hábito da leitura e o apreço pela ciência “pegam”. Vou contar um pouco da minha experiência: sempre que possível, conto histórias de cientistas para minha filha Bel, que dá nome à personagem do livro. Leio muito com ela. Sempre que ela me faz perguntas (e ela faz muitas!), uso a ciência para explicar fenômenos naturais e sociais. Acima de tudo, sigo os ensinamentos da ciência no meu dia-a-dia e me considero um cidadão crítico. Minha filha me parece também bastante questionadora e curiosa. Não creio que a genética tenha muito a ver com isso…(risos). 

Outra coisa importante é que o letramento científico não é uma questão de “tudo ou nada”, ou seja, as pessoas não podem ser classificadas como cientistas ou analfabetas no tema. Pelo contrário: as pessoas possuem conhecimentos prévios sobre ciência, que precisam ser reconhecidos e aprofundados progressivamente. Uma forma de ensinar ciência é por meio dos seus métodos e ritos, que é o que fazemos na academia. Outra seria revelando intermináveis relações com a sociedade e o mundo que nos cerca. O livro adota esse segundo caminho, oferecendo um primeiro contato da criança com a ciência.     

4. Diante das muitas perguntas que as crianças fazem, sobre os mais diversos temas, o que dizer aos pais que nem sempre sabem respondê-las? 

Tenho um colega cientista que diz que o cientista não tem todas as respostas, mas sabe melhor onde as encontrar. Eu complementaria dizendo que o cientista não é quem tem as respostas, mas as perguntas certas. Não há problema algum em não saber algo, ou, ainda, de mudar de opinião, com base em novos fatos. Essa basicamente é a rotina de um cientista: formular muitas perguntas, encontrar algumas respostas, mudar de hipóteses, e formular mais e mais perguntas. A busca pelas respostas, mais do que as respostas em si, é o que fortalece o pensamento crítico. Essa é a “brincadeira de experimentar”, exercitada por Bel, o gato Galileu e toda a turminha da Rua Marie Curie. 

5. Nesta era de excesso de informação, muitas vezes de origem duvidosa, qual a importância das crianças se familiarizarem com a ciência?

A ciência não é a única forma de ver o mundo. Existem os saberes tradicionais, as religiões, e isso precisa ser respeitado. Mas ninguém pode negar que a ciência é uma potente ferramenta para formar gente crítica, capaz de tomar boas decisões para si e para os próximos. Esperamos que cidadãos com um alto grau de letramento científico sejam mais imunes a teorias da conspiração, crenças infundadas (as famigeradas fake news) e outras falácias que ameaçam a saúde das pessoas, a democracia e a tolerância com o dissenso e, no limite, a existência do planeta. 

Questões como “devo me vacinar?” ou “o aquecimento global realmente existe?”, que serão abordadas nos outros volumes da coletânea, encontram respostas muito sólidas na ciência, que podem ser trabalhadas com as crianças numa linguagem adequada e acessível. Além disso, falar de ciência às crianças é uma obrigação prevista na Base Nacional Comum Curricular. Afinal, os pequenos têm direito legítimo a acessar o patrimônio cultural mundial produzido na história, do qual fazem parte a literatura, a música e, é claro, a própria ciência. É essa semente que a coletânea Bel visa disseminar na educação infantil brasileira, com personagens e ambientes com a identidade do nosso país. Se cada criança tiver a oportunidade de descobrir o poder do pensamento científico, poderemos construir uma sociedade mais crítica, saudável, próspera e equitativa.

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