Gosto muito do modelo de divisão das responsabilidades na alimentação desenvolvido pela nutricionista americana Ellyn Satter. Dentre outras recomendações, ela pontua que é responsabilidade dos pais decidir o que, quando e onde será oferecida a alimentação, em intervalos regulares e com escolhas saudáveis, fazendo da refeição um momento agradável e diz também que os pais devem servir de modelo alimentar para seus filhos. À criança, cabe decidir o quanto vai comer (e se vai comer); comer a quantidade de que precisam; aprender a comer o que os pais comem e aprender a se comportar nas refeições.
No entanto, nessa responsabilidade de escolher o que será ofertado aos nossos filhos, nos vemos arrastados por uma enxurrada de opiniões e informações, muitas vezes divergentes entre si, complicando a nossa tarefa. Tarefa essa que já não é muito fácil num mundo em que a propaganda estimula o consumo de alimentos ultraprocessados o tempo inteiro.
O aleitamento materno é recomendado de forma exclusiva até os seis meses de vida, com incontáveis benefícios para o binômio mãe-bebê, e deve ser continuado de forma complementada até os dois anos de idade ou mais, sempre que possível. No entanto, quando o desmame do seio materno acontece, é necessário escolher um substituto adequado para a idade da criança.
Antes de um ano de idade, o leite de vaca não deve ser oferecido como substituto ao leite materno, porque é sabido que não possui as características nutricionais adequadas para essa fase da vida.
As fórmulas infantis preenchem essa função, seguindo um conjunto de regras para a sua composição, sendo seguras e oferecendo nutrientes necessários para o crescimento e desenvolvimento dos bebês dessa faixa etária.
Já nas recomendações para crianças maiores de um ano é que a polêmica se instalou há cerca de três anos quando a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN) lançou um posicionamento desencorajando o uso de compostos lácteos na idade de 1 a 3 anos. Esse documento gerou uma série de discussões acerca da melhor maneira de substituir o aleitamento materno nessa faixa etária. Isso porque fórmulas lácteas e compostos lácteos são diferentes produtos, mas nem sempre essa informação chega ao consumidor final.
Como já disse, fórmulas lácteas seguem um conjunto de regras estabelecidas para ofertar um produto final que se aproxime às características do leite materno. Já os compostos lácteos, necessitam ter apenas 51% de leite na sua composição, podendo ter aromatizantes e outros aditivos químicos, além de utilizar outros tipos de açúcar que não a lactose – o açúcar natural do leite – para melhorar a palatabilidade do líquido final.
Nos preocupamos muito com a introdução alimentar a partir dos primeiros meses de vida, mas o segundo ano é tão valioso quanto o primeiro. São os chamados primeiros 1000 dias de vida do ser humano: período em que o nosso material genético está muito mais suscetível a modificações impostas pelo ambiente, pelos estímulos e pela nutrição.
Portanto, escolher adequadamente um substituto do leite materno faz parte da estratégia que almeja a prevenção de doenças crônicas no adulto. Talvez um produto com inúmeras suplementações, mas com aditivos químicos e açúcares de alto índice glicêmico não seja mesmo a melhor opção.
Sendo dessa maneira, a recomendação atual é preferir fórmulas lácteas em vez do composto lácteo e, na impossibilidade, oferecer leite de vaca integral e ajustar a necessidade de suplementação com o pediatra, avaliando-se os outros componentes da dieta. Ainda assim, talvez seja preferível um composto lácteo a um leite de vaca com achocolatado açucarado, por exemplo, que ainda é um hábito muito comum nos lares brasileiros.
Conseguem ver a importância de individualizar a conduta para cada criança, inserida no contexto dos hábitos alimentares familiares e, por fim, chegarmos a um caminho que seja bom para todos?
Acredito que a parceria entre a família e o pediatra é fundamental para guiar escolhas saudáveis e promover bons hábitos de vida. É na consulta pediátrica de rotina que podemos proteger as famílias de serem bombardeadas de informações conflitantes e guiá-las por um caminho de confiança nas escolhas feitas. Converse com seu Pediatra.
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