“Na nossa sociedade, muitas vezes, somos inundados por conselhos parentais que embora bem intencionados são fundamentados em mitos, ideias preconcebidas e hábitos culturais, mesmo quando são dados por alguns profissionais”, afirma a educadora parental sueca radicada em Portugal, Mikaela Övén, fundadora da Academia da Parentalidade Consciente e autora de sete livros, entre os quais Educar com Mindfulness.
Ela diz que ela própria recebeu muitos conselhos quando teve filhos “que além de não solicitados, eram muito maus”, e lembra que essas orientações ignoram as descobertas científicas sobre o desenvolvimento infantil caindo na armadilha de práticas ultrapassadas, desde a crença na inflexibilidade de regras e limites até a promoção de papéis de gênero arcaicos.
“É crucial repensar e atualizar estas ideias, integrando a compreensão científica e as necessidades individuais de cada criança, para promover uma parentalidade mais informada, eficaz e consciente”, ressalta a especialista, que é mãe há quase 20 anos e trabalha na área de educação parental há mais de dez anos. Ela selecionou tópicos polêmicos – como dar palmadas e ser flexível demais com os filhos – visando desmistificar essas ideias equivocadas sobre conselhos que podem mais prejudicar do que ajudar.
1. “O comportamento da criança tem de ter consequências. Se não, ela nunca vai aprender.”
Um comportamento tem sempre consequências (naturais). E quando é dado este conselho, o pressuposto costuma ser que os pais devem castigar/punir a criança e inventar uma consequência para o comportamento. Por exemplo, se a criança bate no amigo deve ficar sem ipad, consequência que não faz sentido por tantas razões diferentes. Já se ela quebra o ipad e fica sem ipad, essa é uma consequência natural.
omo pais não temos a obrigação de dar aos nossos filhos tudo que eles querem. Por outro lado, acredito que temos a obrigação de lhes dar tudo que precisam. E a diferença entre desejo e necessidade é que noto que muita gente não está a entender. Quem critica a parentalidade consciente acha que temos de dar às crianças tudo que pedem e isso ‘não pode ser” e quem se torna muito permissivo simpelsmente não faz a distinção. Um exemplo simples: A criança pede um gelado a hora de jantar. O gelado é um desejo, alimentar-se é uma necessidade. Posso dizer que sim ou que não ao gelado, mas tenho de dizer que sim à necessidade da criança se alimentar. E tal como satisfazemos necessidades fisiológicas também devemos satisfazer necessidades emocionais. Por exemplo, a criança quer ficar a brincar em vez de dormir. Ao observar entendemos que ela tem necessidade de conexão pois passamos o dia todo separados. Posso dizer que não ao brincar mas assegurar que a conexão está muito presente durante as rotinas de deitar. Ou seja podemos escolher satisfazer ou não um desejo. Em relação às necessidades, se queremos mesmo proporcionar o melhor ambiente possível para os nossos filhos, então em relação às necessidades não há grande escolha.
Que nós por aqui que temos as principais necessidades básicas nutridas, temos água limpa e comida para comer e casa com uma cama que nos permite descansar, possamos refletir a sério sobre esta nossa obrigação que tantas vezes nos esquecemos porque estamos demasiado ocupados a corrigir comportamentos.
2. “Ignora e faz de conta que o seu filho não existe (quando ele faz uma birra).”
Pelas lentes da ciência, uma criança que tem birras frequentes e regulares não está passando por “uma fase”, não está “tentando manipular”, nem está “portando-se mal”, ela está presa num ciclo de estresse e precisa de ajuda para sair dele. Ela está num estado de desregulação (birra) e precisa ter as suas necessidades preenchidas. Isso não significa que temos de comprar o brinquedo que a criança tanto quer, mesmo que pareça uma questão da vida ou da morte. Separamos o desejo (do brinquedo) das necessidades (conexão, regulação, segurança…). E podemos suprir necessidades, sem ceder aos desejos.
Os pais são os “líderes” de regulação, não ao contrário. Eles têm de validar as emoções e manter a sua decisão. Para tanto, podem dizer algo como “Percebo que querias muito aquele brinquedo. E agora estás muito zangado porque não o pudeste
ter. Às vezes é mesmo dífícil lidar com a frustração. Para mim isso também pode ser dífícil quando quero muito uma coisa e não a posso ter.”
