‘Empreender gera transformações úteis à coletividade’, define criador da Pedagogia Empreendedora

Metodologia criada por Fernando Dolabela foi reconhecida pela ONU como programa de "Boas Práticas" para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável

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‘Empreender gera transformações úteis à coletividade’, diz criador da Pedagogia Empreendedora
Empreendedorismo tem relação com criatividade e inovação, diz Fernando Dolabela, criador da Pedagogia Empreendedora
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Qual a relação entre empreendedorismo e desenvolvimento sustentável? Que novas ferramentas de aprendizagem são exigidas, no mundo de hoje, para que os jovens consigam atingir seus objetivos profissionais e ter êxito em seus sonhos e projetos? Para a ONU UNIDO [United Nations Industrial Development Organization], braço das Nações Unidas que trata do desenvolvimento industrial, esses dois temas se entrelaçam. E mais: um professor brasileiro criou uma metodologia, a Pedagogia Empreendedora, agora oficialmente reconhecida pelo Sistema UNIDO “como um programa de “Boas Práticas” para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável”.

“É um reconhecimento pela dedicação e empenho em dar aos jovens as ferramentas para guiar os seus sonhos”, disse Luis Oscar Pino Marin, do Programa de Nações Unidas Desenvolvimento Industrial, em mensagem enviada ao professor Fernando Dolabela, o criador da Pedagogia Empreendedora. Administrador de empresas, escritor, consultor internacional e um dos maiores especialistas em empreendedorismo no Brasil, Dolabela falou à Canguru News como teve a ideia de criar um metodologia para ensinar às crianças do ensino fundamental sobre empreendedorismo. Ele lamenta que o tema ainda seja um tabu no Brasil e pouco explorado, sobretudo em escolas particulares. Dolabela já implementou a metodologia da Pedagogia Empreendedora em mais de 2 mil escolas públicas da educação básica e em 4 escolas particulares do país. Desde julho de 2020 Dolabela é colunista da Canguru.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

O início de tudo

“Comecei a trabalhar com educação empreendedora para universitários, mais especificamente para alunos de Ciência da Computação, porque eu dava aulas na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais]. Comecei a trabalhar com eles dentro da disciplina convencional de Administração para motivá-los a empreender. O ensino brasileiro, de forma geral no mundo todo, é voltado para a formação de especialistas, pessoas que conhecem profundamente um determinado ramo do conhecimento ou da atividade humana. Não se pensava, naquela época, preparar e ensinar alguém a ser empreendedor. É uma área completamente nova. Durante toda a minha vida nunca tinha ouvido falar que seria possível alguém desenvolver o potencial empreendedor. Mesmo porque empreendedorismo não se pode ensinar. Mas se pode aprender. Comecei a trabalhar e a coisa deu muito certo. Por coincidência, a área mais propícia a se empreender é na informática, na computação, e os alunos adoraram. Havia um projeto do CNPq [projeto Softex] criado pelo professor Eduardo Moreira da Costa, e ele me disse que precisava preparar, no Brasil inteiro, alunos de Computação para serem empreendedores. Eu estava fascinado, naquele momento, por esse processo. Fiquei apaixonado perdidamente pela área. Comecei a trabalhar neste projeto Softex no Brasil todo, e ele já nasceu grande.”

É possível ensinar crianças e adolescentes a empreender?

“Criei um processo chamado “Training the trainers”, de formação de professores para trabalharem com empreendedorismo dentro da sala de aula. Foram 100 cursos de informática em todo o Brasil. Cheguei a trabalhar com 5 mil professores. Mas depois eu percebi que a universidade era um momento muito tardio para se começar a trabalhar com empreendedorismo, e ficou nítido para mim que precisávamos trabalhar com crianças e adolescentes. É interessante como a gente só vê o início de estudos e desenvolvimento do intelecto a partir de 17, 18 anos. Parece que no Brasil as pessoas nascem depois dos 18. Empreendedorismo não é um tema cognitivo, não é algo que se possa transferir num processo de aprendizagem. Ficou evidente, cada vez mais, que tínhamos que trabalhar com crianças, e de forma ampla, com o empreendedorismo no seu sentido universal e abrangente: gerar transformações que sejam úteis para a coletividade. Esse conceito ainda não é usual na literatura empreendedora, porque ainda se apegam à criação de empresas. Não é possível criar uma educação para crianças e adolescentes que fosse diretivista, que propusesse um caminho.

