O assassinato de Moïse Kabagambe, refugiado congolês de 25 anos morto a pauladas no Rio de Janeiro, mobilizou o país nesta semana e suscitou mais uma vez os debates sobre racismo estrutural e xenofobia no Brasil. Dias depois, uma outra história, bem menos dramática, porém também bastante dolorosa, viralizou nas redes sociais: a cartinha que Guilherme, um menino negro de 9 anos, adotado ainda bebê, escreveu a seu pai. “Se eu fosse mais branco, você e toda minha família iam gostar mais de mim?”. O garotinho foi acolhido com muito amor pelo pai, que carinhosamente respondeu ao garoto “Amo seu cabelo, amo seus olhos, amo seu nariz, amo sua boca, amo seu corpo, amo sua cor!!! Amo tudo em você!”, disse o pai ao menino.
O racismo é uma pauta que, infelizmente, passou décadas sendo ignorada no país, ainda que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 56,1% da população brasileira se autodeclara negra – de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. O racismo estrutural é uma dura realidade que assombra boa parte da população, e a sua compreensão, seu combate e, sobretudo, a importância de uma educação antirracista têm se mostrado temas cada vez mais urgentes.
Para Waldete Tristão, educadora e integrante da Comissão Antirracista do Instituto Singularidades, o Brasil não discute de maneira apropriada as suas raízes escravocratas. “Nas escolas pouco se fala do capital cultural trazido pelos negros para o Brasil. A criança branca aprende a valorizar sua cor de pele desde pequena, já a criança negra não.”
Os métodos de ensino nas escolas brasileiras, diz ela, são defasados porque os negros não são abordados além do retrato da escravidão, o que dificulta a identificação de jovens negros com sua história e sua cultura. “Pouco se fala do negro ourives, do negro lavrador. A história negra deve ser desvelada e respeitada. As crianças precisam aprender não somente a valorizar sua cor de pele, como também valorizar a cor de pele do outro.”
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Apesar de um ensino antirracista ainda defasado, a Lei 10639/03, aprovada em 2003, tornou obrigatória a presença da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” nas escolas. Sobre a evidente falta de eficácia na aplicação da lei, Tristão afirma que apesar da tentativa, os professores são formados sem instrução suficiente para a abordagem de tais temas.
“As escolas são espaços formadores e mesmo assim os professores seguem se formando sem que sejam ensinados sobre a importância de falar sobre negros muito além de falar sobre a escravidão”, afirma a educadora.
As crianças negras, crescendo em um ambiente escolar em que pouco se valoriza a sua cor de pele e sua história, passam a ter questionamentos como o do garotinho Guilherme.
Educadores reforçam que pais e familiares devem ter consciência sobre a importância de discutir questões raciais com seus filhos. “O racismo deve também ser um problema de famílias não negras” afirmou a ativista Luciana Bento, em entrevista ao Portal Lunetas, que fez uma série sobre educação antirracista.
O empresário Gustavo Bregunci, pai de Guilherme, afirma que o melhor caminho é o diálogo com os filhos. O pai relata que o racismo estrutural anula as crianças, de forma que é necessário estar sempre atento às possíveis mudanças de comportamento dos filhos. Como um pai que luta contra o racismo estrutural e conversa abertamente com o filho, Gustavo respondeu a carta dizendo que amava o filho exatamente do jeito que ele é. “Amo TUDO em você”, afirmou.
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