As estatísticas confirmam a suspeita: em 2020, na pandemia, o volume de divórcios atingiu números recordes. Foram mais de 75 mil rompimentos registrados diretamente nos Cartórios de Notas do Brasil. O número aumentou drasticamente entre maio e julho do ano passado, com um crescimento de 54%, segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB). Um fator que contribuiu para essa alta foi a possibilidade de realizar o divórcio online. A plataforma e-Notariado, regulamentada em junho de 2020 e administrada pelo CNB, relatou que houve um crescimento médio mensal de 24% nos atos praticados de forma digital. Em fevereiro deste ano, houve a maior quantidade de registros desde o seu lançamento.
A pandemia, sem dúvida, tornou a convivência familiar muito mais intensa. Muitas famílias usaram os períodos de isolamento para estreitar os laços, mas essa rotina também arruinou várias histórias de amor. Segundo Tayora Dantas, psicóloga conjugal e familiar, a obrigação da convivência evidencia problemas já existentes, como conflitos de princípios, interesses e condutas. Além disso, de acordo com a especialista, problemas financeiros, que foram ainda mais agravados com o contexto pandêmico, também interferem na qualidade do relacionamento. Por esses e outros motivos, diversos casais brasileiros tomaram a difícil decisão de separação. O divórcio em plena pandemia, diz ela, é agravado por dois aspectos: falta de suporte social, já que o ex-casal pode receber um auxílio de forma remota, e o desafio de remodelar a convivência com os filhos.
O casal que opta pelo rompimento amoroso não recebe ajuda da família e dos amigos com a mesma intensidade, devido às restrições da pandemia.Com certeza é possível ajudar o casal de forma remota, mas não é o mesmo do que receber apoio emocional por meio do contato físico. Além disso, a discussão sobre o convívio com os filhos pode ser cercada de tensão. Com divórcio, o casal pode apresentar ideais diferentes sobre protocolos de segurança em relação à pandemia. “Já tive casos de famílias que tiveram conflitos acirrados pelo fato de um não confiar 100% nas condutas do outro. Muitas restringiram o contato dos filhos com o pai ou com a mãe ou com outros familiares por conta do coronavírus”, explica Tayora. Nestes casos, a especialista diz que é importante manter o contato através de chamadas de vídeo, mensagens ou ligações telefônicas.
Renata Borja, psicóloga especializada em terapia cognitivo comportamental, completa que os pais também podem ficar mais sobrecarregados devido à falta de suporte externo. Além disso, aponta que o aumento de gastos é outro conflito para as famílias: “Os empregos estão mais escassos, muitas pessoas estão desempregadas”. Devido à pandemia, o Brasil atingiu uma taxa de desemprego recorde em 2020, chegando a 13,9%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No trimestre encerrado em janeiro de 2021, esse número já passou para 14,2%.
“Outro dado importante é o aumento de denúncias de violência doméstica durante a pandemia, o que também impacta no número de divórcios”, ressalta Tayora Dantas. De acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH), em abril, no início do isolamento social, as denúncias de violência contra a mulher cresceram quase 40% em relação ao mesmo mês de 2019. Em casos de relacionamentos abusivos, a separação é a melhor solução. Além de afetar a mulher, também impacta os filhos.
Leia também: Veja as reações mais comuns dos filhos que têm trauma com o divórcio dos pais
Emoções à flor da pele: o impacto para as crianças
Tayora conta que a separação é um processo que afeta todos que são próximos ao casal, tanto os filhos quanto os familiares e amigos, cada um de uma forma diferente. “Nós estamos todos sensibilizados, são muitas perdas consecutivas. Os pais ficam ainda mais vulneráveis, porque estamos vivendo um momento de muitas incertezas. Sem dúvida, isso traz consequências emocionais para todos”, relata a psicóloga.
As crianças, que já tiveram sua rotina alterada devido à pandemia, são muito impactadas pelo divórcio dos pais, pois isso significa ainda mais mudanças na vida dos pequenos. “O isolamento social interfere diretamente no psicológico das crianças. Elas estão com as emoções de uma forma muito mais desestabilizada, porque todo mundo está desestabilizado. As consequências da separação vão ser muito mais exacerbadas diante dessa circunstância atual que nós estamos vivendo”, conta Renata Borja.