Empreender, significa, para mim, a inovação, a transformação, a criatividade, em qualquer área da relação humana. O artista, por natureza, é um grande empreendedor, porque inova como rotina.”

Um potencial que deve ser desenvolvido na educação básica

“Não tenho formação em pedagogia. A experiência didática que tinha era com adultos. Mas eu tinha essa paixão, e a paixão faz milagres. Aos poucos, consegui criar uma metodologia totalmente nova. No final da década de 90, visitei a Inglaterra e o Canadá. Mas outro pilar estava se tornando nítido para mim: a cultura local. Não se empreende da mesma forma nos EUA, no Brasil e na Itália. Há hábitos, costumes, visão de mundo e modelo mental. Eu não tinha como replicar aqui experiências de outros lugares. Há países muito mais avançados que o Brasil no aspecto cultural, de aceitação do empreendedorismo. O Brasil, até hoje, anda muito lentamente neste campo porque o transformou em algo ideológico. O empreendedor, por algumas camadas da população, é demonizado, porque o empreendedorismo como tema acadêmico e como ensino é muito novo no mundo, falamos de quatro décadas. Funciona assim: as pessoas têm criatividade, essa criatividade tem que ser estimulada e transformada em valores inovadores que sejam úteis. É assim que o ser humano funciona. No meu modo de ver, o empreendedorismo é um potencial que deve ser desenvolvido como outros. A escola trabalha com vários outros potenciais e consegue desenvolvê-los, mas não consegue desenvolver o potencial empreendedor. Na universidade, a aula de empreendedorismo não traz consequências positivas. [Neste ponto da vida] a pessoa não está pensando em empreender… Nos EUA, polo central de empreendedorismo, empreender é um fenômeno de cidades. Cresce no entorno das cidades. O Vale do Silício é isso.”

O livro e sua aplicação

“O livro, chamado Pedagogia Empreendedora, é para os pais. Os pais são importantes no processo. No ensino convencional, o filho de um agricultor analfabeto pode ser PhD em física, nada impede. No empreendedorismo, é importante o contágio social. Filhos de pais que negam o empreendedorismo têm mais dificuldade do que filhos de pais empreendedores. Essa metodologia foi desenvolvida e aplicada em 150 cidades, porque o empreendedorismo é um fenômeno comunitário. É preciso uma coalizão social entre governo, sociedade, empresas, etc. Essas cidades me contratam, pela prefeitura. Implementei em cerca de 2 mil escolas públicas da educação básica e em 4 escolas privadas. Me enganei quando pensei, no início, que meus clientes seriam escolas particulares. Quando o prefeito tem boas intenções e quer desenvolver a cidade, percebe a importância da formação empreendedora.”

A relação com a ONU

Fui convidado para dar uma palestra em Viena, em 2015, na ONU UNIDO, que trata de Desenvolvimento Industrial [United Nations Industrial Development Organization]. Chegando lá, disseram que usam a minha metodologia da Pedagogia Empreendedora para disseminar o empreendendorismo em países da África, de língua portuguesa. Fico muito feliz que estejam utilizando. A partir daí tive a oportunidade de fazer alguns trabalhos em Cabo Verde. Já fui convidado para ir a São Tomé e Príncipe, quando a pandemia deixar. O que aconteceu agora, a novidade é que a ONU UNIDO reconheceu a metodologia como uma boa prática para sustentar os programas de metas do milênio. Essa metodologia foi reconhecida como algo válido para a educação empreendedora em boa parte do mundo. Recebi uma carta da ONU com esse teor. É o reconhecimento de algo efetivo.

Home office há mais de 30 anos: as aulas do futuro

“Já faço home office há 30 anos, então chegou o momento que eu esperava. Acho que essa era [ensino à distância] é sem retorno. Lógico que alguma perda certamente existe, mas a flexibilidade, o alcance, as variações de absorção e comunicação são infinitamente maiores do que uma aula presencial. Aliás, acho que esse negócio de aula vai mudar. Já está mudando. Essa história de aprender durante a aula é obsoleto. Tem que ir à aula já com o conhecimento, pronto para discutir. O empreendedor age assim. Ele faz para aprender. Estou lendo a biografia do Leonardo da Vinci e é isso que ele fazia, ela se dizia um experimentador.”



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