Por Vilma Luz* – Trabalho com educação há 36 anos, desses, 28 como gestora. Nesse longo período, conheci professoras que amavam seu trabalho, porém não tinham equilíbrio emocional para lidarem com crianças com comportamentos desafiadores ou com deficiências, e também enfrentavam conflitos nas relações interpessoais e questões de indisciplina, o que de maneira geral prejudicava muito o desempenho e a dinâmica em sala de aula. Professores que não têm habilidades necessárias para regular suas próprias emoções, transmitem uma mensagem verbal e não verbal para seus alunos que afeta a convivência e dificulta o vínculo afetivo, prejudicando o ensino-aprendizagem.
São várias as razões que podem justificar falta de equilíbrio emocional por parte dos professores: a dupla jornada de trabalho, problemas pessoais, questões financeiras, doenças na família, acúmulo de trabalho e estresse, o qual pode provocar ansiedade, depressão e burnout.
Uma forma de combater esse desequilíbrio emocional é por meio do mindfulness na escola. Pesquisas recentes apontam que a prática de atenção plena ajuda a reduzir o nível de estresse, ansiedade e burnout, diminui os afastamentos por licença médica, e favorece aspectos como organização, criatividade, performance, empatia e uma comunicação mais assertiva. Melhora ainda o relacionamento com os colegas e alunos, e a qualidade de vida em geral. Um estudo de 2019 demonstra como a prática de atenção plena é um fator de proteção contra o estresse.
O que é o mindfulness
É a habilidade de estar consciente do que está acontecendo, enquanto está acontecendo. De ter uma atenção especial ao momento presente, às experiências que surgem momento a momento, com curiosidade e abertura. Mindfulness é um conjunto de práticas formais ou informais, que podem ser treinadas por crianças, adolescentes e adultos.
Ferramentas para realizar o mindfulness na escola
Em um primeiro momento é preciso levar em conta como é a escola, e considerar questões ou dinâmicas específicas que podem estar presentes na sala de aula, como o número de alunos, a idade, o entorno – se é centro da cidade, urbano ou rural – e a variedade de questões intelectuais, emocionais ou comportamentais. Práticas de mindfulness podem ser introduzidas em qualquer escola, observando a logística da turma. Um professor pode ter apenas 10 a 20 minutos para fazer uma atividade, devido a outras aulas, sendo assim é preciso ser criativo e não perder o foco.
É importante que o professor também realize práticas de mindfulness, o que o ajudará na atenção e consciência do que acontece com ele, com suas próprias emoções e em sala de aula com seus alunos. Ele será capaz de olhar para as situações com mais clareza e abertura. Poderá gerenciar sua turma com decisões mais conscientes e com menos estresse, além de ter um olhar compassivo e compreensivo para seu aluno, entendendo que ele tem uma história de vida que pode influenciar alguns de seus comportamentos.
Uma opção é aproveitar as aulas de artes para trabalhar com desenhos e pinturas conscientes, e ainda tocar música clássica para criar um ambiente harmonioso. Para iniciar e terminar uma atividade, vale usar um sino ou um instrumento musical de percussão, e deixar esse comando com um aluno que seja indisciplinado ou agitado, para que se sinta útil em ajudar, servindo de estímulo para que melhore seu comportamento.
Outra sugestão é, na volta da educação física, promover um momento de atenção plena na respiração, o que ajuda a desacelerar os batimentos cardíacos, serena a mente e traz relaxamento.
Antes de realizar uma avaliação, fazer uma prática rápida da respiração, também auxilia bastante a diminuir a ansiedade. Nesse caso, o professor pode orientar os alunos a respirarem antes de responderem as perguntas e quando não souberem alguma questão. Parar, respirar e pular a pergunta mais difícil, retornando para ela depois, são técnicas que ajudam a memória.
Uma outra possibilidade é promover momentos para observar os sons do ambiente, dentro e fora da sala de aula com atenção plena.
No início das aulas, parar por um minuto apenas, inspirar contando até 10, expirar contando até 10, ajuda a oxigenar o cérebro e inibe atitudes impulsivas.
Uma sala de aula humanizada precisa de um professor humanizado. Um professor humanizado precisa de uma escola humanizada. Portanto, as práticas pessoais de mindfulness são fundamentais para uma real transformação e uma mudança coletiva no ambiente escolar.