Quando conseguimos manter a calma, conectar e amar, a oxitocina que o nosso corpo produz ajuda-nos a nos recuperar da desregulação. Assegurar que temos conexão com os nossos filhos nas interações do dia a dia – como ao brincar, nas refeições, na hora de dormir – criamos um amortecedor contra o estresse, tanto para nós como para os nossos filhos.
3. “Um ‘não’ é sempre um ‘não’. Se você for flexível terá problemas.”
Às vezes, como mãe, digo “nãos” que depois percebo que não fazem sentido. Então, reconsidero. Acho que isso é uma excelente competência a ter e os meus filhos aprendem muito com isso. Não se trata de ser permissivo nem que não haja um fio condutor. A diferença é se o fio condutor é apenas a consistência (o que nos leva a fazer muitas bobagens na vida) ou a congruência às necessidades presentes. E o que confunde a criança é quando há falta de congruência. As crianças tendem a respeitar muito mais os “nãos” congruentes. Um exemplo: por norma, jantamos à mesa. Mas às vezes gosto de assistir à TV durante o jantar e por isso posso reconsiderar os pedidos dos meus filhos, porque é algo que satisfaz melhor as necessidades de todos. Em vez de um jantar tenso à mesa, crio um bom momento para toda a família em frente à TV, conforme explico no livro “Educar com Mindfulness”.
4. “Uma palmada nunca fez mal a ninguem!”
Violência não cabe num relacionamento saudável, e isso inclui “a palmadinha”. Entendo perfeitamente que, numa sociedade onde a palmada é regularmente usada e onde muita gente cresceu com ela, em momentos de despespero ela possa surgir. Há momentos mesmo difíceis na parentalidade. Mas há uma diferença enorme entre algo que acontece esporadicamente em situações de muita falta de recursos, junto com a consciência de que o que se fez não é o melhor, e a defesa de um direito de bater numa criança. Os estudos apontam para um risco de saúde mental futura pior, indicam que a palmada NÃO faz bem e mostram também que a palmada NÃO melhora o comportamento a longo prazo, que costuma ser o principal argumento de quem usa desse recurso. E não é preciso pesquisa para perceber que a palmada não ensina resolução de conflitos e competências saudáveis para relacionamentos (embora essa investigação também exista).
Inicialmente, temos de prestar atenção no que nós estamos sentindo, as sensações físicas, as emoções e os pensamentos que nos surgem. Praticar a respiração pode ajudar a diminuir a intensidade das emoções. Em seguida, devemos observar qual a nossa necessidade, se mais controle, respeito, previsibilildade ou mesmo descanso. Temos de analisar também quais as necessidades da criança: fome, sono, autonomia, liberdade de escolha… Volte agora para as sensações físicas, sensações e pensamentos e observe se está mais confortável. Então, reflita sobre o que pode ser feito, em vez de baer, para satisfazer as necessidades presentes e quais os limites a comunicar conscientemente. Ela fala mais sobre esse tema aqui.
5. “A criança só quer atenção. Não lhe dê atenção quando se comporta mal.”
Ouvimos tantas vezes essas frases… e as estratégias que seguem vão entre o ignorar, chateações, esgotamento, castigos e até palmadas. São muitas as pessoas que se esquecem de fazer uma pergunta essencial: O que está por detrás dessa busca de atenção?
Tanto nós, adultos, como as crianças queremos e PRECISAMOS de atenção de outras pessoas. Está na nossa natureza. É uma necessidade humana que precisamos ter preenchida para nos sentirmos bem, para sobrevivermos até! Se eu não tiver a minha necessidade de atenção satisfeita, vou procurar satisfazê-la. Mas nem sempre o faço de uma forma saudável para as minhas relações e isso acontece também com as crianças, que podem procurar atenção de uma forma perturbadora que ‘não faz sentido porque já recebe tanta atenção’ ou de uma forma que possa ser prejudicial para elas mesmas. Porém, talvez não estávamos fazendo as coisas que realmente carregam a ‘bateria de atenção’ da criança.
É óbvio também que as vezes não nos sentimos em condições para atender a necessidade de atenção dos outros e não é suposto fazermos isso a toda a hora, mas a procura de atenção do outro continua válida.
Portanto, a criança nunca quer ‘só’ atenção, e não deve ser punida por isso. Ela precisa de atenção, e deve recebê-la. As duas principais perguntas a fazer para ter sucesso na satisfação da necessidade são:
– a criança está à procura de atenção por quê?
– qual a melhor forma de eu satisfazer a sua necessidade?
Aqui, Mikaela fala mais sobre a procura por atenção.
E você, quais conselhos já ouviu durante a jornada da parentalidade?