Terapia: será que seu filho precisa?

Livre-se do sentimento de culpa e saiba o que fazer quando as crianças não conseguem expressar objetivamente o que estão sentindo e pedem atenção por meio de sintomas.

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Por Isabella Grossi – Foi-se o tempo em que terapia era coisa de adulto apenas. O número de crianças encaminhadas aos consultórios por causa de algum transtorno comportamental ou dificuldade pontual aumentou drasticamente nos últimos anos. E, ao contrário do que muita gente pensa, não há nada de mau nisso. “As crianças de hoje são inundadas de informação e têm pouca maturidade para absorver o que é preciso”, afirma a psicóloga clínica Jane Ávila. O excesso de estímulos sem seu devido tempo de elaboração talvez seja o grande algoz do século. Como consequência, temos uma geração mais agitada, questionadora e inquieta, que naturalmente passa a apresentar sintomas quando não sabe dizer objetivamente o que está sentindo. “O comportamento é apenas um aspecto do fenômeno, ele serve como ponto de partida para avaliarmos o problema de forma mais profunda”, esclarece a psicóloga especialista em educação social Juliana Amaral.

É muito comum que os pais se apavorem diante de um conflito. Afinal, tudo o que querem é ver o filho feliz e bem resolvido. E, quando isso não acontece, eles se culpam por isso. “Desculpabilizar os pais é importante”, assegura Jane. “Eles procuram fazer o melhor, mas nem sempre se dão conta e erram, claro. Não é proposital.” O importante, nesse caso, é admitir o problema, livrar-se do sentimento de fracasso e saber a hora de procurar ajuda. Foi o que ocorreu com a estudante de direito Aline Pereira, de 33 anos. Depois que seu filho Leonardo, hoje com 6 anos, teve dificuldades no processo de retirada das fraldas, ela começou a ficar atenta. “Ele não conseguia fazer cocô, então o levamos ao pediatra, e ele, em consenso com a escola, indicou a terapia”, conta. O problema do pequeno foi agravado pela morte da bisavó e pela separação dos pais, no mesmo período. “Nós também mudamos de casa, e para ele foi um momento muito difícil”, relembra Aline, que parou os estudos e saiu do trabalho para passar um ano dedicando-se somente ao filho. Leo, então, começou a evoluir.

O papel da escola

Embora muitos pais sejam a ponte direta entre o filho e o especialista — seja ele o psicólogo, o psicanalista ou o psiquiatra —, na maioria das vezes as crianças chegam aos consultórios por encaminhamento escolar. “Isso costuma ocorrer quando o aluno está destoando da turma, se existe algum tipo de enfrentamento ou se ele está apenas arredio ou com dificuldade de cumprir regras”, explica Jane. É certo que nem todos os conflitos precisam de intervenção psicológica. “Muitas vezes, uma orientação aos pais é mais eficaz do que um processo terapêutico”, pontua a psicóloga clínica Anamaria Albuquerque. Em algumas situações, não. Francisco, de 6 anos, é exemplo disso. “A escola me chamou para dizer que ele estava com o desempenho abaixo do esperado no processo de alfabetização”, relata a gerente de marketing Flávia Louzada, de 43 anos. “No início foi um baque, mas depois entendemos que a terapia era o melhor para o amadurecimento dele.” A ação integrada com a escola e com a terapeuta, que já dura seis meses, vem rendendo frutos. “De maneira muito lúdica, o Francisco está aprendendo a ter mais autonomia, a ser mais dono de si e a entender melhor a noção de espaço e do outro também”, diz Flávia.

Independentemente do tipo ou da duração do tratamento, uma coisa é certa: só funciona com o envolvimento da família. “Todos os membros são importantes para o processo de cura. A dificuldade que aparentemente era de um passa a ser compreendida como de todos”, afirma a psicoterapeuta familiar sistêmica e psicóloga educacional Fernanda Seabra. A psicóloga clínica Karina Loureiro, de 39 anos, mãe de Samuel, de 9 anos, e de Augusto, de 13, acha que todo mundo deve fazer terapia. Em sua casa, todos fazem, inclusive o marido, o economista Marco Aurélio Loureiro, de 55 anos. “Desde cedo colocamos os meninos, porque queremos filhos verdadeiros, livres, que não sejam fantoches no mundo”, declara ela. O caçula, Samuel, é fã de carteirinha. “É o único horário que tenho só para mim, para falar da minha vida”, diz o garoto, cheio de maturidade. “Está me ajudando demais. Antes eu apelava muito, mas hoje converso com a minha mãe e explico que não estou gostando disso ou daquilo.”

