Olhos vermelhos, lacrimejamento, sensibilidade à luz e dores de cabeça são sintomas que muitas vezes podem passar despercebidos, mas, quando observados nas crianças, são possíveis sinais de que algo não vai bem com a visão. De acordo com levantamentos realizados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), cerca de 20% das crianças em idade escolar apresentam problemas de vista. Durante a pandemia, os números demonstraram um aumento ainda maior na incidência de miopia, um dos erros refrativos mais comuns: em outro levantamento realizado pelo CBO em abril e junho de 2021, com 295 oftalmologistas, sete em cada dez médicos identificaram uma alta no número de crianças com miopia durante o período de pandemia.
Segundo a Dra Bruna Lana Ducca, médica oftalmologista da EyeKids Oftalmopediatria e membro da Associação Americana de Oftalmopediatria, esse crescimento na incidência de miopia nas crianças possui conexão direta com o aumento da frequência do uso de eletrônicos no período de pandemia. “O uso excessivo de telas, principalmente tablet e celular, influencia, porque o uso prolongado da visão de perto faz com que o olho aumente de tamanho, de diâmetro, e um olho maior é um olho míope. Esse uso prolongado de eletrônicos pode levar também a outras consequências além da miopia, como dor de cabeça, visão embaçada, olho seco, fora os outros problemas de uma forma geral”, explica.
Impacto das telas na saúde da visão na infância
Bruna ressalta que como a miopia está relacionada com o aumento do tamanho do olho, esse problema surge normalmente em crianças mais velhas, durante o estirão de crescimento por volta dos 12 anos, quando o olho tem seu maior crescimento. Entretanto, ao exercitar de forma constante a visão de perto, o uso de eletrônicos de forma excessiva contribui para que esse crescimento ocorra mesmo em crianças menores, antes do estirão. “A recomendação, agora que as aulas já voltaram, é reduzir ao máximo o uso de telas, e a recomendação oficial até os dois anos de idade é não usar telas. Evitar o uso de telas pelas crianças de 2 a 5 anos, no máximo uma hora por dia, e acima dos 5 anos no máximo duas horas por dia.” Atividades ao ar livre também devem ser incentivadas, pois a prática de atividade física exercita a visão de longe.
A Profa.Dra.Keila Monteiro de Carvalho, médica oftalmologista, professora titular de oftalmologia da Unicamp e Coordenadora do Serviço de Estrabismo, Oftalmologia Pediátrica e Visão Subnormal do Hospital de Clínicas da Unicamp, também aponta que o uso de eletrônicos pode impactar em questões além da miopia na visão das crianças. “Há muitos relatos na literatura médica de aparecimento de estrabismo [desvio dos olhos] com componente acomodativo e diplopia [visão dupla] consequente. Recomenda-se nesse caso o uso da refração adequada e diminuir o tempo de exposição ao celular. Além disso, usar o computador é melhor pois a distância de trabalho é maior, o que diminui a chance de desencadear estrabismo.”
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Apesar do uso de telas ser uma causa de destaque, principalmente como consequência da pandemia do coronavírus e as aulas online, a criança também pode precisar de usar óculos devido a outros comportamentos, que impactam em outros dos chamados ‘erros refrativos’: miopia, astigmatismo e hipermetropia. “Coçar os olhos com muita frequência também é um fator que pode fazer as crianças usarem óculos. Criança que tem alergia, alergia nos olhos, coça muito, e o fato de coçar causa uma deformidade na córnea, o que leva ao astigmatismo. Em casos mais severos, quando a criança coça muito e já tem uma predisposição ou um antecedente na família, pode surgir uma doença córnea mais grave”, pontua Bruna Ducca.
Nesse contexto, a criança pode dar alguns sinais de que a visão não está normal, e o uso de lentes corretivas pode ser necessário. Segundo Bruna, geralmente, os sinais de que a criança precisa usar óculos acontecem nas crianças um pouco mais velhas, principalmente na fase de alfabetização. “A criança aperta os olhos para olhar de longe, ler a lousa. Nos casos de hipermetropia, em graus mais altos, a criança tem dor de cabeça ou cansaço visual após leitura prolongada”, diz.
Além disso, quando a criança passa a desviar os olhos e apresentar um estrabismo, isso também pode ser um sinal de grau. A especialista destaca que crianças que caem muito, se aproximam demais dos objetos para enxergar e que piscam muito, podem estar manifestando sinais de que está precisando de óculos.