Como ensinar às crianças a entender como a mente funciona
É importante deixar claro para a turma que as práticas são apenas um convite, não algo obrigatório. No início os alunos podem estranhar e achar a atividade muito diferente de outras às quais já estão mais habituados, principalmente os adolescentes, então o professor precisa oferecer algo que seja lúdico, divertido e interessante, para que eles possam se familiarizar e compreender que poderão se beneficiar com a prática.
O passo mais importante nesse processo de conduzir práticas de mindfulness na escola, é entender que as crianças aprendem através de experiências físicas e visuais. Podemos ensinar habilidades básicas como respiração consciente, corpo consciente e atividades de movimentos conscientes. Através da dança e da música essas habilidades são bem aceitas e entendidas pelos pequenos. Outra prática muito importante é oferecer as crianças oportunidades de se tornarem mais atentas e conscientes das experiências sensoriais e perceptivas, como a alimentação, a visão, o olfato, o tato e audição conscientes.
Como promover essas experiências – A degustação de um alimento com uma venda nos olhos, sentir seu aroma, sua textura, seu gosto, o barulho que faz ao mastigar, propicia às crianças uma conexão mais direta entre as práticas, sua utilidade e benefícios para seu dia a dia. Através dessas atividades voltadas para os sentidos, ensinamos às crianças a relação entre corpo e mente com mais facilidade e de uma forma lúdica que é a proposta do mindfulness para crianças, práticas breves, simples e divertidas.
Trabalhar a inteligência emocional das crianças e despertar nelas a qualidade do coração, são também propostas de mindfulness na escola, e podemos fazer isso através de contação de histórias, teatrinho de fantoches, dramatizações. Nesses momentos lúdicos vamos ajudar as crianças a desenvolver uma das principais habilidades de inteligência emocional, que é a capacidade de entender suas emoções. De fato é só o comecinho. Lembrando sempre que precisa ser com muita leveza e ludicidade.
Resultados de práticas já realizadas com crianças
Em 2017, iniciei as práticas de mindfulness na escola creche na qual trabalhava, com crianças de 5 anos. Foi uma experiência maravilhosa e encantadora. As mães relatavam que em casa as crianças ensinavam os pais a respirarem quando estavam nervosos. Em 2019, levei as práticas para as crianças de 4 anos, no início, alguns deram mais trabalho devido ao comportamento mais agitado, impulsivo, mas no terceiro mês já estavam mais centrados, participativos e não podiam me ver na creche que perguntavam se teriam aula de meditação.
Breve histórico do mindfulness
O mindfulness é uma prática contemplativa, que surgiu na tradição budista há milênios e se tornou laica e contemporânea na década de 1970, através do biólogo e doutor em biologia molecular Jon Kabat-Zinn, pioneiro em introduzir a atividade no contexto clínico-acadêmico e científico. Seu objetivo era levar as práticas a todas as pessoas, para que usufruíssem de seus benefícios. Jon Kabat-Zinn criou o primeiro Programa de Redução do Estrese Baseado em Mindfulness, destinado a ajudar pessoas que sofriam com dores e doenças crônicas que não respondiam bem ao tratamento convencional e proporcionar a elas uma melhor qualidade de vida. A partir daí outros programas surgiram, com adaptações para diferentes públicos, sendo introduzidos em organizações, instituições escolares e clínicas terapêuticas.
O convite do mindfulness é para “pararmos” por alguns instantes. Usamos uma expressão que se chama STOP que quer dizer: Silencie, Tome três respirações, Observe, Prossiga. Quando praticamos o STOP, saímos desse estado de piloto automático mental em que vivemos – com acúmulo de ideias, muitas vezes confusas e dispersas, que podemos chamar de modo “fazer” – com o intuito de perceber como estamos naquele momento – pensamentos, emoções, sentimentos, sensações – o modo “ser”, que também chamamos de modo mindful. Daí observamos o que de fato está ocorrendo, olhando com curiosidade a situação em si, como se fosse a primeira vez, uma mente de principiante, e assim tomamos a melhor decisão com consciência.
Esse texto é apenas uma semente do mindfulness que desejo plantar no coração de cada um de vocês, que lerem este artigo.
“Aonde quer que você vá, é você que está lá” – Jon Kabat-Zinn
*Vilma Luz é pedagoga, educadora parental, instrutora de mindfulness para crianças e adolescentes, facilitadora de mindfulness para sala de aula.
LEIA TAMBÉM