A comunicação dentro de casa, aliás, é o ponto- -chave para que qualquer problema seja resolvido — ou até mesmo evitado. “As figuras de referência são os pais, é neles que as crianças confiam quando têm dúvidas do que é certo ou errado”, enfatiza Jane. É importante repassar os valores, a ética e a moral e, dia após dia, ajudar a construir a personalidade dos filhos. “A infância é o alicerce para uma vida saudável, com maturidade emocional, corporal e psíquica”, arremata Juliana Amaral.

Os principais motivos que levam os pequenos ao divã

  • SEPARAÇÃO DOS PAIS

Tem sido comum os pais procurarem ajuda para auxiliar os filhos a lidar com a perda. “Hoje existe um consenso no intuito de preservar as crianças”, afirma o psicólogo clínico Carlos Alberto Gattini. O medo de ser abandonado gera um nível altíssimo de stress nos pequenos, principalmente nos menores de 4 anos.

  • MEDO

Pode ser de bicho-papão, de palhaço, de fantasma ou até mesmo de mula sem cabeça. “Isso é a própria criança elaborando uma forma de lidar com a realidade que ela não dá conta de resolver”, revela Gattini. É um mecanismo de autopunição. Às vezes, pela falta de limites impostos pelos pais, ela não está se comportando bem e sabe disso.

  • DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM

Elas podem ter origem neurológica, como o caso da dislexia (transtorno relacionado à leitura) ou da disgrafia (relacionado à escrita), mas também comportamental. “As crianças têm modos de aprender diferentes. Um modelo pedagógico que serve para um pode não servir para outro”, enfatiza Anamaria Albuquerque.

  • HIPERATIVIDADE

Apenas uma pequena parte das crianças que chegam ao consultório com uma suspeita de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) é realmente portadora do transtorno. Quando a criança é diagnosticada, ela precisa de ajuda psicológica e médica, sem dúvida. Em muitos casos, porém, o que faltam são ajustes na rotina familiar e escolar. “Crianças são ativas e criativas, é natural que brinquem, baguncem, desorganizem e precisem de auxílio para estabelecer uma rotina de tempo livre e de estudos e obrigações”, explica Anamaria.

  • PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO SOCIAL

A timidez, a passividade — que impede, por exemplo, a criança de se impor diante de um grupo — e a agressividade são muito frequentes entre os motivos para fazer terapia. O comportamento agressivo, aliás, seja físico ou verbal, também pode estar associado à falta de limites.

  • BAIXA AUTOESTIMA

Pais muito exigentes e controladores tendem, sem perceber, a minar a autoestima dos filhos. As crianças sentem que o que fazem nunca está suficiente para atender às expectativas. “Elas não gostam delas mesmas e não se aceitam, o que dificulta a interação com os pares”, diz o psicoterapeuta Eriberto Lemos.

  • DIFICULDADE DE LIDAR COM A FRUSTRAÇÃO

Hoje em dia muitos pequenos precisam encarar o problema. “Eles têm tudo muito fácil nas mãos e acesso rápido às coisas”, comenta a psicoterapeuta Patrícia Guimarães. “Quando vão para o ambiente social externo, fica clara a dificuldade de lidar com o não.”

  • DISTÚRBIOS ALIMENTARES

A criança não consegue ou se recusa a comer ou a beber de forma adequada. Em último grau, pode chegar à anorexia ou à bulimia. “Essa conduta pode vir como consequência de ansiedade, da falta de afetividade materna ou mesmo de problemas na escola”, descreve a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira. Geralmente é preciso levantar uma série de hipóteses para fechar o diagnóstico.

  • DISTÚRBIOS DO SONO

A dificuldade para dormir e medos difusos estão, em geral, relacionados à ansiedade. Mas em épocas específicas surgem, naturalmente, os pesadelos e os terrores noturnos. “Quando o pai ou a mãe percebem a necessidade de estar sempre por perto, é preciso criar um ambiente para que a criança se sinta segura sozinha”, explica Patrícia. Há ainda os medos justificáveis, decorrentes de stress pós-traumático, por exemplo. É o caso de perdas, acidentes ou doenças.

  • USO ABUSIVO DAS TECNOLOGIAS

“As relações virtuais estão quase adormecendo os outros tipos de interação”, critica Juliana Amaral. Elas não têm de deixar de existir — e nem vão, com a profusão de videogames, smartphones e tablets —, mas é preciso criar filtros. Dessa maneira as crianças deixam de desenvolver comportamentos de exclusão e passam a ter vivências corporais e emocionais significativas.

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