Para amenizar a situação, Tayora diz que é fundamental que os pais conversem com os filhos sobre a separação. “Minha sugestão é que essa comunicação seja feita em conjunto, para que eles tenham a clareza da necessidade desse cuidado com a criança. O divórcio deve ser informado de forma superficial e breve”, indica. É importante não detalhar a situação, os pequenos não devem ser envolvidos nos conflitos conjugais. Também é preciso deixar claro que a criança não é culpada pela separação e que ela vai continuar tendo contato e sendo amada por ambos os pais. A especialista recomenda que, se possível, é interessante comunicar logo as primeiras providências que serão tomadas, como quem vai sair de casa. Dessa forma, a criança já começa a materializar as informações.
Leia também: Por que ‘divórcio’ está entre as buscas que mais crescem no Google
“É crucial separar a conjugalidade da parentalidade”, aponta Tayora Dantas
Mesmo com todas as desavenças com o casamento, o papel parental não deve ser afetado. “Apesar de o casal passar por um sofrimento muito grande, a criança é a mais vulnerável nessa situação. As capacidades emocionais e cognitivas dos adultos são muito maiores do que as da criança. Os pais vão continuar sendo essa fortaleza para os filhos”, afirma Tayora. Não é preciso que tenham uma amizade, mas é necessário que se comuniquem em relação ao bem estar da criança. “Eles precisam manter o mínimo de diálogo para que essa criança tenha um cuidado adequado. Quando existe esse diálogo, a criança tem a segurança de que ela continua sendo amada”, completa.
Outro ponto que Tayora costuma trabalhar é a comunicação não violenta, em que os pais não transmitem suas mágoas nas falas. Assim, a conversa não se transforma em uma discussão. “É importante comunicar o fato e não a sua interpretação dele; falar sobre o seu sentimento e não o julgamento do que a outra pessoa fez; e explicar qual é a sua necessidade em frente àquela situação, sem cobrar. Cada um fazendo o seu possível”, indica a psicóloga conjugal.
Renata adiciona que os pais precisam atentar-se à mudança de comportamento das crianças. Elas vão experienciar muitas emoções e é preciso abraçar todas elas. “Se a criança está com algum problema emocional, ela demonstra através de comportamentos inadequados. É necessário acolher e entender que a criança tem direito de se sentir desconfortável, de se sentir mal, de ter emoções”, diz. É comum que os pequenos tenham raiva, ansiedade e tristeza, por isso, vão precisar de muito apoio dos pais. Os filhos devem ser acolhidos e corrigidos no comportamento, o que não significa ser ruim com eles. O convívio genuíno, próximo, afetuoso e respeitoso é essencial.
Leia também: Lei de alienação parental completa 10 anos
O perigo da alienação parental
Outro aspecto muito importante que Renata destaca é a alienação parental. Esse conceito designa a grave situação em que a criança ou adolescente é induzida a destruir seus vínculos com um dos pais. Este é um tema bastante atual, polêmico e recorrente que vem despertando a atenção de vários profissionais da área jurídica e da saúde.
“A alienação toma proporções que você não tem ideia. É muito sério”, opina a psicóloga. De forma inconsciente, os pais podem usar os pequenos como uma forma de afetar o outro, o que traz sérias consequências para os filhos não só quando crianças, mas quando adultos também. A alienação parental pode gerar graves prejuízos nas relações futuras dos filhos, assim como interferir em outras esferas da vida deles, incluindo o trabalho e a autoestima. Por isso, Renata alerta que é muito importante que os pais atentem-se a respeito desse aspecto. Segundo a especialista, uma forma de evitar que a alienação aconteça é não falar mal do ex-parceiro na frente das crianças.
Ajuda profissional
Especialmente em casos em que a relação termina de forma conturbada, Renata recomenda que os pais busquem apoio psicológico com profissionais da área. Ainda mais durante a pandemia, o divórcio pode trazer sentimentos muito mais intensos. “Os dois precisam entender que os problemas não acabam com a separação. Às vezes, eles vão ter que pedir ajuda profissional para conseguirem se entender e se comunicar de forma efetiva, chegando a uma conclusão comum”, relata. Mesmo com todas as mágoas, eles precisam fazer o máximo para preservar a própria saúde emocional, assim como a das crianças.
“As pessoas acham que precisa fazer terapia de casal só se elas quiserem ficar juntas, e isso não é verdade. Elas vão precisar fazer terapia como pais, para ajudar as crianças”, conta Renata. Apesar de não parecer, é possível sobreviver a um coração partido mesmo com todas as adversidades da pandemia. A psicóloga afirma que as pessoas não devem hesitar em pedir ajuda. A melhor forma de passar por essa situação é transformar sentimentos em palavras.
Leia também: Pais divorciados: 5 formas de melhorar a relação com o ex-parceiro e assim favorecer as crianças