Daniel Becker: ‘Como podemos criar filhos melhores para o mundo?’

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    Por Daniel Becker* Há uma frase que eu gosto muito que diz “O mundo que vamos deixar para os nossos filhos depende dos filhos que vamos deixar para esse mundo”. Afinal, quem vai construir o mundo no futuro são os adultos do futuro, ou as crianças de hoje. Então, nossa responsabilidade transcende a educação dos nossos filhos, porque precisamos educá-los para serem pessoas boas, pessoas preocupadas com o outro, que escutem o outro, que cuidem do meio ambiente, da natureza, que compreendam os grandes problemas sociais e ambientais dos nossos tempos. Isso é fundamental para que possam construir um futuro de mais esperança para a humanidade, com menos desigualdade e mais sustentabilidade.

    Desigualdade e sustentabilidade são as duas grandes questões do nosso tempo.

    A desigualdade é causa de tanto sofrimento, de doenças e de perda da qualidade de vida para todos. Nas sociedades muito desiguais, tudo o que é público vira algo que assusta e acaba levando a gente a se afastar: hospitais, escolas, praças, praias, ruas, transporte. A gente passa a ter uma ética da vida diferente para ricos e pobres. E isso tudo faz com que a qualidade de vida de todos, não só dos pobres, seja prejudicada.

    Se a redução da desigualdade é importantíssima, as questões ligadas à sustentabilidade também são. Nossos filhos vão enfrentar uma crise ambiental iminente, que já está no horizonte, não é mais uma fantasia. Eles têm que aprender questões como a redução do consumo, a mudança do padrão energético, reutilização, reciclagem. São mensagens importantes que temos de passar para nossas crianças para que elas possam construir esse mundo melhor.

    Eles vão ser mais felizes se forem pessoas conscientes dessas questões e ao verem os pais deles envolvidos num ativismo decente, pela justiça social e pela melhoria do meio ambiente e preservação da natureza. Por isso, insisto tanto na questão da presença da criança na natureza: não só por todos os benefícios que ela traz, mas porque as crianças precisam desse convívio para poderem amar e defender a natureza.

    Frustrações e autoridade

    Além disso, precisamos preparar nossos filhos para uma vida em sociedade, para as dificuldades e frustrações, e temos que ensinar regras de convivências básicas. A gente tem uma responsabilidade para educar para essa vida que eles vão ter no futuro. E a única forma de fazer isso é usando o diálogo e a autoridade.

    Autoridade não é autoritarismo. A autoridade escuta e dialoga. É a partir da escuta da criança que tomamos algumas das decisões, mas ao final, quem manda são os pais. Não é possível uma criança de 3 anos definir o programa da família no domingo ou o que se compra para entrar na geladeira. Quem tem que decidir é os pais. Mas saber diferenciar autoridade e autoritarismo é essencial. O autoritarismo passa do limite. É preciso buscar sempre o diálogo, a conversa, o acolhimento, nunca gritos e castigos. A autoridade é serena. O castigo físico é a suprema perda da autoridade e da coerência.

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    Mas a autoridade é necessária porque uma criança superprotegida, que não pode se frustrar, não pode se machucar, não pode perder, não pode correr riscos, fracassar e se entediar não vai aprender a sobreviver nesse mundo. Não existe satisfação permanente, há insucessos, dores, perdas, brigas. A criança precisa estar preparada, e, essa preparação se dá na infância. É preciso que ela chore pela frustração sem ter que ganhar a “chupeta”. A conversa, demosntrar que entendemos que ela ficou triste, mas que isso passa – pode ser bem melhor.

    É preciso expô-las um pouquinho aos riscos para que elas aprendam a avaliá-los. Riscos calculados e percebidos, que não representem de fato perigo para a criança, são importantes para o desenvolvimento de competências cognitivas sociais, físicas e psicológicas, como a autonomia, a autoconfiança, o reconhecimento das próprias habilidades e dos limites, a resiliência. O melhor jeito para isso é deixar os pequenos livres na natureza, quando poderão pensar coisas como: “Será que se eu subir mais neste tronco eu vou me machucar?”; “Se eu pular esse barranco, irei me machucar?”.

    É preciso deixar que resolvam os problemas com que se deparam, na medida da capacidade deles, e deixar que se frustrem e que não consigam aquilo que querem, porque vão ter que lidar com essas situações mais tarde. Isso é profundamente formador para um ser humano íntegro e feliz no futuro.

    Temos que entender que o choro, manifestação típica da infância, não significa que estamos deixando nosso filho sofrer, mas educando-o. O choro é uma forma de comunicação quando estão zangados, chateados. Crianças precisam passar por isso, e a gente tem que aguentar um pouquinho. Uma criança que aprende a lidar com problemas em um ambiente amoroso e de afeto vai se tornar um adulto mais preparado para vida, mais feliz e saudável.

    Importância da família

    Também é muito importante deixar que a criança entre em contato com a visão do outro, com a fala do outro, e que saiba escutar, desenvolvendo assim a empatia. O mundo precisa muito disso. Para isso, começamos dando o exemplo: sempre escutar e acolher as emoções de nossos filhos, dialogar.

    A família é o locus fundamental da aquisição das habilidades essenciais para a vida em sociedade: a noção de que para conquistar algo é preciso esforço, de que há gratificação, de que é necessário esperar um pouco para se conseguir o que se quer, a empatia, o trabalho em grupo, considerar o outro, lidar com a frustração, saber dialogar – quem fornece tudo isso é a família, e não a escola.

    As tarefas domésticas são maneiras bem bacanas para ensinar que a vida não vem na bandeja. As crianças devem participar dos processos coletivos dentro de casa, que estejam à altura de suas capacidades. Podem arrumar a cama, ajudar a lavar a louça, arrumar o quarto, mesmo nas casas que têm empregada doméstica. Precisam entender que não são hóspedes do próprio lar.

    Finalmente, é essencial relembrar a importância da presença dos cuidadores. Pode ser um pai e uma mãe, uma mãe e uma avó, duas mães, dois pais, hoje em dia temos essa diversidade familiar, mas o importante é o estar junto. Não precisa estar interagindo e brincando o tempo inteiro, mas estar ali, com celular desligado, sem pegá-lo a cada dois minutos para acompanhar as redes sociais. Quer um segredo? desligue as notificações.

    Acordar sua filha, escovar os dentes, ajudar a vestir, contar histórias para dormir, contar algo sobre a própria infância, levar e buscar para escola, jantar junto, isso desenvolve intimidade, toda essa convivência faz com que a criança seja realmente formada por meio da influência dos cuidadores. A construção da personalidade da criança e a formação das memórias afetivas se dão a partir dessa convivência, tão preciosa. Só quem tem intimidade com seus filhos pode ter autoridade para dizer não, pode verdadeiramente educar uma criança.

    Daniel Becker é pediatra formado e com residência pela UFRJ, mestre em saúde pública pela FIOCRUZ. Foi pediatra do Médicos sem Fronteiras, na Tailândia, e um dos criadores do Programa Saúde da Família. Fundou e presidiu por 20 anos o Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), ONG que é referência em saúde de comunidades populares e já esteve em mais de 20 países a trabalho. É colaborador do UNICEF e da OMS, palestrante e consultor de fundações e empresas. É pioneiro da pediatria integral: uma prática que amplia o olhar e o cuidado para promover o desenvolvimento pleno e o bem-estar da criança e da sua família. Escreve e publica videos em facebook.com/pediatriaintegral.

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