De modo geral, Dra Keila lista alguns sinais para os pais ficarem atentos na visão das crianças que podem representar algum grau de miopia, hipermetropia ou astigmatismo:
- Olhos vermelhos
- Lacrimejamento
- Apertar os olhos para enxergar
- Coçar os olhos
- Olhar muito próximo das telas
- Chegar muito perto da lousa
- Sensibilidade à luz
- Dores de cabeça
Apesar de ajudarem a família a perceberem a necessidade da criança de usar óculos, é comum também que esses sinais não sejam percebidos ou sequer manifestados, e a criança não percebê-los como um incômodo. “Na maioria dos casos, principalmente nas crianças pequenas e nos bebês, esses sinais não ocorrem, porque a criança já está habituada a ter a visão embaçada e ela não demonstra. É comum no consultório a gente ter algumas surpresas, de crianças que vem sem queixa nenhuma e a gente descobre graus mais altos, mas a criança já está adaptada e não tem sintoma nenhum de que têm algum grau e precisa de óculos”, conta a oftalmologista Bruna Ducca.
Diagnóstico precoce e acompanhamento é essencial
Caso a criança apresente sinais de problemas na visão, o ideal é levá-la a um oftalmologista que possa avaliar se há realmente algo diferente na visão, o que é e qual a melhor forma de lidar, podendo haver a necessidade de usar óculos. Entretanto, Bruna Ducca ressalta que mesmo sem sinais, é muito importante que a criança passe por um acompanhamento oftalmológico, para que não tenha seu desenvolvimento afetado por problemas de visão.
“A recomendação da Academia Americana de Oftalmologia e da Sociedade Americana de Oftalmopediatria e Estrabismo indica que a primeira consulta oftalmológica deve ser realizada a partir dos seis meses de vida, dentro do primeiro ano de vida da criança, se não houver nenhum problema. Se os pais notarem um problema, logo nos primeiros meses de vida, já devem procurar um oftalmologista pediátrico. Depois disso, se a criança não tiver nenhum problema de visão, a rotina oftalmológica consiste em uma consulta, uma vez por ano, nos sete primeiros anos de vida, que é o período em que a visão se desenvolve. Se houver algum outro problema, então tem que ser feito o tratamento adequado, e o acompanhamento será de acordo com a necessidade”, explica a especialista.
Em conjunto, Dra Keila lembra que alguns exames são fundamentais para a identificação de erros refrativos e outros problemas de visão nas crianças desde o início da vida. “No recém-nascido, ainda no berçário, existe uma sistemática para triagem dos problemas oftalmológicos que é o chamado “Teste do Olhinho” ou “Teste do reflexo vermelho”. Ele deve ser realizado pelo pediatra neonatologista no exame das 12hs de vida do recém-nascido e detecta alguma anormalidade nos olhos do nenê.” Nesse teste, Keila explica que observa-se a simetria do reflexo vermelho utilizado, pois caso não seja simétrico, indica problema em um dos olhos.
“Na fase pré-escolar, entre 3 e 6 anos de idade, deve ser realizada a triagem de acuidade visual com a tabela com o “E” nas diversas posições, e a criança informa para que lado está a letra E. Caso a criança tenha detectada uma baixa acuidade visual [capacidade de percepção e nitidez] é então encaminhada a um exame oftalmológico. A partir desse momento, deverá ser acompanhada por um oftalmologista”, explica a médica.
Impacto na qualidade de vida e aprendizado
Quanto mais cedo sinais de problemas de visão nas crianças forem percebidos e o diagnóstico realizado, maior a chance de sucesso de um tratamento e ela desenvolver a visão de uma forma adequada do que se só for diagnosticado diagnosticar após a fase de desenvolvimento visual, até por volta dos 7 ou 8 anos.
“Além disso, muitas crianças com investigação diagnóstica de outros problemas, atraso no desenvolvimento, dificuldade na escola, deficiência intelectual e até mesmo autismo na verdade não tem esse diagnóstico, e sim problema de visão. Porque a criança que não enxerga não consegue interagir e se comunicar com o mundo”, diz Bruna Ducco.
Na escola, o uso de óculos pelas crianças que possuem alguma alteração na visão também faz grande diferença, como destaca Keila Monteiro. “Como consequência da falta de correção dos erros refrativos, aparecem as dificuldades escolares para estas crianças e adolescentes, causando o sério problema da inclusão. Quando pais e professores conseguem perceber que o baixo rendimento escolar pode estar sendo causado pelas dificuldades em enxergar, a qualidade de vida destas crianças começa a melhorar como um todo”, completa.
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